22/03/12

Tardes de Inverno 21

Jan Steen
Burgomaster of Delft and his Daughter
Não posso ter simpatia pelo que José Medeiros Ferreira diz hoje neste seu post. É verdade que o debate fica mais pobre. É lamentável que a sociedade perca alguém que “que tem ideias próprias, e positivas”. Mas o problema está no vocábulo ‘predador’ retetido vezes sem conta e que tem definido Strauss-Kahn, sem que seja desmentido de forma categórica, nem processados os que o fazem. O seu silêncio fala e parece que não há como desmentir. Aliás procurando bem pululam, e não só pela Europa, histórias (até acredito que algumas nem sejam verdadeiras) que confirmam essa condição predatória. Não estamos a falar de promiscuidade, de sedução ou de circunstâncias de igualdade; um cenário predatório é um cenário de desigualdade e pressupõe sempre uma presa. Neste cenário que, repito, não foi até hoje categoricamente desmentido, quer a igualdade quer o consentimento da outra parte é desvalorizado/ignorado. Enquanto mulher digo que não há inteligência nem debate que valha ou compense a falta de consentimento de uma só mulher. É simplesmente uma questão de princípio.
Os piquetes de greve foram a grande notícia que ouvi cedo de manhã nas rádios. Eu não tenho ‘cultura de esquerda’, mas acredito que o direito à greve faz parte dos direitos fundamentais das pessoas que trabalham e gosto de viver numa sociedade em que se pode fazer greve. No entanto não gosto daquilo que considero um reduto do comunismo, que é aceite nas nossas sociedades, e que são os piquetes de greve. Que tipo de greve é essa quando os trabalhadores são forçados a fazê-la? Porque é que os sindicatos continuam a encorajar os piquetes? Porque é que recusar fazer greve não é aceitável numa sociedade em que fazer greve é? Falta-me certamente a dita ‘cultura de esquerda’, porque de cada vez que há uma greve fico indignada que se mantenham os piquetes. 

Há pouco tive que ouvir o taxista que me transportou a discorrer sobre a greve no percurso que fizemos. Fez jus ao cliché da ‘filosofia taxista’: ó minha senhora, isto da greve é para quem tem a sorte de ter trabalho, porque se formos a ver os desempregados, esses sim é que deviam fazer greve.

18/03/12

Tonnerre


Na sexta-feira passada fotografei este navio de guerra a entrar na barra do Tejo. Com uns binóculos de longo alcance, e antes de passar as fotografias para o PC, confirmei a bandeira francesa e percebi o nome (aumentando a fotografia também se percebe): Tonnerre (trovão), um navio de guerra de grandes dimensões, que na Marinha Francesa está abaixo do porta-aviões Charles-De-Gaule (aqui fotografado). O Tonnerre serve de base para operações anfíbias, hospital e porta-helicópteros. A névoa da manhã não ajudou na nitidez da fotografia, mas mais informações estão aqui e aqui no site da Marinha Francesa.

Shame


Gosto sempre de ver filmes de e para adultos, por isso depois de Hugo (um filme muito razoável apesar de eu dispensar a cena ‘óculos 3D’ e de não sentir nenhum tipo de necessidade 3D), e de War Horse (uma americanada bem arranjadinha que não ficará para a história com imagens bonitas e música previsível) é com prazer que me sento para ver Shame. Sinto que é cada vez mais difícil ter manifestações culturais (literatura, cinema, artes plásticas...) exclusivamente para adultos, sinto que o mainstream cultural é permeável e tende a espelhar esse conceito que é a ‘juventude’ ou a ‘adolescência’. Esta seria uma longa conversa.

Como dizia, gosto de filmes para adultos, música para adultos, livros para adultos e Shame é um excelente filme, realizado com maturidade, mestria e sem cair em tentações de facilidade formal ou narrativa para apelar a um público mais amplo. Saí do cinema como se tivesse levado um murro no estômago – tal como saí, em seu tempo, no fim de Este Pais não é Para Velhos, outro filme excelente e para adultos. Há uma violência nos dois filmes, mais explícita em Este Pais não é Para Velhos e mais gélida crueza em Shame (quase todo o filme é num tom azul acinzentado), que incomoda e perturba. Eles fazem, com inegável mestria, uma viagem pelos limites da solidão, da degradação e do aviltamento da natureza humana. Essas viagens que nós leitores/espectadores fazemos são difíceis e não são confortáveis. Não saio da sala do cinema reconciliada com a natureza humana; preciso de algum tempo para respirar. Já dei conta dessa sensação ambivalente quando escrevi aqui sobre o livro A Grande Arte de Ruben Fonseca. O querer ler sem ter que ler, o querer ver sem ter que ver, apesar de já muito pouco me surpreender na natureza humana. Sei, no entanto, que não resisto a ir até ao fim quando a obra em causa (filme, romance) tem inegável qualidade. 

Shame tem inegável qualidade. Do do ponto de vista formal que é também um filme irrepreensível (imagens, música). Michael Fassbender é um daqueles actores de quem muito esperamos e Carey Mulligan não desilude e é protagonista de um dos momentos mais intensos e incómodos do filme quando actua  perante o irmão (e restante público). Recomendado a adultos com sons de alerta para almas mais sensíveis...

09/03/12

Velas 33

Hoje

07/03/12

Velas 32

Hoje

Falar Inglês

Depois de ouvir o excerto da entrevista do Primeiro-ministro à Bloomberg na segunda-feira (ouvir aqui), fiquei com o “maneuvre space” no ouvido, bem como com aquele “ó” bem aberto em “governement” que, por motivos diferentes (o sotaque pouco rodado e as expressões marteladas), falam da pouca fluência e convivência de Passos Coelho com a língua inglesa. José Sócrates era também assim, para pior, pois à ignorância acrescentava uma falsa intimidade com a língua. PC o aluno média com ar aplicado, JS o espertalhão desenrascado que arranjou um short-cut na sua aprendizagem: o inglês técnico. 

Pensei então em como Cavaco Silva fala Inglês, com fluência e à vontade. Pensei em António Guterres e Durão Barroso quando Primeiros-ministros que também falavam bem inglês (agora falam ainda melhor), e claro, Jorge Sampaio que fala muito bem como seria de esperar. No fundo a capacidade de falar ou não bem inglês seria irrelevante – em última análise fazê-lo não é obrigatório num país de língua portuguesa - se não fosse um sinal; sinal esse que me leva a uma reflexão sobre a escolaridade e o percurso académico dos nossos últimos PMs, versus a escolaridade e o percurso académico dos anteriores. Cavaco Silva, António Guterres e Durão Barroso tiveram uma escolaridade normal, nomeadamente no que se refere a idades e prazos que foram os esperados; e tiveram percursos académicos, frequentando, também na idade esperada, cursos superiores em universidades do estado, com aproveitamento acima da média, apesar do já então envolvimento político de DB e de AG. Não vale a pena alongar-me sobre o curriculum académico destes políticos (qualquer consulta online nos esclarece), para que se perceba de imediato a enorme diferença que separa, em termos de solidez de formação académica, esses políticos dos que conhecemos nos últimos anos. 

Se isso tem influência no tipo de políticos que são, na qualidade do que pensam e de como pensam? Tem. Tem muita, e normalmente nota-se mais no ‘como pensam’ do que no ‘o que pensam’. A falta de um curriculum académico rigoroso e sólido – ou em alternativa, um percurso profissional exigente e feito com esforço – são características de José Sócrates e Passos Coelho, que acabam por marcar todos os aspectos da sua actividade política e que não deixam de ser detectados por alguém exigente para além do óbvio, sendo o óbvio hoje qualquer versão de “mas Passos Coelho é muito melhor do que José Sócrates”. Não quero, nem serei eu a desmentir esse lugar comum actual, mas confesso o pouco consolo que ele me dá quando olho aquilo que considero a fragilidade/ausência do projecto político do governo que vai governando certinho, rigoroso e de acordo com todas as regras que nos impõem, mas sem visão nem ousadia políticas.

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