08/02/14

Há Dias de Inverno Assim 21

Adriaen van de Velde
Golfers on the Ice near Haarlem


Há uns dias, ao folhear a Vogue (portuguesa), li numa página com um artigo cujo título já não recordo, este destaque,

que me deixou atónita pelo tipo de linguagem usada. Se já nem a Vogue escapa a este economês martelado de vocábulos financeiros, o mundo começa a estar um local ainda mais difícil de frequentar. O que diz o artigo não sei, nem quero saber. Fotografei-o com o telemóvel para ter a certeza de que não me enganaria a citar. Vem na página 63 da Vogue de Janeiro (também fotografei o número da página, não fosse esquecer). 

03/02/14

Escrever Sem Querer

Há sempre muito ruído quando morre(*) uma figura pública venha ela do mundo da política, do espectáculo, das artes, do desporto, ou até do jet-set. 

Primeiro. A informação chega em directo, e as redes sociais ampliam-na através das múltiplas reacções a essa morte. É difícil escapar à onda de emoção e comoção e a esse registo, ao qual os órgão de comunicação social mais tradicionais (jornais e televisão) também dão eco. O problema é que essas reacções e essas manifestações, normalmente porque há honrosas excepções, pouco trazem de novo, quer a título informativo, quer a título pessoal, servindo ou como um registo ou apenas como desabafo mais ou menos sentido, mais ou menos pertinente, de quem escreve. Para quem olha “de fora” vê apenas uma mancha de fundo amorfa feita de banalidades já conhecidas e acordadas (ele(a) era tão bom isto, tão bom aquilo, ai que pena, etc) que nunca me apetece ler. 

Segundo, um fenómeno peculiar. Nos funerais de personalidades públicas, do mundo do espectáculo, da política, das artes, do desporto, aqui em Portugal vemos sempre as mesmas caras, as mesmas pessoas; um facto que sempre me intrigou. É impressionante como todos os mortos tinham muitos amigos e os mesmo amigos. Poderia lembrar alguns casos, dos últimos anos e dar exemplos, mas abstenho-me por razões que creio fáceis de entender. Garanto no entanto que quem olhar atentamente percebe este fenómeno de unanimismo português em que percebemos que todos eram, afinal, amigos de todos. Assim até é fácil prever quem é que estará no próximo funeral de uma personalidade pública portuguesa com uma margem de erro mínima e sem necessidade de nenhum complexo modelo e cálculo probabilístico. 

Por tudo o que referi, raramente escrevo sobre quem morre e também porque há sempre quem escreva melhor; e para escrever mais do mesmo, seria melhor ficar quieta. Mas hoje não, eu não quero mas escrevo; mas tal como um desabafo. Não escreverei melhor nem diferente, escreverei apenas mais do mesmo. 

Philip Seymour Hoffman era um dos poucos actores que ocupava todo o ecrã; quando ele estava em cena, os meus olhos não conseguiam ver mais ninguém, a minha atenção era para ele, era dele. Podia ser uma personagem repelente, ou fascinante, intimidante, misteriosa, simpática ou amorfa. Era indiferente, e só ele interessava. Era sempre "all about him". Que me lembre só Meryl Streep em Doubt, naqueles diálogos excepcionais entre ambos, lhe fazia frente e lutava pela nossa atenção. Hoffman fez também muitos papeis secundários (Idos de Março ou Jogos de Poder, por exemplo), mas quando saía de seja que filme fosse em que ele entrasse, era dele que me lembrava. Fico zangada que um homem como ele, com o talento imenso dele, e com a idade que ele tinha, morra como morreu. Fico intrigada, não percebo e pergunto porquê? E fico triste porque Philip Seymour Hoffman já não vai fazer mais filmes. 

(*) Morre, do verbo morrer, em inglês to die. E não falecer, em inglês to pass (away). Não vale a pena encontrar eufemismos. Nada é mais certo.

19/01/14

Há Dias de Inverno Assim 20

Hendrick Avercamp
Winter Scene on a Frozen Canal

Este quadro, como tantos outros quadros flamengos, conta várias histórias de várias gentes de classes sociais diferentes, várias profissões, idades diversas e também animais. A partir deste artigo da Wikipédia, temos acesso a uma reprodução em tamanho grande e que permite ainda fazer zoom para não perdermos nenhum detalhe, nenhuma das histórias, nenhuma ponta de humor. Um condensado de humanidade. É uma excelente alternativa aos telejornais, à maioria dos debates, e sobretudo às casas dos segredos, pois nada nos impede de especular ou tentar adivinhar os segredos de tantas personagens. Tempo bem passado. 

E a propósito de pintura flamenga: quem gosta – e não só - não deve perder a exposição A Paisagem Nórdica do Museu do Prado, no Museu Nacional de Arte Antiga. Há muito por onde nos deleitarmos, nessas pinturas em que a paisagem é mais (ou tão) humana do que física, à boa maneira da Idade do Ouro Flamenga. E a ironia que nunca anda longe, se se procurar com alguma atenção.



Na semana em que, em França, Hollande “meteu o socialismo na gaveta” deixando ainda mais atarantados aqueles que, na Eurpoa, continuam a acreditar no socialismo; na semana em que, em França, poderia reflectir sobre o que são exactamente as “Primeiras Damas” numa República que não as elege, e sobre o papel que informal ou formalmente lhes é atribuído e o que delas se espera; na semana em que poderia destacar as diferenças entre o jornalismo “cor-de-rosa” e a opinião pública anglo-saxónica e a latina; sinto-me incapaz de uma reflexão mais séria pois, indevidamente é certo, esbarro naquilo a que José Medeiros Ferreira, na sua sabedoria, chama a estonteante capacidade de sedução do PRF. O presidente do cabelo pintado (seguindo as pegadas de Berlusconi) é uma caixinha de surpresas.

12/01/14

Coisas que se Podem Fazer ao Domingo 76

Egipto (sec IV-II AC)


Avisar toda a gente.

09/01/14

2013 (II)

No princípio do ano de 2013 pediram-me, no âmbito de um caso em julgamento, para escrever um testemunho para o tribunal. Fi-lo eu e mais uma dúzia de pessoas, quase todas mulheres. A parte contrária tentou desacreditar e descredibilizar os testemunhos usando o argumento que eram quase todos feitos por mulheres, e (pior ainda, se fosse possível), mulheres “de uma certa idade”. Na altura achei tão ridículo tal argumento que só poderia rir, perguntando-me então qual seria a boa idade para uma mulher testemunhar e, claro, se os homens também teriam boas e más idades para serem testemunhas. No meu íntimo, na altura, desejava que fosse uma juíza, e já agora também “de uma certa idade” a julgar o caso. Meses depois, na altura do julgamento, soube que sim, que era uma juíza e também ela “de uma certa idade”. 

Esta pequena peripécia, no entanto, não me deixou tranquila. É inquietante pensar que nesta Europa do séc. XX sobrevivem preconceitos suficientemente enraizados ao ponto de gente educada e civilizada (assim o pensam e assim os pensamos) os utilizar, não verbalmente em jantares de amigos nos quais alguns preconceitos velhos e novos convivem com leveza e provocação, mas de forma escrita e em situações formais, nomeadamente num processo de justiça, tentando a sua validação. O caso Bárbara Guimarães, Manuel Carrilho veio, meses mais tarde, confirmar esta (e outras) inquietação: a necessidade de, sem olhar a meios, desvalorizar a palavra da mulher, usando desculpas e razões várias nomeadamente por ser “de uma certa idade” (aquela história que ele contou de BG ter dificuldade em aceitar os 40 anos). 

A vida para as mulheres não é fácil. Se são incompetentes, inconvenientes, irritantes são-no em primeiro lugar por serem mulheres e por isso são ridicularizadas. Os argumentos, as ideias, vêm depois, quando os há. Não importa que seja Assunção Esteves (cita mal e é inoportuna), Pussy Riot (manifestam-se com pouca roupa), Miley Cyrus (preciso mesmo dizer?), Isabel Jonet (parece não perceber o peso das palavras), Ana Gomes (uma voz e estilo irritante), Bárbara Guimarães (preciso mesmo dizer?), Kate Winslet (recentemente sob ataque por ter três filhos de três pais diferentes), ou tantos outros nomes que poderia citar. Primeiro vem o preconceito e desvalorizam-se os argumentos, as opções, os combates. Não é assim com os homens, não é assim com os homens incompetentes, os ridículos, os imbecis, os irritantes, que existem alegremente sem serem objecto de tanto preconceito  e de tanta desvalorização sem argumentos. Com as mulheres o debate, quando o há, vem só depois do preconceito. As mulheres nunca têm o mesmo direito à incompetência, ao ridículo, à imbecilidade que os homens têm. E nunca têm o benefício da dúvida – a sociedade não é tolerante com elas. Se é assim na sociedade ocidental que se quer igualitária, o combate pelos direitos das mulheres nas outras sociedade é ainda um percurso duro. 

Tivemos em 2013 exemplos bastantes: na Índia assistiu-se a um grande número de manifestações pelos direitos das mulheres no seguimento de casos de violações colectivas, num primeiro momento desvalorizadas pela polícia, mas que posteriormente foram conhecidos tendo sido os agressores objecto de condenação; no Médio Oriente a Primavera Árabe deixou um rasto de inverno no que respeita a segurança e direitos das mulheres como pudemos constatar por inúmeros testemunhos do que se passa sobretudo no Egipto e na Tunísia (onde as primaveras foram mais floridas). Na Arábia Saudita as mulheres manifestam-se conduzindo, na África do Sul homenageiam Mandela pelo papel que teve na luta feminista. Também em 2013 se falou mais sobre violência domestica, tráfego de mulheres, a crise e as mulheres... E gostaria de deixar uma nota final sobre a publicidade, ou as publicações, nomeadamente as de moda e estilo de vida. Nunca como este ano li e vi tantos artigos e vídeos que denunciam as barbaridades que sistematicamente se fazem ao corpo das mulheres, perpetuando uma imagem irreal e irrealista: com o Photoshop afinam-se e alisam-se rostos, ancas, alongam-se pernas quando as mulheres são “gordas”; ou apagam-se os sinais das costelas, da bacia e de outros ossos, corrige-se a flacidez da pele, dá-se relevo ao peito, enchem-se as pernas quando é necessário disfarçar a excessiva magreza das modelos; ou simplesmente apagam-se os sinais do tempo dos rostos e corpos, numa descaracterização que assusta pois às vezes mal se reconhecem as pessoas retratadas. 

2013 foi o ano da Mulher. 2013 mais uma vez mostrou, pelo menos a mim, o longo caminho a percorrer no sentido de estabelecer a dignidade da mulher, recusando preconceitos fáceis, e combatendo as leis difíceis.

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