02/06/11

Outra Vez Camilo 2 (As Mulheres)

Decerto já observou, leitor, em senhoras de província um desembaraço bronco, um remexerem-se e bacharelarem-se despropositadamente, - desaires resultantes de lhes haverem dito que o pejo e o acanhamento são indícios de educação aldeã. Estes despejos improvisados sem delicadeza nem natural (...) abrem margem a suspeitas indecorosas; (...).
Camilo Castelo Branco, Novelas do Minho, Volume 1, Gracejos que Matam.

Camilo é um excelente fazedor de personagens. Molda-as com todas as nuances possíveis, dá-lhes espessura, volume, densidade e faz delas seres únicos e irrepetíveis. Esta dimensão, patente na sua capacidade de construir seres humanos (as suas personagens) completos, complexos e com alma, foi talvez uma das que mais me surpreendeu ao ler as Novelas do Minho, e faz dele, sem dúvida nem favor, um romancista de primeira linha. A forma como ele cria e molda as ‘suas’ personagens femininas (meninas, mulheres), não escapa a este perfeccionismo. Não há personagens-tipo, nem pré-fabricados, há sim personagens inigualáveis, e há sobretudo o seu olhar (enquanto narrador) que nunca perde uma 'nuance' e sempre cheio de ironia, ou de compaixão, ou simpatia, ou aversão, mas sem nunca lhe sentirmos preconceito.

Estes excertos são exemplos dessa fina observação que referi. Hoje, as senhoras de província, pertencem a outras ‘geografias’ que não a província tal como era no séc. XIX, os escrúpulos têm outros nomes, os rouxinóis que mantém acordados são tantas vezes virtuais. A matéria pode mudar, mas o gesto, o impulso, o estilo é o mesmo hoje ou no séc. XIX. Impossível não nos deleitarmos. Impossível contermos uma gargalhada.

(...) uma espécie de medo dos homens a obrigava a recuar o esteirão da soleira da janela. A timorata criatura tinha escrúpulos, e perguntava à mãe se os homens a veriam da rua. Isto, na verdade, era bonito em uma menina de vinte anos; mas, se a crítica pode superintender no foro íntimo de tão cândida alma, a mim parece-me que o escrúpulo é a chave que abre a porta por onde a inocência há-de escapar-se, tarde ou cedo. Se houvesse virtudes perfeitas, essas desconheceriam os escrúpulos que são de per si os prelúdios das imperfeições.
Camilo Castelo Branco, Novelas do Minho, Volume 3, A Viúva do Enforcado

Este bom homem, noite alta, (...) erguia-se para escutar-lhe a respiração da filha, e correr-lhe a vidraça nas noites quentes; porque ela, quando a aurora dealvava a curva do horizonte, estava ainda na janela a ouvir os últimos gorjeios dos rouxinóis. Contemplai uma vítima dos romances, ó pais e mães de famílias!
Camilo Castelo Branco, Novelas do Minho, Volume 2, Filho Natural

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