Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, (...) E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía.
29/02/12
Da Irrelevância
Ainda não aconteceu uma única vez, desde que António José Seguro é secretário-geral do PS, eu ter sentido um átomo de curiosidade sobre como é que ele termina uma frase que o ouvi começar, como desenvolve uma ideia, como continua e acaba um discurso. Nunca senti um átomo de curiosidade sobre o que é que ele pensa, sobre os seus projectos políticos, se é que ele os tem. Nunca sequer levantei os olhos para olhar para ele e o ver.
Um dia quando algum académico na área da ciência política quiser fazer uma investigação sobre o papel da irrelevância em política, só terá que seguir os passos e as intervenções de António José Seguro nos últimos meses. Como esta, que nada acrescenta nem diminui, que não se percebe bem nem o ‘porquê’ nem o ‘para quê’, e na qual não se encontra uma ideia digna do nome, há muitas e creio que suficientes para um tratado sobre a irrelevância política ou então, digo-o numa nota mais optimista mas pouco convicta, lamento – é toda uma arte de se misturar e esbater no pano de fundo do momento, sem chamar a atenção, sem criar ondas, enquanto espera pelo ‘seu’ momento. Mas para isso era preciso que existisse, politicamente, claro.
Lá como cá torna-se cada vez mais fácil encontrar histórias de licenciaturas em tempo recorde. As pessoas devem ser cada vez mais inteligentes e estudiosas ou então saberemos, um dia, de licenciaturas tiradas não só sem necessidade de comparecer nas aulas mas sobretudo sem necessitarem de exames ou de qualquer tipo minimamente objectivo de avaliação. Quem sabe, num futuro as pessoas já nascerão licenciadas...
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24/02/12
Maior Que O Pensamento
Ontem a propósito de Mondrian divaguei sobre a infância aqui no blogue. Mal eu sabia que momentos depois, e por causa dum programa da RTP1 a lembrar o 25º aniversário da morte de José Afonso (bom serviço público), regressaria à infância e lembraria as músicas com que o conheci. Numa casa conservadora do Porto ouvia-se então José Afonso. Ouvia-se mesmo muito José Afonso, numa altura em que poucos sabiam dele e ainda menos compravam os seus discos. Aprendi de cor muitas das suas canções e, tal como a tabuada, as preposições, os pronomes demonstrativos, os verbos franceses, e algumas fábulas de La Fontaine, o que se aprende de cor na infância perdura, ainda hoje as sei e as canto (sim, confirma-se: canto no chuveiro, no carro, a cozinhar, e até – ousadia suprema dada a total incapacidade – quando ouço ópera...). Relembro-o - tal como o fiz aqui há 5 anos - e relembro: Balada do Outono, Senhor Poeta, Tenho Barcos, Tenho Remos, Cavaleiro e o Anjo, Canção de Embalar, Vejam Bem, Menino do Bairro Negro ou Trás Outro Amigo Também, entre outros. São sons da minha infância, da minha juventude, de sempre. Se há um som portugês, é para mim o som das baladas de José Afonso. Se há uma voz portuguesa, é para mim a voz de José Afonso. Não apreciava o político, mas o músico foi sempre o meu preferido.
Registo aqui a minha perplexidade pelo horário a que passam programas como este. Não podiam tê-lo feito nas três partes originalmente programadas e passá-lo a uma hora mais acessível? E registo também o facto de continuar sem perceber que conceito é esse de serviço público que privilegia os concursos e as novelas em detrimento de programas como este Maior Que O Pensamento.
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23/02/12
Impasse
Piet Mondrian
Composition in Yellow, Blue and Red
Tanto quanto me lembro Piet Mondrian foi o primeiro pintor abstracto de que tive consciência de ser abstracto. Era criança e para mim a pintura eram quadros de retratos ou de paisagens, e por isso olhava perplexa e não percebia Mondrian, aquelas 'grelhas' com apontamentos coloridos não me gritavam um sentido e sentia-me perdida sem perceber o que estava ali. Piet Mondrian não é, nunca terá sido e provavelmente nunca será, um dos meus pintores favoritos. Tal como com a música tenho 'fases' de gostar mais disto ou daquilo, deste ou daquele. (Creio que sou mais constante na literatura, não sei porquê). Mas voltando a Mondrian, é ainda hoje com algum espanto que olho para estes seus quadros mais geométricos e me vejo com os olhos que tinha na infância a insistir em os 'perceber' a querer ver um 'sentido'...
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Piet Mondrian,
Pintura
15/02/12
A Sonata de Kreutzer
Depois de Anna Karenina, li o conto/novela A Sonata de Kreutzer, livro de 100 páginas muito mais leve (só em gramas, claro) que o anterior. A obras de Lev Tolstoi, mesmo quando não gostamos assim tanto, ou mesmo quando são mais ‘moralistas’, são completamente viciantes. Começamos a ler e só queremos ler ainda mais. Há uma naturalidade na sua forma de escrever, de tornar a obra ‘nossa’ e parte de nós naquele momento que é quase única na literatura. Raramente me apercebo que estou a ler quando o leio, de tal forma a obra se funde connosco e a nossa adesão a ela é incondicional. Aconteceu-me isso com todos os livros seus que li (falo só de ficção) e agora lamento que já os tenha lido quase todos (falta-me, por exemplo, Ressurreição, e por ser o seu romance mais criticado, tenho receio de me desiludir... veremos um dia) porque leria mais e mais. A Sonata de Kreutzer é assim também, apesar de ser obsessivo, excessivo e até desagradável. As primeiras páginas intensas, moralistas, obsessivas, chatas, não impedem que se entre no ritmo da novela e num ápice e sem nos apercebermos estamos a acompanhar o crescendo de tensão que se cria, até acabar no desfecho anunciado. No entanto, e sobretudo por causa do seu exacerbado moralismo e excessos obsessivos e repetitivos, é uma obra muito menos interessante do que a novela igualmente obsessiva A Morte de Ivan Ilyich.
Uma característica comum nas duas obras chamou a minha atenção: o ciúme. É ele o principal motor narrativo de A Sonata de Kreutzer, e que está também presente de forma marcante – ao ponto de condicionar o(s) desfecho(s) - em Anna Karennina, mas falarei sobre o assunto noutro post sobre este romance.
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Tolstói
13/02/12
É mandá-lo para cá! Nós temos experiência e sabemos muito bem lidar com essas situações. Não só os nossos governos não se embaraçam com essas situações - as estruturas partidárias até as acarinham - como nós os portugueses estamos habituados a essas disparidades curriculares e a licenciaturas que não se acabam, ou que se acabam em dias estranhos. Seja bem-vindo Sr. Tomás Burgos Gallego e não se deixe intimidar pelas gentes da sua terra.
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Política
12/02/12
O Peso da Literatura
Li na juventude Anna Karénina numa tradução da versão francesa (ou seria inglesa?), e depois de há uns anos ter comprado e lido a edição da Relógio d’Água de Guerra e Paz (este o primeiro de alguns posts que escrevi então sobre a obra) percebi que queria e iria reler a nova edição e tradução de Anna Karénina. Lembrava-me do romance daquela forma vaga e longínqua que é um quase nada insatisfatório, e também gosto de reler um livro que se leu na juventude e perceber como o lemos de forma diferente.
E assim foi, mas não foi fácil.
Para meu espanto, vi-me obrigada a comprar um único livro enorme, grosso, e que pesa a módica quantia de 1,330kg, (pesado na balança da cozinha). A leitura da obra de Lev Tolstói é assim uma experiência muito mais além do que um simples desafio intelectual. Lembro-me de, há tempos, ter visto este romance dividido em dois livros (Guerra e Paz, por exemplo, são quatro) coisa que faz muito mais sentido, mas agora está num só livro de capa dura. Desconfio que os editores ao conceberem o livro, pensaram mais nas estantes – e no bonito e visível que nelas fica um livro deste gabarito e desta dimensão, do que nos leitores que, para o lerem, um processo longo e demorado que se faz linha a linha, parágrafo a parágrafo, página a página, capítulo a capítulo, no fundo a única forma que eu conheço de ler, têm que o manusear, segurar, virar, carregar e levá-lo para aqui ou ali. O leitor tem que encontrar uma posição confortável em que seja capaz de segurar o livro durante muitos e longos minutos. A proeza física supera a intelectual, pois a leitura de Anna Karénina revelou-se um desafio físico e todo um ‘work-out’, digno do nome. É preciso muito amor à literatura e à literatura Russa em particular, bem como sólida fibra muscular (quem diria, não é?) para atacar e vencer um livro de 1,330kg. Há quem acredite que estamos neste mundo para sofrer...
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Tolstói
09/02/12
Ainda a Problemática do Discurso da Pieguice
Ainda a problemática do discurso da pieguice que tanta tinta tem feito correr e que tem tanta gente exigente (em jornais, televisões e blogues) a desculpá-lo.
Um mau discurso é um mau discurso e não há volta a dar. Isso percebe-se, e garanto que não é preciso uma enorme sofisticação intelectual - basta alguma exigência, se analisarmos cada frase, cada parágrafo: se formos à procura do significado político, se quisermos ler para lá dos chavões da exigência, e se não nos deslumbrarmos com diversas banalidades (tipo os do passado e os que olham para a frente), o sumo da retórica comunicacional do momento. Fazer interpretação política; parar e perguntar o que é que está ali dito/escrito. Se formos sérios, dificilmente vemos mais do que uma prelecção semelhante às que podemos ouvir aos Domingos na boca de um padre (urbano) que pouco tempo perdeu a preparar o sermão. Ora, sermões dos Primeiros-ministros tresandando a paternalismo e transbordando de banalidades moralistas, não por favor. José Sócrates bastou e não é por o sermão vir de Pedro Passos Coelho que o torna oportuno ou admissível. E lamento que em matéria de forma PPP seja tão parecido com JS e nos tente conduzir, aparentemente com sucesso e facilidade, para o vazio político. Nada que surpreenda, confesso.
Dou de barato a boa intenção do Primeiro-ministro, dou de barato a vontade de todo o governo e do Primeiro-ministro em particular, de que Portugal cumpra os acordos que nos garantem a ajuda externa. Concordo que os anos de propaganda socialista e de falta de seriedade perante o eleitor, nos levaram à ruína, e que um discurso mais exigente (outra vez a exigência) e sério se impõe. Acredito que muitos dos membros do governo queiram e trabalhem para transformar Portugal num país de maior produtividade, mais competitivo, mais moderno, mais racional, mais preparado para o futuro. Repito, louvo essas boas intenções, (apesar das dúvidas quanto à concretização dos objectivos), mas elas só por si não fazem bons discursos, nem discursos oportunos. E não são essas boas intenções, nem sequer a memória presente do desastre socialista, que me farão pensar ou dizer que o discurso é bom ou oportuno quando não o é. Simples. Mas isso sou eu...
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Política
07/02/12
Exigência
A percepção de Pedro Passos Coelho sobre a realidade tem a sua génese, e tem sido aí apurada, em gabinetes e salas de reunião do partido. O problema é que, tal como afirmei no post anterior, a realidade não se compadece com confabulações teóricas sobre si, e é normalmente muito mais crua e brutal. É feita de sacrifícios, de redução de salários, de desemprego, de dinheiro que não chega para pagar as contas da farmácia, de preços de transportes a aumentar drasticamente. Ora, os portugueses não têm sido nada “piegas” – para usar a infeliz expressão do Primeiro-ministro – têm, de forma geral, aceite o inevitável com relativa calma e resignação e lamentam que o chefe do executivo olhe para eles com superioridade paternalista e alguma arrogância e lhes diga para não serem "piegas", num discurso feito sobretudo para justificar a sua infeliz decisão de acabar com a tolerância de ponto no Carnaval. PPP discorre sobre o “passado”, as “velhas tradições”, “velhos comportamentos preguiçosos” e a “crise” e a necessidade de sermos exigentes (muitas vezes usou a palavra exigência...) Estou de acordo e até proponho que comecemos por ser exigentes com o governo e sobretudo com o senhor Primeiro-ministro.
As leituras filosóficas que Passos Coelho fez na sua juventude não foram suficientes para impedir um discurso tão desprovido de sentido, mas tão cheio de chavões e demagogia que até chega a ser ridículo. Pedro Passos Coelho tem, infelizmente, e em mais do que uma ocasião, mostrado algum desprezo pelos portugueses, e não tem sabido reconhecer neste momento particularmente difícil em que vivem, os sacrifícios que, em silêncio, a grande maioria faz e sabe que tem de continuar a fazer.
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06/02/12
Fumar, mas não Inalar
O ar consciencioso e formal de Pedro Passos Coelho (será que estamos condenados a ter primeiros-ministros que só sabem posar e que têm momentos de espontaneidade previamente programados? é que até fico com saudades de Pinheiro de Azevedo ou Mário Soares) a declarar, ser incompreensível nesta altura ter tolerância de ponto no Carnaval, esbarrou com a realidade. E a realidade é sempre uma chatice... Por isso não há tolerância de ponto, mas segundo percebo parece que não há escolas abertas (não se pode agora mudar o calendário escolar), os tribunais não têm julgamentos, nos hospitais não há consultas nem cirurgias, isto para citar os exemplos mais óbvios. Uma trapalhada que o uso do cérebro (para uma das suas mais produtivas funções: pensar) poderia evitar. Se não fosse patético dava vontade de rir: não há tolerância de ponto mas também não temos um dia normal de trabalho.
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