27/10/10

Espuma dos Dias que Foram 35

O céu de Londres
Afinal tantas declarações, avanços, recuos, afirmações, ultimatos, desde a célebre rentrée política no Caçadão de Quarteira, para dar hoje nisto: a manutenção de um cenário de abstenção. Aquele que Manuela Ferreira Leite sempre defendeu secamente e sem psicodramas. Este PSD é mais do mesmo; dessa matéria de que é feita hoje a política, pouca consistência, pouca visão, mas muitas “ideias”, muitas declarações, muitas tácticas e a boca sempre rápida a chegar ao microfone.

Perante isto, ouvir Cavaco Silva ontem a declarar que se recandidata, parece transportar-nos para um oásis de sanidade e responsabilidade. Tenho a sensação de que Cavaco Silva é um dos poucos políticos portugueses (não quero ser pessimista e dizer o único) que tem a noção da política como um serviço ao país, ele sabe que esse sentido de serviço é que pauta o exercício do seu cargo, concordemos ou não com algumas posições ou decisões suas.

19/10/10


Uma semana.

Entardecer 19

Hoje

18/10/10

Estamos mesmo a ver o que se passou: embora a modéstia o obrigue a dizer que "também tenho as minhas fontes para fazer comentário", Cavaco Silva convocou Marcelo Rebelo de Sousa a Belém, ou combinou um almoço com ele, para lhe comunicar que o anúncio da sua recandidatura a Belém se fará no dia 26 no CCB, e para lhe pedir que divulgasse o acto no seu espaço de opinião na TVI ontem. Cavaco Silva deve estar satisfeito. E eu cada vez gosto menos da esperteza e dos espertos.

17/10/10

Crónicas duma Constipação 2

Já tinha visto Cranford e Return to Cranford (série televisiva – duas temporadas - duma adaptação muito livre de três novelas de Elizabeth Gaskell) há uns meses, mas decidi rever a série e ainda bem que o fiz. Apreciei-a bem mais e confesso que há muito que não via nada que me deleitasse tanto. O sublime, o ridículo, a irrelevância elevada a problema, o problema minimizado, as estratégias de sobrevivência, a dignidade na adversidade, o medo do desconhecido e da diferença, o provincianismo, a compaixão (diferente da “solidariedade” conceito moderno que pressupõe “igualdade”), a ilusão, a esperança, o medo da mudança, mas os tempos que inexoravelmente mudam estão desenhados de forma imaculada nesta série tão aclamada da BBC. Uma reconstrução do universo da pequena localidade de Cranford em meados do século XIX, que nos deixa colados ao sofá, a sorrir, a suspirar, a rir, a comover.

Numa era de televisões, rádios, telemóveis, sms, twitters, blogs, e de internet a dar-nos acesso 24h por dia a qualquer desejo de informação por mais desinteressante e fútil que possa ser (notícias a vídeos, opiniões, informação diversa sobre tudo e nada - muito nada), mergulhar no mundo de Cranford – em meados do séc. XIX - é uma terapia altamente benéfica: uma limpeza interior – diria mais, uma exfoliação interior que aconselho vivamente. Mergulhar nesse mundo onde comer uma laranja é um gesto exótico, acender mais de duas velas para ler ao serão, uma ousadia, e onde as relações entre as pessoas não deixam de ser intensas só porque são mais formais e desprovidas do excesso de familiaridade que o estar sempre disponível e “visível” de hoje nos dá é refrescante. Há sempre contenção, por muito que se espreite da janela.

Os actores são formidáveis e o universo é absolutamente credível. Um conto mágico para adultos verem.

Crónica Feminina 5

Entretanto, na Alemanha, uma mulher fala claro:


Não tarda muito a tão tipicamente europeia patrulha politicamente do "nós é que somos justos, nós é que sabemos, nós é que somos tolerantes e anti-nazis" começa a fazer-se ouvir.

13/10/10

Hoje, um Final Feliz

Há dez anos em Agosto foi-nos contada a história do submarino da Marinha Russa Kursk afundado no mar de Barens e indignámo-nos então com a falta de informação pronta e verídica que a Rússia dava, e a falta de vontade de o país, ferido no seu orgulho, aceitar o acidente e pedir/aceitar a ajuda internacional. Quando finalmente se resignaram foi tarde, e foram vãs as tentativas de salvamento da tripulação por parte de equipas internacionais. Todos “assistimos” de coração apertado à morte lenta dessa tripulação de 118 oficiais e marinheiros. Um final nada feliz como o resgate do submarino um ano depois revelou.

Dez anos depois a história que nos apaixonou em Agosto foi diferente: 33 mineiros sobreviveram a um desabamento de terras na mina onde trabalhavam e ficaram prisioneiros debaixo da terra. Nós vamos seguindo as notícias que vão dando conta do que está a ser feito para resgatar cada um dos mineiros que mantêm um admirável estado de espírito. Ninguém fica indiferente e dois meses depois começa a operação de salvamento: um a um.

Às vezes temos sorte: podemo-nos encostar, respirar fundo e gozar o prazer e comoção de uma história com um final que adivinhamos feliz.

Eu Hoje Acordei Assim... (*)

Chilena

(Título roubado daqui)

12/10/10

Os Novos Socráticos

Descobri agora que afinal, sou Socrática. De nada vale o voto que nunca lhe dei, de nada valem as críticas à sua política (inexistente, aliás), de nada vale a total e constante discordância com o seu estilo, de nada vale a indignação à sua pessoa expressas ao longo destes anos de governação neste local público que é o blogue (no sentido de que quem o quiser ler o pode fazer). Sendo favorável (apesar de um unanimismo causador de alguma alergia) à abstenção do PSD ao orçamento, sem grandes debates nem demoras, nem tão pouco dramatizações Passianas do género: “ainda temos que analisar (o quê?) o documento”, ou “a decisão tem de ser fruto de uma estratégia” (cito de cor) que Passos Coelho ainda não explicou e ninguém ainda sabe exactamente qual é, parece afinal que sou socrática.

O mais interessante é que quem é favorável à abstenção do orçamento pelo PSD, tem explicado o porquê da opção baseando a decisão nos cenários futuros prováveis caso o orçamento seja chumbado. Não vi ainda oposição ou contradição credível à probabilidade desses cenários futuros que ultrapasse o “partir de louça”, o “vermo-nos livres de Sócrates”, o "vivemos com duodécimos", o "quem garante que os juros da dívida voltem a subir" ou o mais básico de todos “pior é impossível”. Lemos alguma ficção relacionada com governos presidenciais, outro primeiro ministro do PS, cenários esses que apesar de possíveis não me parecem desejáveis, sobretudo porque, goste-se ou não (eu gosto) vivemos numa democracia predominantemente parlamentar.

Igualmente interessante é o facto de não haver nem garantias, nem indicações de que – indo o país a eleições mal possa – José Sócrates não ganhe outra vez até com mais votos do que os que agora tem. José Sócrates e Passos Coelho são políticos da mesma geração (o que não é necessariamente e só por si um problema, note-se), são ambos pouco sólidos e têm estilos semelhantes. José Sócrates é um político que vive do anúncio, um político em campanha permanente, com uma máquina comunicacional eficaz que aproveita diariamente em seu benefício e com muita rodagem na angariação de votos. Passos Coelho é um político que também conta com uma máquina comunicacional muito presente e relevante, mas está ainda “verde” e é um “menino do coro” comparado com Sócrates. Ambos vazios politicamente, ambos nas mãos das estratégias de comunicação. Entre o original e a cópia escolhe-se quem?

Entardecer 18

Ontem

11/10/10

Crónicas duma Constipação

Uma forte constipação atirou-me, no fim-de-semana, para um sofá de onde poucas vezes me levantei. Em frente, uma televisão; ao meu lado um comando. Quando o mundo se reduz assim porque não apetece nem se consegue fazer nada, quando o ecrã do computador brilha demais e os livros exigem a disponibilidade mental que a constante respiração apenas pela boca impede, resta-nos a televisão. Fiquei, no entanto, a conhecer a extensão da pobreza da programação televisiva que temos, sobretudo ao fim-de-semana durante o dia.

Entre um Tony Blair, (uma entrevista na SICN da qual vi apenas uma parte) que não entusiasma, um Paulo Bento que ganhou com tranquilidade e um Passos Coelho que, se não se põe a pau, ainda aparece mais vezes na televisão do que Sócrates, sobra pouco. Filmes que apeteça ver (ou rever), nem sinal; a informação e o debate, praticamente reduzidos a futebol; e séries, as do costume com muitas repetições. Vi, estupefacta, umas cenas (que outra palavra poderei usar?) inenarráveis no canal Q (meo) com trintões – senão já quarentões - a fazer de conta que são adolescentes, nuns gags sem nexo nem humor ou numas conversas de humor (?) sem ponta do dito, mas com ar sisudo e muito intelectual, de literalmente fazer adormecer qualquer um (quem paga programação desta deveria fazer psicoterapia, ou muito sexo, ou ambos de preferência). Bem mais empolgante são os programas do Dr. Oz (SIC Mulher) que até atordoam com tanto grito histérico de senhoras pré-obesas, de revelações surpreendentes, de horror de recentes descobertas, e finalmente - qual cavaleiro em cavalo branco, de tantos “life saving” conselhos e práticas a adoptar “já”.

Há algo de perverso nestes programas do Dr. Oz. Nunca neles se equaciona a nossa condição de seres mortais e partem do princípio de que estamos todos dispostos a vender a alma ao diabo, qual Dr. Faust, por mais um pouco de vida. Vendêmo-nos por qualquer preço: x gramas de fibra diária ou 10.000 passos diários, também, medidos no pedómetro - um gadget indispensável para a filosofia de vida Oziana. Deve ser esta omissão da mortalidade enquanto única certeza da vida, e parte dela, a responsável pelas enormes audiências audiências: esta pequena mentira, esta ilusão. Como iludir a ideia da morte. Como não morrer. Nunca em momento algum daqueles programas a certeza da nossa mortalidade é reconhecida, a certeza de que um dia morreremos todos: Dr. Oz incluido. Pelo contrário, todo o pressuposto do programa está em adiar a morte, um mês, um ano, uma década, de preferência até ao infinito. Igualmente perverso são as absolutamente imperdíveis e essenciais “life saving” recomendações que temos que aprender para salvar a nossa vida e a dos outros. Se não a salvarmos, culpa nossa que não seguimos as recomendações: não bebemos sumos de vegetais, não comemos peito de galinha a todas as refeições, não fizemos a dança do ventre, não tomamos vitamina C, não soubemos fazer a respiração boca-a-boca, esquecemos os abdominais, e não desinfectamos as mãos devidamente. Hoje, tal como ontem, (só a forma difere um pouco) todos os caminhos vão dar à culpa. O programa do Dr. Oz está cheio dela. Sucesso garantido.
(continua)

Cores de Outono 6

Pierre-Auguste Renoir
Landscape at Beaulieu

07/10/10

Era bom, isso era. O problema é que ao anunciar já essa abstenção acabavam-se por uns tempos os psicodramas políticos que são a razão de ser de Passos Coelho e os pretextos de José Sócrates. Ambos alimentos fundamentais da comunicação social (preguiçosa).
Até acho que deveriam fazer um "reality show" em que o povo votasse as medidas. Se funciona com aspirantes a cantores, gente normal em quintas, celebridades a fazer não-sei-o-quê, gente a perder peso, aspirantes a top models, porque não funcionará com medidas de contenção de despesa do estado? Até se poderia fazer legislação assim, votada pelo povo através de sms.
(comentário deixado neste post, do Mar Salgado)

Adenda: O que há é uma enorme atracção pela espiral de anúncios, opiniões constantes, novas ideias sempre, ruído, muito ruído. A contenção na comunicação é algo que parece não existir nos partidos políticos. Com Manuela Ferreira Leite, para mal de muitos e alívio de tantos outros (nos quais me incluía) essa "tontura" comunicacional não existia. O PSD está a imitar o PS de José Sócrates, sempre a alimentar a comunicação social. Muitos já nem querem saber, dizem estar fartos da política e sobretudo dos políticos. Pudera.

O site do PSD para as sugestões de medidas de corte da despesa do estado é "giro", mas entusiasma-me pouco. Mesmo que possa ter algum mérito (terá?), não passa de mais um "gadget" político, de uma "boa ideia" (como se vivêssemos delas), para entreter políticos ou aspirantes a. No fundo todos sabemos do que Portugal precisa, das reformas estruturais fundamentais para viabilizar o país a médio prazo, e para cortar muita despesa. Algum político está mesmo interessado em as levar adiante? E se alguém estiver, o "povo" vai votá-las, ou vai fazer greve geral. O país (políticos e "povo") está sempre a inventar coisas que o distraiam do essencial.

03/10/10

Coisas que se Podem Fazer ao Domingo 55

Henry Moore
King and Queen

Apanhar chuva.
Nos últimos dois dias a comunicação social tem dado eco (quase à saturação) da afirmação de José Sócrates garantindo que os cortes salariais só se aplicam à função pública. Tanta veemência afirmativa, dá-me alguma esperança do seu contrário; isto é, talvez se ouse mexer nas leis do trabalho. E sempre que seja para dar maior (ou simplesmente alguma) flexibilidade, já é bom.

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