Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, (...) E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía.
16/08/10
15/08/10
A Maneira Nacional
Outro tema interessante – apesar de não exclusivo – de verão, (e que de quando em vez se reacende na blogosfera), é a questão da crítica literária e aqueles que a fazem, jornalistas ou não. Um odiozinho que se pode cultivar no verão. Os Maias, mais uma vez mostram-se muito actuais.
Ega, que tinha pressa, como sempre, enrolou o manuscrito, reabotoou a sobrecasaca, e já de chapéu na mão:
- Então parece-te apresentável?...
- Vais publicar?
- Não, mas enfim... – E ficou nesta reticência, fazendo-se corado.
Carlos compreendeu tudo dias depois, encontrando na “Gazeta do Chiado” uma descrição “da leitura feita em casa do Ex.mo Sr Jacob Cohen, pelo nosso amigo João da Ega, de um dos mais brilhantes episódios do seu livro – “As Memorias de Um Átomo”. E o jornalista acrescentava, dando a sua impressão pessoal: “É uma pintura dos sofrimentos por que passaram, nos tempos da intolerância religiosa, aqueles que seguem a Lei de Israel. Que poder de imaginação! Que fluência de estilo! O efeito extraordinário, e quando o nosso amigo fechou o manuscrito ao sucumbir da protagonista – vimos lágrimas em todos os olhos da numerosa e estimável colónia hebraica!”
Oh, furor do Ega! Rompeu nessa tarde pelo consultório, pálido, desorientado...
- Estas bestas! Estas bestas destes jornalistas! Leste? “Lágrimas em todos os olhos da numerosa e estimável colónia hebraica!” Faz cair a coisa em ridículo... E depois a “fluência do estilo”. Que burros! Que idiotas!
Carlos (...) consolou-o. Aquela era a maneira nacional de falar de obras de arte... Não valia a pena bramar...
- Não, palavra, tinha vontade de partir a cara àquele foliculário!
- E porque não lha quebras?
- É um amigo dos Cohen.
E foi grunhindo impropérios contra a imprensa, (...)
- Vou, tenho que fazer! – E junto do reposteiro, ameaçando o céu com o guarda-chuva, chorando quase de raiva: - Estes burros destes jornalistas! São a escória da sociedade!
Daí a dez minutos reapareceu, bruscamente: e já com outra voz, num tom de caso sério:
- Ouve cá. Tinha-me esquecido. Tu queres ser apresentado aos Gouvarinhos?
Eça de Queirós, Os Maias
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Literatura Portuguesa
Hoje é a Florida, ontem foi Marbella, anteontem Ray’s Hell Burger. Só falta mesmo uma fotografia destas de Barak na sua página de Facebook para que o casal Obama chegue ao topo da sua carreira como casal promocional ou comunicacional, ou simplesmente do povo. Duvido que ainda haja quem os compare ao casal Kennedy. Parece que não é só em Portugal que a política desapareceu. Sinais dos tempos?
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Coisas da Vida
13/08/10
Erotismo de Verão
Um dos temas obrigatórios do Verão, início de Verão para ser mais precisa, é o erotismo e o sexo. Em Julho quando começam as romagens ao Algarve, não há revista que não traga uma capa sugestiva que anuncie um artigo de fundo, um estudo único ou um “dossier” sobre o assunto. Por exemplo: na televisão vejo diariamente anúncio sobre a iniciativa da revista Visão de publicar a preços convidativos, uma colecção com o nome de “Livros Proibidos” (os senhores do marketing deviam ter explicado melhor que a palavra “proibido”, hoje, carece de qualquer poder sugestivo), livros eróticos de “autores consagrados da literatura mundial”.
Este blogue une-se ao espírito erótico da saison contribuindo para isso com este excerto de “Os Maias”:
Diante do canapé das senhoras lá se achava também o fiel amigo, o doutor delegado, grave e digno homem, que havia cinco anos andava ponderando e meditando o casamento com a Silveira viúva, sem se decidir – contentando-se em comprar todos os anos meia dúzia de lençóis, ou uma peça de bretanha, para arredondar o bragal. Estas compras eram discutidas em casa das Silveiras, à braseira: e as alusões recatadas, mas inevitáveis, às duas fronhazinhas, ao tamanho dos lençóis, aos cobertores de papa para os aconchegos de Janeiro – em lugar de inflamar o magistrado, inquietavam-no. Nos dias seguintes aparecia preocupado – como se a perspectiva da santa consumação do matrimónio lhe desse o arrepio de uma façanha a empreender, o de ter de agarrar um toiro, ou nadar nos cachões do Douro. Então, por qualquer razão especiosa adiava-se o casamento até ao S. Miguel seguinte. E aliviado, tranquilo, o respeitável doutor continuava a acompanhar as Silveiras a chás (...).
Eça de Queirós, Os Maias
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Coisas da Vida,
Literatura Portuguesa
08/08/10
05/08/10
Sair de Cena 6
Já me perdi no complexo enredo PGR, Procuradoria, Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Ministério Público, DICIAP, Justiça, etc. Esta novela, uma das muitas que fazem a Justiça portuguesa, é antiga daí a facilidade com que nos perdemos nos detalhes do enredo, no entanto estes capítulos últimos estão ligados –surpresa das surpresas – ao caso Freeport. Parece feitiço: tudo o que está, de uma forma ou outra, ligado a José Sócrates acaba em caos em opacidade, em muros, em arame farpado, em inquéritos, em investigações aos inquéritos...
No entanto se há algo que percebi bem foram as queixas de Pinto Monteiro sobre o seu cargo e a constatação desiludida de que o cargo não tem poder. Pinto Monteiro mostrou a sua fragilidade (irrelevância?). Os acontecimentos recentes confirmam a sua fragilidade. Ele abriu a sua porta de saída: porque não se demite? Será tudo uma farsa para nos entreterem nos meses de verão?
Uma coisa é certa: é tão penoso ver a forma como as pessoas se arrastam nos cargos, se agarram aos cargos. Ver que o tempo delas já passou. Nem ouso falar da honra, que isso já poucos sabem o que é.
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Nada Solar
Comecei a ler “Os Maias”. Reler, claro, provavelmente pela quarta vez. Ao fim de umas dezenas de páginas já estou (como previa) encantada e contente por voltar a este romance ao fim de tantos anos. É inegável o conforto de ler um livro que já sabemos que é bom, de termos a certeza. Deve ser por isso que releio às vezes com redobrado prazer o que já tinha gostado de ler. Lembrei-me de um romance lido recentemente sem grande prazer e acabado mais por uma noção de “dever”, do que pela minha vontade. Mas como poderia eu saber que o romance não me iria interessar (pelo contrário). Como minimizar estas perdas de tempo e perdas estéticas a ler romances de que não gostamos e que consideramos medíocres?
A minha resposta é sempre a mesma: refugiando-me com muito frequência em território seguro, isto é, obras com mais de cem anos que perduram. A minha recente desilusão tem o nome “Solar” e foi escrita por Ian McEwan. Um romance impecável, bem escrito – às vezes até irritantemente bem escrito, em que o cinismo reina e o “humano” parece ausente noutra dimensão que não as mais imediatas. Há algo de mecânico no romance que cria distância, talvez para que o cinismo, a ironia e a descrença se tornem mais visíveis. As personagens são frias e desinteressantes. Por exemplo o Dr Beard, a personagem principal, é homem ambicioso, egocêntrico e superficial que tudo o que quer é manter importância, estatuto e influência. Este extracto que a seguir transcrevo em que ele olha para si, é um exemplo de um dos mais intensos e profundos momentos de introspecção:
"Beard was surprised to find out how complicated it was to be a the cuckold (...) At last, he knew himself for what he was (...) as he came out of the shower, he wiped down the glass, stood full on and took a disbelieving loook. What engines of self-persuasion had let him think for so many years that looking like this was seductive?"
Dr Beard, um físico, ganhou um Nobel pelo seu trabalho na área do “aquecimento global” e as mudanças climáticas. Vive da reputação que criou, mas hoje o seu cepticismo é notório:
“(...) one was always living at the end of days (...). The end of the world was never pitched in the present, where it could be seen for the fantasy it was, but just around the corner, and when it did not happen, a new issue, a new date would soon emerge. (...) When it did not happen, and after the Soviet empire had been devoured by its internal contradictions, and in the absence of any other overwhelming concern behond, intransigent global poverty, the apocaliptic tendency had conjured yet another beast”, que são as mudanças climáticas e o aquecimento global.
Outros ingredientes para esta obra que desilude, a dependência dos subsídios para criação e manutenção de gabinetes de estudo e investigação, a irrelevância das conferências feitas pelo mundo e a falsidade e vazio dos conferencistas, a luta pelos lugares de topo, a manutenção da reputação explorando o trabalho alheio, o privilégio com pouco trabalho real, são sinais da distância, cinismo e descrença que da primeira à última página povoam esta obra desinteressante que pouco apetece continuar a ler.
Muito longe do Ian McEwan intimista, profundo e elegante, e que se lê naturalmente e com gosto, de Atonement ou dessa fabulosa novela que é On Chesil Beach.
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