20/06/08

Um Post de Generalidades, mas

O tema não merece mais nem melhor. Manuela Ferreira Leite cometeu o pecado de ter enunciado a sua condição de mulher ao dizer que, cito de cor, As mulheres não pensam 24 horas na política, e que pensam noutras coisas. Caiu o Carmo e a Trindade, jornalistas, bloggers, analistas, comentadores, políticos da esquerda, políticos da direita têm-se detido nesta frase e encontrado mil razões para verem nela sinais de incompetência política, feminismo, oportunismo, falta de feminismo, eu sei lá! You name it, they saw it. Para mim a frase revela a mais óbvia das realidades, diria mesmo que é de uma banalidade total, e ao enunciá-la entrarei com gáudio no reino das generalidades: uma mulher, seja ela quem for, nunca pensa 24 horas na mesma coisa. Mesmo que queira, não consegue, porque não a deixam, porque ela não quer, sei lá: porque é assim, ponto. Há sempre um neto que nasce, uma empregada que telefona pois não percebeu o que era o jantar, a caixa de e-mail que nem queremos abrir, um filho que deita sangue pelo nariz, a reunião marcada para as 18 e 30 e as crianças que só podem estar no colégio até às 19 e o pai delas que não atende o telefone, a filha que hoje à noite vai sair e ainda não se sabe bem com quem, a mensalidade do sei-lá-o quê que esqueceu pagar, as calças do marido que já estão prontas na tinturaria há uns dias e ele que teima em se esquecer de ir buscar, a mãe que telefona pela enésima vez a perguntar se não nos esquecemos do aniversário da tia, a sogra que não consegue falar com o filho, o ex-marido que este mês ainda não pagou a pensão das crianças mas foi ao Brasil de férias, aquele fato lindo e que faz tanta falta será que se aguenta até aos saldos, o relatório que não se consegue começar pois o departamento x ainda não mandou os dados, o telemóvel que toca à noite com o(a) chefe a pedir informações para a reunião que vai ter de manhã... Poderia continuar, mas acho que não vale a pena.

Este acontecimento que se criou à volta da frase de MFL fez-me lembrar a reacção dos media franceses quando descobriram que Segolène Royale usava bikini e a fotografaram assim na praia. Então queriam que ela usasse o quê: um fato Chanel? Uma burka? Ela é mulher, e as mulheres vestem bikinis. Eu já vi fotografias dos políticos na praia e não me lembro de os media se deterem no tipo de fato de banho que eles escolhem calção ou sunga, no comprimento dos calções, surfista ou boxer, se são de licra justos ou de sarja largueirões... Escreve-se muito sobre a igualdade de tratamento, mas isso é pura ficção pois as mulheres ainda são tratadas de forma diferente, e isso vê-se no dia em que ousam lembrar a sua condição de mulher e lhes cai o mundo em cima da esquerda à direita: ou porque disse e não devia ter dito, ou porque não disse a coisa correcta da forma correcta.

E continuando com generalidades, pois entre o estereótipo do homem e o estereótipo da mulher, há toda uma interessante gama de cinzentos, poderíamos dizer coisas do género “as mulheres riscam os carros e não se importam, pois para elas, eles são meros objectos utilitários”, “as mulheres têm mais capacidade para ouvir os outros”, “as mulheres são mais sensíveis às questões sociais”. As mulheres dizem coisas destas, será que as mulheres políticas não o podem fazer? Que tipo de discriminação é essa? Voltando ao Caso MFL: o que poderia ter sido uma questão política pertinente sobre a oportunidade ou não da sua ausência e consequente silêncio na semana dos bloqueios, inquinou-se e transformou-se na espuma de uma banalidade e numa questão corriqueira de “MFL se aproveitar do facto de ser mulher”. E já agora: se alguma vez ela se aproveitou ou vier a aproveitar do facto de ser mulher, merece todo o meu respeito e só mostra que é uma mulher a sério e que deve ser levada a sério.

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