O excesso de zelo sempre me deixou desconfiada, venha ele de onde vier e confesso que as reacções esta semana (“ferida aberta” e outras frases e expressões afins) por parte de determinados sectores católicos, nomeadamente por parte do Cardeal Patriarca, que respeito e considero, à decisão do PR Cavaco Silva de promulgar a lei dos casamentos gay, me parece quase roçar a histeria. Nunca D. José Policarpo me pareceu “histérico” e a sua reacção agora não deixa de me surpreender. Cavaco Silva, no seu papel institucional de Presidente da República (e não enquanto cidadão católico), fez o que considerou correcto em nome dos valores institucionais que sempre defendeu: a estabilidade, a não distracção do país em relação aos problemas fundamentais – dívida - que enfrenta, e aos quais é estruturalmente fiel. O Estado Português é um estado laico, graças a Deus, o que confere também uma maior liberdade à Igreja (como o Papa Bento XVI tão apropriadamente referiu no seu discurso à chegada ao nosso país). É assim que eu gosto e é esse um dos valores fundamentais da cultura civilizacional do ocidente em que a democracia impera. Oxalá assim se mantenha por muito tempo.
A morte do cristianismo (bem como da religião em geral e de uma ou outra religião em particular) já foi anunciada inúmeras vezes por filósofos, ideólogos, políticos, ditadores. Ditadores frequentemente perseguem quem professa determinadas, ou não, religiões. Mas a religião nunca morreu. A religião não morre, por muito que se persigam e matem os crentes. O Catolicismo também não morrerá. Pode ser praticado clandestinamente, pode passar às catacumbas, mas não morre, e como a história já o demonstrou poderá, pelo contrário, sair reforçado e purificado. Bento XVI sabe isso e várias vezes abordou esse tópico de os católicos serem minoritários em sociedades onde eram maioritários. Poucos, mas bons, dizem.
A questão que se coloca é sobretudo civilizacional: como florescem e, em última análise, sobrevivem os valores civilizacionais ocidentais, nos quais se incluem a secularidade do estado que permite a democracia, a tolerância e o respeito pela liberdade individual. Por isso, e apesar de não gostar de igualizar o que não é igual, nem me apaixonar por causas fracturantes, se tivesse que escolher, não hesitaria: prefiro viver numa sociedade em que os gays se podem casar, do que viver numa sociedade em que os gays são injustamente discriminados.