22/11/09

Face Oculta da Verdade

O arquivamento das oito certidões extraídas do processo Face Oculta, contrariando as decisões dos magistrado de Aveiro e Coimbra (que presumivelmente carecem todos bom senso e capacidade de avaliação), com conversas entre Armando Vara e José Sócrates, é o desfecho esperado de um processo, que tal como todos os outros, nunca conhece soluções. As conversas entre JS e AV pouco interessariam se eles fossem cidadãos comuns sem responsabilidades politicas e de Estado, como é o caso. Um é o Primeiro-ministro de Portugal e o outro é um amigo seu que, tal como ele, subiu na vida pública e ocupou cargos de relevo politico, nomeadamente o último, à custa de militâncias politicas, e não de um curriculum profissional sólido. Assim sendo o teor das escutas é relevante politicamente e não pode ser ignorado uma vez que demonstra uma ilegítima interferência do governo na esfera privada e uma tentativa de controle da comunicação social. Os habituais “senãos” processuais em que qualquer investigação em Portugal encalha não pode deixar de frustrar o cidadão que gostava, mas já nem ousa esperar, de, por uma vez, saber onde pára a verdade.

No nosso pais, há crimes, mas não há criminosos. Prova-se o abuso de crianças na Casa Pia, mas ninguém (à excepção de Carlos Silvino) os cometeu. Há tráfego de influências, (visíveis em casos pouco claros de adjudicações directas, interferências na comunicação sócial através de estranhas coincidências, etc) mas ninguém influência ninguém nem coisa nenhuma. Há corrupção, (operações financeiras ilícitas, abuso de confiança, lavagem de dinheiro, enriquecimento rápidos e inexplicáveis), mas nunca se encontram corruptos. A verdade acaba sempre perdida de tal forma se embrulha e escamoteia, se enreda em demoras e complexidades processuais. A verdade perde-se da nossa vista e no meio das demoras e complexidades até nos esquecemos do que realmente está em causa.

Talvez porque, lamentavelmente, a verdade é o que menos interessa: às pessoas em causa, (que mais parecem decidir como se estivessem num concurso de popularidade, e não em consciência): ao Procurador-geral da República, aos magistrados que podem ver as suas carreiras congelas (caso Rui Teixeira) por se envolverem com figuras do poder, e a muitos políticos e gestores/empresários de diversos sectores que vivem da promiscuidade entre empresas, influências e poder. Chegamos, enquanto país e percepção colectiva, a um ponto em que se acha normal e natural e não merecedor de esclarecimentos que o Primeiro-ministro tenha as conversas que teve com Armando Vara (e falo só do que conheço, que desconhecemos o teor de todas as outras, mas a amostra basta para acabar com a inocência). Acha-se normal que o Primeiro-ministro passe a vida envolvido em processos de legalidade duvidosa.

Tanto é assim que os portugueses continuaram a votar nele. Eu, que não votei em José Sócrates, continuo a lamentar a escolha prioritária dos eleitores na qual não me revejo como há muito não me acontecia. Continuo, infelizmente, a confirmar a pouca exigência esperada perante quem ocupa em Portugal cargos de Estado.

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