28/01/08

Buñuel ou Monty Python?

Vi-me hoje num hospital do SNS bem no centro de Lisboa, moderna e dinâmica capital europeia. O hospital parece tudo menos um hospital, foi feito numa altura em que ainda não havia arquitectos de hospitais em ateliers altamente especializados que estudam circulação, circuitos e optimizações. Este hospital é feio, inadaptado e tudo totalmente non user friendly para qualquer categoria de pessoa que tenha de o frequentar, ou pior ainda de nele trabalhar. Aliás creio que trabalhar lá deveria dar direito a uma bonificação extra. Dito isto lembro que o dito hospital já é hospital há tempo demais.

Nos minutos que antecedem a hora da visita, os visitantes vão esperando com ar de quem está já habituado, nos corredores impossíveis de descrever e onde é difícil perceber o que está mal. Tudo está o que torna a descrição complicada e sem nenhum tipo de efeito de surpresa. Mas não foram estes aspectos que me chamaram a atenção, apesar de cada um deles a merecer pois só a nossa familiaridade com tais condições é que nos torna inertes e nos impede um enorme grito de revolta. O que hoje presenciei de verdadeiramente extraordinário, e se o que aflorei até agora revela um surrealismo digno de Buñuel, este caso é mais próximo de um surrealismo Monty Pytoniano, é o facto de que, por causa de umas obras de nada que parece não terem acontecido, os pacientes tiveram de mudar de quartos na enfermaria. (A enfermaria tem vários quartos cada um deles com várias camas). Tentaram, com uma ou duas excepções, manter os pacientes nas suas camas que são numeradas, mas porque uns foram para uns quartos e outros para outros a lógica numérica daquela enfermaria perdeu-se, bem como a memória visual que liga o paciente ao quarto e ao local. Para complicar tudo, os números da cama nem sempre estão visíveis, e à entrada dos quartos ainda está a indicada a numeração antiga. Assim nos últimos dias as dietas andam trocadas, vão fazer raios-x ou outros exames os pacientes errados, os médicos, que mudam bastante e nem sempre conhecem bem o paciente, porque ainda não o tinham visto, ou porque olham sobretudo para a ficha médica, falam com os pacientes errados, as enfermeiras só depois de irem a um quarto se lembram que é no outro que está o paciente que tem que ser medicado ou ter o soro mudado. Olhei para aquela enfermaria e pensei que dos pacientes aos médicos, lá estar, trabalhar e estar disponível ou lá estar e recuperar de uma doença, é feito digno de heróis. Repito é de Lisboa que falo, não é do interior abandonado.

Ah, não quero esquecer, pois fiz uma nota mental para aqui o escrever: naquela enfermaria numa prateleira pequena por cima da porta da entrada estavam discretos, mas visíveis para todos, nada menos do que 7 imagens religiosas de vários tamanhos e de qualidade estética duvidosa representando, tanto quanto pude perceber, a Nossa Senhora e o Santo António (o padroeiro da cidade). Duas jarras com flores frescas – o que de mais fresco havia no hospital, diga-se, ladeavam as imagens. Não há decreto que mude hábitos e tradições demasiado enraizados.

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