27/06/07

Antes da Eutanásia

Estava impaciente, mostrava-se caprichosa estranhamente exigente. Tudo a perturbava, tudo parecia confuso. À sua volta os mais próximos sentiam-se perdidos e atordoados. Estava tudo invertido, ela é que sempre controlou tudo, punha e dispunha, mandava, exigia e sobretudo decidia, e tomava as rédeas na sua mão firme. Agora não decide mais, sente-se frágil, sem forças, doente e abandonada. Tem incertezas e medos, muito medo desta etapa final, muito medo do que a vida já não lhe vai dar. Medo de ter dores, medo de ir para um lar, medo de não ter os seus perto dela. E os seus têm medo que ela tenha dores, medo de não conseguirem mantê-la em sua casa, medo de não saberem tratar dela, medo que ela telefone de noite com medo. Não sabem a quem pedir ajuda, não sabem o que perguntar aos médicos.

É muito estimulante discutir a eutanásia, é um desses temas que implica opções morais, implica a vida e a morte, o livre arbítrio, a lucidez para decidir, o respeito pela decisão do outro, e às vezes até mesmo a necessidade de vagar camas nos hospitais ou clínicas para pacientes mais rentáveis. Discutir a eutanásia também não tem grandes custos, e pode-se sempre pairar por cima de todos os retratos possíveis do que é a caminhada para a morte. Essa caminhada é solitária e individual e todos a fazem, quem morre e mesmo quem vê morrer, morrendo um pouco nesse processo. Há uma compulsão na sociedade para grandes e teóricas discussões de temas “fracturantes” e sobra por vezes pouco ânimo para assuntos menos etéreos que de uma forma concreta podem condicionar a vida daqueles que estão mais perto da morte. A discussão da eutanásia deveria começar por uma muito séria abordagem de uma política de saúde virada para a dignidade do doente, uma política generalizada, séria e multidisciplinar de cuidados paliativos em todo o território nacional.

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