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26/11/18

Avanços

É recorrente. De vez em quando, e a propósito normalmente do que se considera causa fracturante, fala-se de civilização e de avanço civilizacional. Longe de mim querer começar uma discussão filosófica, antropológica ou sociológica sobre o que é uma civilização, ou até ousar abordar diferenças civilizacionais entre o passado e o tempo actual ou entre as diferentes ‘civilizações’ que coexistem hoje no planeta terra. Seria interessante, nomeadamente tentar perceber se há umas civilizações ‘melhores’ do que outras e o que é que determina essa valoração, mas não é esse o meu objectivo. 

Limito-me a registar a facilidade com que se fala de civilização e de avanço civilizacional a propósito de qualquer coisa. Há umas semanas foi a Ministra da Cultura que – no parlamento – disse com muita clareza que as touradas eram uma actividade humana que cada vez fazia menos sentido (palavras minhas) numa civilização que se quer avançar. Esta noção de movimento – os ditos avanços e recuos civilizacionais – intriga-me. As civilizações evoluem e penalizar/acabar com touradas é uma opção acertada para estarmos no lado certo do dito avanço civilizacional. 

Quero deter-me um pouco nesse avanço, nesse movimento que, característica intrínseca do movimento, há-de ter uma direcção. Ora ninguém me explica qual a direcção dos ditos avanços civilizacionais que prometem, e que deveríamos alegremente e sem pestanejar construir. Eu gosto de perceber as coisas e nunca percebo que tipo de civilização ‘óptima’ é essa que devemos almejar, abandonando práticas consideradas não civilizacionais como as touradas. Afinal, quem é que nos explica que tipo de civilização é essa? Será que a ministra da Cultura sabe onde é que esse avanço civilizacional nos leva? Ou será que essa dita civilização que os avanços nos permitem vislumbrar não é mais do que um work in progress (este conceito que está na moda) de uma agenda política que existe na cabeça de uma minoria normalmente elitista e ‘de esquerda’ que impõe os novos códigos morais inventados numa máquina de propaganda qualquer num gabinete de marketing político e assentes em restritivos códigos de linguagem politicamente correcta? As pessoas que fazem a maioria – essa coisa chata e inconveniente que vota ‘populista’, Trump, Brexit, entre outros - pouco se revê nesses novos códigos morais, na linguagem cuidada, vigiada e reprimida e nessa ânsia de ‘avanço civilizacional’. Agora foi a tourada, em breve arranjarão outro tema para nos falarem de civilização. Deveriam parar um pouco, olhar à volta, e ver onde param os avanços civilizacionais, por exemplo (poderia dar tantos), num programa de televisão que se chama “Casados à Primeira Vista”, um reality-show pseudo-científico e com ‘Especialistas’ a funcionarem como casamenteiras. A tourada é, em todos os aspectos, infinitamente mais interessante e superior do ponto de vista civilizacional (e eu não sou propriamente uma apreciadora de touradas). 

Na minha noção de civilização os avanços civilizacionais prendem-se com (e para não me deter num passado muito passado, começo no século XVIII) a abolição da escravatura, o voto das mulheres, a diminuição da taxa de mortalidade infantil, a educação para todos, o aumento do número de sociedades democráticas, e o aumento da média da esperança de vida, para citar alguns. Infelizmente, no nosso planeta Terra e nos dias de hoje muitos destes avanços civilizacionais estão por cumprir. Mas isso não incomoda quem, nas nossas sociedades chamadas ocidentais tem uma agenda política politicamente correcta. Nem isso nem o simples facto de que na nossa própria sociedade aguardamos ainda o cumprimento de um avanço civilizacional importante: uma Justiça célere, eficaz e ao alcance de todos. Mas isto sou eu a falar ... quero lá saber das touradas.

23/03/13

Se Tivermos Sorte, Chegamos a Velhos

Ontem folheava uma revista quando parei na fotografia de Paul Auster que ilustrava a entrevista. Pensei: “está velho”, aquilo que tantas vezes pensámos sempre com uma surpresa que não nos deveria surpreender: nada mais inevitável do que o passar do tempo e o envelhecimento dos outros que de vez em quando vemos na rua ou numa fotografia. Se nos lembramos deles quando eram “novos” é, só por si, um sinal inequívoco e indesmentível de que também nós envelhecemos. Não precisamos sequer de ir ao espelho, pois não há como escapar deste axioma. Como costumo dizer: se tivermos sorte, também nós chegamos a velhos.



Estava eu ainda meia enredada nestes considerandos semi-metafísicos acerca do “ser velho” e do “parecer velho”, quando vejo a fotografia (que presumo relativamente recente), bem como a notícia da morte de Óscar Lopes. Nela, Óscar Lopes tem o cabelo branco e algumas rugas na cara mas, ao contrário de Paul Auster, não parecia tão obviamente “mais velho” do que quando o conheci na Faculdade de Letras da Universidade do Porto onde foi meu professor. Ele nunca teve propriamente (também ao contrário de Paul Auster) um ar ‘jovem’ e/ou "desportivo", como hoje é suposto termos e como tentamos, sempre teve uma constituição delicada e algo frágil. Mas isto foi tudo há alguns anos, há bastantes anos; é melhor nem fazer as contas. 



Muitas vezes me tenho perguntado para que serviram os meus anos passados na faculdade num curso marcadamente teórico. Para além da pertinência e importância inegável ‘do canudo’ (que o diga Miguel Relvas), consolidei na Faculdade umas bases culturais que hoje considero terem sido sólidas. No entanto constato que sobretudo aprendi a pensar. E aprendi-o em várias vertentes. Primeiro, e numa época em que o Google não respondia de imediato às dúvidas, nem resolvia lacunas do saber, havia uma importante questão de organização, estrutura e prioridade: era preciso decidir o que queríamos saber, como o queríamos saber, onde ir buscar esse saber. Depois, num segundo momento, tínhamos que aproveitar ao máximo e rentabilizar cada gota de saber adquirido para o fazer render, se possível para outras cadeiras e outras matérias afins. Começávamos assim a relacionar os conhecimentos adquiridos e a flexibilizá-los. Finalmente, e quando não tínhamos os ditos conhecimentos – falhas nos apontamentos, bibliografia não consultada - tínhamos que pensar duas vezes mais ‘forte’ para chegarmos a algum lado a nível de estruturar uma resposta, para tirarmos alguma conclusão. Assim desenvolvíamos alguma criatividade e uma atitude crítica. 

Para além de ‘aprender a pensar’ aprendi também ‘algumas coisas’: a gostar ainda mais de literatura, e de arte em geral, e a conhecer melhor a nossa língua e a nossa literatura. Óscar Lopes foi um professor fundamental nessas aprendizagens. Numa altura em que não se tinha medo de ensinar literatura no secundário (liceu), todos estudávamos na sua (e de António José Saraiva) História da Literatura Portuguesa, sem que isso tenha traumatizado especialmente a minha e tantas outras gerações. Ainda hoje consulto essa obra sempre que preciso ou me apetece. Foi no entanto na faculdade, quando o tive como professor, que percebi a dimensão do seu amor à língua e à literatura e a sua vastíssima erudição. Era um professor (um Professor Catedrático) tranquilo mas apaixonado pela matéria que dava, e a sua cadeira de História da Língua Portuguesa foi uma das que mais me ensinou e das que mais gostei. Tinha uma visão muito larga, um conhecimento vastíssimo, mas aliado à humildade própria de quem sabe muito e sabe sobretudo que nada sabe - uma atitude que num meio académico, em que tantos passeiam a sua vaidade intelectual que às vezes não passa mesmo disso, nos corredores das faculdades, é bem mais rara do que seria desejável. Estava sempre disponível para o aluno o que, aliado a um trato afável, o tornavam surpreendentemente acessível. Nunca se falou de política nas suas aulas, nunca houve nenhum tipo de proselitismo e era quase unânime a simpatia que os alunos sentiam por ele. Deixou-me ‘saber’ e boas memórias.

22/11/12

Dando Excessivamente Sobre o Mar (Edição Especial)

As Idades do Mar, a exposição temporária da Gulbenkian é para ver e rever. Só é preciso gostar de pintura, mas se se gosta de pintura e de mar, o feitiço funciona e ficamos ali quedos e mudos a olhar. A estrutura e organização da exposição é muito bem conseguida e, desde o momento em que se entra, percebemos que não faltarão quadros marcantes para ver e prolongar o nosso prazer. 

A contrastar com a qualidade da exposição (dos quadros) estão os textos que introduzem os diferentes temas, ou seja, as diferentes “Idades do Mar” e que deveriam guiar o espectador e funcionar como um prelúdio ao momento que se segue, isto é, aos quadros que se vão ver e que cabem nesse tema. Quem escreve os textos deveria fazê-lo a pensar no esclarecimento do público, que será sem dúvida um público heterogéneo; idades diferentes e níveis quer de escolaridade quer culturais diferentes. Isso seria tão simples que a tentação de complicar tudo foi irresistível, e os excertos dos textos que aqui deixo (há mais exemplos, é só darem-se ao trabalho de seguir o link e ler tudo), deixam-me siderada: 






Quem escreveu os textos fez uma opção clara: os textos, não serão funcionais, não cumprirão a sua missão de esclarecimento, de iluminação, não serão um prelúdio convidativo ao que se vai ver. Quem escreveu os textos (e quem os divulga), decidiu não ser compreendido pelo público em geral. Talvez tenham tentado produzir objectos de arte que competissem com os quadros... mas finalmente o resultado não foi além de uns textos que são exemplos de soberba e de arrogância intelectual dignas de figurar num manual de ilustração de como não se deve escrever para um público que apenas procura nesses textos, um esclarecimento, um motivo. Nestas ocasiões lembro os anglo-saxões e o quanto prezam a clareza, e lembro também esta máxima da arte de bem escrever do Economist


A frase é tão boa que não preciso dizer mais nada. 

Entretanto vou ali num instante "procurar com melancolia as matrizes dos tempos primeiros e perfeitos". Espero sinceramente não me "convulsionar em visões turbulentas, feitas de emoção, sentimento e vertigem". Desejem-me boa sorte.

18/11/11

"Esta Ridícula Ilusão que em Portugal se Chama Teatro"

Ainda a propósito de Teatro de do D. Maria, excertos (meus) de um inspirado texto (certeiro e divertido) sobre a ilusão do teatro em Portugal de Vasco Pulido Valente no jornal Público de hoje. (sem link para o texto)

(…) para muita gente o teatro na aparência (repito: na aparência) não exige uma educação e uma competência técnica verificável e universal. Na música, no ballet ou na dança existem critérios que definem um profissional com uma certa objectividade. Mas basta que se defina um “palco”, que na prática não passa de um espaço arbitrariamente definido, seja ele qual for, para, em teoria, o que sucede lá dentro seja, ou possa ser, declarado teatro. E, se alguém protesta contra a qualidade do putativo “espectáculo” que lhe oferecem, é por uma única razão: não conseguiu penetrar a intenção estética do exercício.

Este estatuto privilegiado (…) fez com que proliferassem dezenas de grupos de teatro por todo o país, mesmo nos mais remotos cantos da província. Ainda por cima, por razões de ignorância e popularidade, certos ministros compraram a eito os velhos cine- teatros de 1920 e 1930, de que as câmaras estavam mortas por se livrar, dando um centro e um sítio a quem se sentia (e quemse não sente?) com uma vocação “dramática”.

(…) Nada disto, claro, serve, ou jamais serviu, rigorosamente para nada. Em 37 anos não apareceu uma única obra decente de dramaturgia portuguesa. (…) Até o Teatro Nacional D. Maria II, na impossibilidade de se ficar eternamente no Frei Luís de Sousa, apresenta geralmente traduções. De resto, não lhe falta só dramaturgia portuguesa. Também lhe falta público. Uma noite no D. Maria é uma noite soturna. Francisco José Viegas cortou o orçamento (um milhão de euros) deste longo equívoco. Foi inteiramente justo. E, quando Diogo Infante resolveu recorrer à intimidação, não hesitou em o demitir. Chegou a altura de acabar com esta ridícula ilusão que em Portugal se chama “teatro”.
Vasco Pulido Valente no Público de hoje.


17/11/11

Ontem ao ler a notícia de que o Director Artístico do Teatro Nacional suspendera a programação só tive um pensamento: têm que o pôr na rua! Hoje de manhã fiquei satisfeita quando ouvi que isso mesmo tinha sido feito. Este tipo de atitudes de pseudo ‘rebeldia’ e de desafio ‘às instâncias superiores’ impressiona-me zero e é-me muito pouco simpática, sobretudo quando não se trata de adolescentes. Ficam então as ‘divas’. Nada contra, antes pelo contrário, (dão colorido à vida) desde que o sejam à sua própria custa. Diogo Infante claramente não se enxerga e deve achar que o Estado lhe deve muito e país também. Ele é que, no exercício do seu cargo, deve. A suspensão da programação, com tudo o que isso implica é uma atitude muito pouco elegante, mas sobretudo irresponsável e leviana demonstrando entre outras coisas nenhum respeito pelos contribuintes. E se o é em quaisquer circunstâncias, é-o ainda mais em tempos de contenção, de dificuldades, de ‘vacas magras’. Nunca lhe passou pela cabeça apresentar a sua demissão, mas ameaçar e tentar encostar o Estado à parede cancelando a programação, sim. Feio, muito feio.

24/07/10

Middlemarch

Há umas semanas (meses?) comprei, num desses impulsos que os técnicos de marketing tão bem conhecem e exploram através da visibilidade que dão ao seu produto, “A Viúva Grávida” de Martin Amis, edição da Quetzal. Nunca tinha lido nada de Amis e há algum tempo que tinha curiosidade e vontade de ler um dos seus romances. Esta pareceu-me uma oportunidade tão boa como qualquer outra. Em casa, ao ver o livro perguntei-me porque é que o tinha comprado (nessa dúvida pós-compra, que apesar dos psicólogos do marketing também conhecerem bem, raramente me aflige, sobretudo com livros), uma vez que poderia tê-lo encomendado pela Amazon e assim lia a versão original como sempre gosto de fazer quando domino bem a língua e conheço a cultura. Enfim, disse comigo, com esta compra ganham as editoras e os tradutores nacionais.

Ontem peguei no livro e comecei a lê-lo. Não estava a ser um caso de amor à primeira vista, o que não é necessariamente mau presságio, muitos livros de que gostei não me prenderam nas primeiras dezenas de páginas. No entanto sentia uma narrativa pouco fluida, e sentia algo de errado com a linguagem. Algumas frases não “soavam” bem e mais do que uma vez me perguntei como seriam no original em inglês. Até que cheguei à página 41 onde vejo a seguinte frase:

O único romance que ela elogiava sem reservas era “Meados de Março” (1).

Na nota no fim da página apenas: (1) Middlemarch.

Meados de Março? O quê? Está tudo louco? E a nota é irrelevante: não esclarece quem não sabe. Eu sei que os tempos estão difíceis, que as editoras não têm dinheiro mas querem ganhá-lo com livros competitivos, que os tradutores têm também de ser competitivos (eufemismo para ser barato) e de cumprir prazos, e tudo o mais que se poderia dizer sobre o assunto. Mas pergunto-me, vale a pena “fazer” livros de qualquer maneira e a qualquer preço? Parece que sim, e está tudo bem assim. Eu é que estou mal porque me irritei, porque fiquei espantada e porque pousei o livro traduzido por alguém que não faz ideia do que é Middlemarch, nem procurou saber, nem tão pouco procurou esclarecer os leitores, que esses sim, não têm obrigação de saber. Já agora: Middlemarch é o título de um dos melhores – e mais importantes - romances ingleses do séc. XIX. Foi escrito por George Elliot (uma mulher), e Middlemarch não tem nada de “Meados de Março”, é sim o nome de ficção da cidade de província no centro de Inglaterra (Midlands) onde se passa a acção do romance.

Ser tradutor de língua inglesa e não conhecer o básico da sua literatura e cultura, é um mau cartão de visita. Fiquei sem vontade de continuar a ler a “Viúva Grávida” (que não tem culpa nenhuma, coitada), pelos menos esta tradução. Perde Martim Amis, ganha Geoge Elliot: apetece-me reler, ou pelo menos perder-me uns tempos com as 800 páginas dessa obra-prima que é Middlemarch e revisitar uma das mais interessantes personagens femininas de sempre, Dorothea Brooke. Não é coisa para “faint hearted”, nem para as gerações alimentadas a literatura infantil, e a imediatismos: 800 páginas demoram tempo a ser digeridas.

14/07/10

Este post zangado de Pedro Mexia na Lei Seca, tem sido pretexto para trocas de argumentos e acesas discussões, algumas interessantes, em vários blogues (nomeadamente aqui). Zanga e qualificativos à parte, há uma dúvida que persiste em mim e que a minha modesta cultural liberal e a minha estrutura intelecto-cultural (nada complexa, por sinal) me impedem de perceber. Por muitas voltas que dê à cabeça, simplesmente não entendo como é que “uma situação profissional”, segundo a definição de Pedro Mexia de “independência”, pode alguma vez ser independente de um “modo de financiamento”, ou seja, os ditos subsídios. Financiamento está inexoravelmente ligado ao exercício de uma actividade profissional. Esta última simplesmente não existe sem a primeira. Há hobbies, há trabalho voluntário, há actividade amadora, mas actividade profissional sem remuneração (categoria onde os ditos “subsídios” cabem) não há. Ponto.

O que me parece estar em causa do ponto de vista da discussão política é o modo de financiamento da actividade cultural em Portugal – e já agora um módico acerto sobre a definição e o que cabe nesse conceito “cultura”, aquela que o estado deve financiar, bem entendido, que sobre a outra o terreno é vasto e a liberdade muita - e a sua dependência da atribuição ou não de subsídios, e não o tipo de vínculo laboral dos agentes culturais. Confundir o problema trazendo à arena a questão dos vínculos laborais, é pobre ilusionismo.

21/04/09

Da Cultura

Neste Domingo que passou fiquei admirada por estar tanto tempo sentada em frente da televisão a ver um programa “cultural”. Não me acontece com frequência tal coisa. Os programas culturais normalmente têm o condão de, mais cedo ou mais tarde me aborrecerem ou irritarem, por isso já nem me preocupo em vê-los ou em saber quem quem é o convidado, qual é o tema de que programa. Neste Domingo enquanto zapava já naquele impulso de “ah, não há nada, desliga-se” apanhei o Câmara Clara com António M. Feijó e Vasco Graça e Moura a falar de Shakespeare e fiquei a ouvir. O programa estava a começar e não era sobre Shakespeare, mas sim sobre Grandes Romances de Amor em que se pedia a cada um dos convidados para levar alguns romances e falar sobre eles. Nunca resisto a nada que tenha a ver com romance quando sinto o séc. XIX por perto, (coisa que considero inevitável quando se fala em romance), e por isso encostei-me para trás e deixei-me levar por aqueles dois amantes de literatura no percurso que cada um talhou com as escolhas que fez.

AMF e VGM falavam com uma voz tranquila e baixa, opinavam, teciam relações, encontravam referências, ajustavam ideias e nada era complicado, obscuro ou rebuscado, só transparecia a simplicidade de quem se deixa levar pelo verdadeiro prazer da leitura de cada uma das obras, a vontade de mostrar os caminhos que elas abrem, de pousar o olhar de uma ou de outra forma. Foi bom relembrar umas, querer ler outras e sobretudo foi bom tentar perceber porque se perde tanto tempo a ler tralha e mais tralha com tanta boa literatura que passou o teste do tempo e das modas a merecer ser (re)descoberta e desvendada. O paraíso poderia (também) ser algo parecido com aquilo. As poucas interrupções e gargalhadas de Paula Moura Pinheiro destoavam um pouco, não tanto pelo conteúdo, mas pela forma pois quebrava o ritmo e o tom que os convidados impuseram ao programa. Mas pior do que isso foram as ruidosas interrupções, sem aviso e no meio da conversa, de pura propaganda “cultural” a filmes, temporadas musicais ou concertos. Porque é que era preciso aquilo? Não é mais importante para a “cultura” saber passar o prazer de a usufruir do que cansar-nos com a lista exaustiva daquilo que vai acontecer, e que já todos tivemos oportunidade de ver e ler nos jornais e nos cartazes espalhados pelas cidades?
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18/05/08

Torre de Belém

Aumentar para ver o ridículo "colar" da Torre de Belém. Foto tirada há dois dias.

Num primeiro momento fiquei intrigada, ali de pé na varanda a olhar ao longe a Torre de Belém, mas não perdi um segundo mais a pensar nisso. Depois quando vi que a bizarria persistia, e porque não tinha passado por lá, tentei perceber o que era e muni-me de binóculos de longo alcance e telescópio. O quê? Bolas plásticas enormes das que parecem marcar rios e mares a enfeitarem a Torre de Belém, qual pescoço com colar étnico para festa popular? Tive que passar por lá para confirmar o adereço, e senti dificuldade em focar os olhos, a mente e sobretudo o gosto e a sensibilidade estética. A Torre de Belém está horrorosa, pior do que isso, está pirosa. Um monumento que não sendo propriamente o Mosteiro de Alcobaça mas que é, na sua simplicidade, digno, sólido, de linhas bonitas, e carregado de história e simbolismo nomeadamente por ser o ex-libris da cidade de Lisboa, e que é nosso património – é meu e de todos os portugueses, não pode ser objecto de experiências decorativas sem nexo nem gosto e que vilipendiam a sua dignidade, por muito interessante que possa ser o pretexto, coisa que desde já duvido, mas fica feita a salvaguarda. Será que ninguém pensa, nos serviços da cultura e do património?

Há uns tempos falava-se em promover o Turismo Cultural em Portugal (a propósito do S. Carlos, por exemplo). Não é assim com iniciativas pindéricas que mais não fazem do que retirar a dignidade arquitectónica histórica e simbólica do monumento que se promove o dito turismo cultural, nem sequer o turismo normal (se alguém entender a subtil diferença existente nas cabeças dos governantes que fazem planos e nos promovem a West Coast of Europe, que eu não entendo) que em Lisboa vive de meia dúzia de monumentos, trajectos e referências. E muito sol, muita luz, muitas sardinhas.

Por favor, voltem a dar à Torre de Belém a dignidade que ela merece.

03/09/07

A Espuma dos Dias que foram 2

Lembro-me de durante as férias ter ouvido falar de:

Luta interna no BCP. Confesso que prestei pouca atenção a estes episódios finais, mas não sei porquê fiquei a admirar mais Belmiro de Azevedo e reforcei a minha convicção de que ele é o que mais próximo existe em Portugal de um verdadeiro empresário, independente do regime, do centrão e muitas vezes até apesar de e contra o Estado. Não gostei desta novela BCP, talvez por ser um espelho demasiado fiel da nossa realidade/mentalidade portuguesa.

Entrega de computadores pela mão do Primeiro-ministro algures aqui no nosso país. A notícia provoca náusea pela falta de imaginação deste enredo e consequente previsibilidade; pelo simbolismo bacoco, paternalista e provinciano do gesto (no Estado Novo fazia-se melhor?) que a repetição expõe sem dó. Revolta por nos tomarem por parvos.

Deboche. Apurei o ouvido, interessei-me, fiz uma nota mental para posteriormente tentar perceber do que se tratava. Assim fiz e a desilusão foi total. Nem com “deboche” Portugal aquece.

Eduardo Prado Coelho. Lia às vezes as suas crónicas que ora me irritavam (a grande parte das vezes), com o seu exibicionismo intelectual as inúmeras citações, as frases incompreensíveis, o preconceito e o azedume, ora me divertiam com o seu olhar particular sobre o mundo, o humor, a ironia, a bonomia e a sua, tantas vezes, boa escrita. Era culto e gostava de exibir a sua cultura. Era uma figura presente e agora é ausente. A doença, nossa e dos outros, ameniza-nos porque sabemos que perante ela todos estamos desprotegidos e sós. E sós deixamos este mundo.

Red Bull Air Race. Tenho pena de não ter visto. Teria tido a sua dose de emoção, estou certa.

Furação Dean e portugueses de férias nas Caraíbas. Voltarei em breve a este assunto.

14/03/07

Basta!

Num Portugal como o nosso feito de pequenez, habituei-me a sorrir da idiotice, do golpe e do provincianismo pomposo que abundam e espreitam por qualquer canto, de preferência mal iluminado. Mas há alturas em que pequenas coisas, por exemplo, frases feitas pelos especialistas de marketing, ou pelos psicólogos sociais, gurus de tanto quadro de chefia e político nacional, me irritam demais e impelem a dizer “basta!”. Basta de me tomarem por parva. Pago os meus impostos, poupo água, apago as luzes, não deito pastilhas elásticas para os passeios, voto sempre, gabo as belezas naturais (as que ainda existem) do meu país, sou de um comportamento cívico exemplar, por isso revolto-me com a ofensa diária que sobretudo os políticos fazem de sistematicamente me tomarem por parva. Ele é o “Cartão do Cidadão” que nunca servirá para que se cruzem dados abusivamente, ele são os SISIs, ele são os novos preços dos medicamentos, os novos impostos automóveis (em que o contribuinte acaba sempre a pagar mais), a OTA, enfim poderia continuar mas poupo esse esforço.

Desde ontem que uma expressão, a propósito do afastamento de Paolo Pinamonti do Teatro Nacional de S. Carlos, não me sai da cabeça pela estupidez - e cupidez (?), enfim, todo um tratado do pior que há no nosso país - que encerra: “Turismo Cultural”. Oh Deus! Que é isso? Até hoje turismo cultural têm sido uns viras corridos dançados no Algarve para turista ver, ou um passeio até aos Jerónimos, o Castelo de S. Jorge (que só tem a vista como recompensa para tão grande subida), alguns turistas mais exigentes vão ao Museu Nacional de Arte Antiga, e no norte o turismo cultural resume-se numa ida a Gaia às caves do vinho do Porto beber uns copos à borla, e um passeio pela Ribeira de guia na mão a tentar perceber o que é que é suposto não deixar de ver e apreciar. Esta gente julga o quê? Que Setúbal é Salzburgo? Viana do Castelo é Antuérpia? Que Lisboa é Viena? O Porto é Milão? Braga é Praga? Coimbra é Heidelberga? Évora é Nápoles? E Faro Barcelona? Já nem falei de Londres, Paris, Nova Iorque, Roma, Berlim, Madrid, Amsterdão...

Há uns anos chamaram cá (Cavaco Silva, o então PM) Michael Porter, o economista guru das Vantagens Competitivas das Nações para que elaborasse um relatório sobre as vantagens competitivas de Portugal. Claro que se pagou o relatório, que foi rapidamente engavetado e poucos políticos decisores o devem ter lido com alguma atenção crítica. Na altura da apresentação das conclusões lembro-me de se ter falado em alguns “clusters” para Portugal, nomeadamente o vinho, o turismo, cortiça. Será que este governo nas pessoas do Primeiro Ministro da Ministra da Cultura e do Secretário de Estado, estarão com vontade de repescar o “cluster” do turismo alargando e expandindo o seu âmbito em dimensões nunca anteriormente sonhadas? Se sim, desenganem-se, pois salvo uma pequeníssima minoria, ninguém vem a Portugal pela cultura. Vêm pelo clima, (que também é o que nos prende tanto cá) vêm pelo sol, pelo golfe, pela comida pelos friendly locals, mas pela cultura? Desenganem-se: a produção do S. Carlos, da Gulbenkian, da Casa da Música é para nós portugueses que vivemos cá e que não vamos (pelo menos como regra) ao Metropolitam, ao Scala, a Covent Garden ou à Opera Garnier (ou à Bastille). Se o que nos oferecerem esgota as salas é sinal que o mercado, sem turistas, aguenta mais oferta: ofereçam então que a procura é maior!

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