08/05/11

O Cetim das Pestanas


Nesta novela-biografia ou biografia-enovelada, não a quis fazer chorar, minha senhora. Vossa Excelência já sabe que eu – o derradeiro cultor do romance plangente neste país onde a literatura se está refazendo com fermentações de cores várias e jogralidades vasconças, - premindo com o dedo umas certas molas do mecanismo da sentimentalidade, faço tremeluzir no cetim de suas pestanas umas camarinhas de preciosas lágrimas. Também não quis que vossa excelência se risse. Este livrinho tem intuitos graves, e encerra uma ideia encoberta, porque ideias descobertas já raramente aparece uma. Tenho o desvanecimento de conjecturar que a filosofia deste opúsculo há-de dar de si (...).

Camilo Castelo Branco, Novelas do Minho – Volume 3, O Degredado.


Li curiosa e divertida as Novelas do Minho. Confesso que – não sei porquê, e ao contrário do que se passa com outros autores portugueses do mesmo século - pouco li até agora de Camilo Castelo Branco. Já há muito que tinha vontade de o ler, mas por isto e por aquilo ia sempre adiando... até agora. E em boa hora o fiz, porque o prazer de ler rico e um genuíno português (língua e não pessoa) não tem preço. Se a minha recente releitura de Eça de Queirós foi um reencontro feliz, a leitura de Camilo revelou-se uma surpresa (o facto de já saber como é o autor, em nada diminui a surpresa que uma leitura sempre trás) e um prazer imensos. A sua linguagem, o seu humor e ironia, o à-vontade com que retrata cada indivíduo seja qual for o extracto social a que pertença, o seu olhar peculiar sobre a sociedade, o país, e sobre si mesmo são únicos. O país retratado nas Novelas do Minho é um país vasto e muito mais rural do que urbano (ao contrario de Eça, por exemplo), tal como a sua linguagem, muito genuína, muito portuguesa e desprovida de estrangeirismos tão na moda nessa época. Uma coisa é certa: hoje sei apreciar Camilo muito mais do que antes teria sabido.

Este pequeno excerto é, nas suas referências, um concentrado camiliano: a novela plangente, o amor, o cavalheirismo na alusão privilegiada às leitoras (eu e as minhas camarinhas de preciosas lágrimas tremeluzindo no cetim das minhas pestanas, incluídas!) e aos efeitos das suas novelas na sensibilidade das ditas leitoras, a ironia, a literatura e o realismo, a banalidade de tantas ideias descobertas, a filosofia e erudição. Faltam alguns ingredientes como a política, a crítica social, a prisão, alguns retratos. De uns e de outros tenciono, a pouco e pouco, dar conta.

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