11/07/07

Na Praia de Chesil 2

A cólera dele atiçou a dela e, repentinamente, Florence pensou que percebia qual era o problema de ambos: eram demasiado bem educados, demasiado constrangidos, demasiado temerosos, andavam um à roda do outro em bicos de pés, a murmurar, a segredar, a diferir, a concordar. Mal se conheciam um ao outro, e nunca podiam fazê-lo por causa da manta de quase silêncio amigável que abafava as suas diferenças, e os cegava tanto quanto os aprisionava. Tinham sempre tido medo de discordar, e agora a cólera dele estava a libertá-la. Queria magoá-lo, puni-lo, a fim de se distinguir dele. Tratava-se de um sentimento tão pouco familiar nela, no sentido da emoção da destruição, que quase não conseguia resistir-lhe. O seu coração batia com força e queria dizer-lhe que o odiava, e estava prestes a pronunciar essas palavras duras e maravilhosas que nunca proferira na vida, quando ele falou primeiro.

Ian McEwan, Na Praia de Chesil

Arquivo do blogue

Acerca de mim

temposevontades(at)gmail.com