23/07/09

Portugal dos Pequeninos, Uma Leitura (3)

“Há já uns tempos que o senhor engenheiro não nos fornecia, em nome da modernidade que vagueia na sua soturna cabeça, uma sigla (...) Por isso, chega hoje, certamente em Power Point, o Plano de Acção do Ano Europeu de Oportunidades para Todos (o PNAAEAEOT). O título – pura poesia concreta - mais parece coisa da sinistra 1ª República, ou mesmo da FNAT do ominoso Salazar, do que de modernaços como Sócrates e seus epígonos amestrados.(...)” (1)

Parágrafos como este têm o cunho João Gonçalves que tem o condão de verbalizar o seu desencanto e cepticismo de uma forma muito particular. Usa extensivamente e abusa graças a deus, dos vocábulos que a língua portuguesa lhe oferece, o que lhe permite dar textura e colorir à media os retratos que vai fazendo ao longo do seu livro. Utiliza, desde o calão de bas-fonds às palavras mais densas e sofisticadas, passando pelas banalidades massificadas, com a mesma simplicidade e à vontade para sustentar e servir o seu tom de puros e duros sarcasmos e ironias. (2) Muitas vezes espanta-nos pela sua peculiar capacidade de esgotar uma palavra levando o seu significado ao extremo, ao absurdo, ou simplesmente remetendo e brincando com outros significados, subvertendo a intenção ou decisão iniciais e desarmando a ideia que critica ou contesta. Este jogo quase surrealista tantas vezes surpreende e provoca mesmo o riso. (3)

A falta de “respeitinho“ de JG está também patente na desmistificação das palavras e dos conceitos retirando-lhes a “mística” e o “enevoado”, patines habituais na linguagem do poder e na “langue de bois” (governamental, política, judicial, mediática...) concretizando, e fazendo descer à terra - e tantas vezes ao chinelo - o mais sofisticado dos conceitos, a mais brilhante “ideia”, ou a mais fina imagem.(4) Tédio é uma palavra que não se pode usar para falar do livro Portugal dos Pequeninos.

Notas
(1) Pág 193 “O PNAAEOT”
(2) Pág. 226 “o Puzzle do Dr. Costa”, pág. 128 “O “Mar da Língua?”
(3) Pág. 139 “Novos Monstros”, pág 232 “O Huis clos Socrático”
(4) Pág 167 “Que Deus lhes Perdoe”, pág. 218 “Inala sem Engolir”

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