05/07/09

A Problemática do "nós"

Não percebo nada de marketing político nem tão pouco de como se faz uma campanha política, mas Deus deu-me dois olhos, dois ouvidos e tento fazer um tão bom uso deles quanto possível. Como gosto de símbolos, simbologias, semióticas, e afins dificilmente consigo ser indiferente a mensagens que queiram transmitir, sobretudo quando têm alguma importância na minha escala de valores. Ao confrontar-me com este “outdoor” do PS para as legislativas fico perplexa. Parece-me que se concertaram para encontrar as opções erradas, ou que continuam longe da realidade que os rodeia. Ou ignorância ou soberba; ambas más.


Primeiro o slogan: “Nós conseguimos!” É por demais óbvia a ligação ao slogan “Yes, we can!” de um Obama estreante e entusiasta com um “estilo novo” e que se propunha iniciar um primeiro mandato com presidente. Outra coisa é José Sócrates, desgastado com quatro anos de uma governação polémica e difícil centrada muito mais no pronome pessoal “eu” do que no “nós”. O PS nestes quatro anos viu-se reduzido a Sócrates, o governo é Sócrates, a imagem do desgaste é Sócrates. Os portugueses, ou pelo menos um número muito considerável, está simplesmente cansado e farto de Sócrates; do curso de Sócrates, dos projectos de engenharia de Sócrates, da casa da mãe de Sócrates, da ligação de Sócrates ao Freeport, dos “momentos-Chavez” de Sócrates, dos anúncios de Sócrates, das mentiras de Sócrates, das contradições de Sócrates. Sócrates, animal feroz, depois coelhinho manso, Sócrates teimoso, decidido, arrogante e determinado foi sempre o marco desta legislatura que está a acabar. Os seus ministros, com duas ou três excepções, viveram à sombra do líder, ao ritmo do líder, de acordo com o líder, mesmo quando os víamos serem desmentidos ou desautorizados. Nunca se percebeu que a governação fosse colegial, fosse um trabalho de “nós”. Os eleitores (pelo menos aqueles a que me referi) também sentiram Sócrates sempre distante da realidade e do quotidiano das gentes e do país: ao hostilizar as diferentes classes profissionais, ao ignorar a crise e suas severas consequências sociais, ao minimizar o descontentamento, ao controlar a informação. A derrota nas eleições para o parlamento europeu foram uma chamada para a realidade da qual Sócrates cada vez mais se alheara. Esse “nós” do slogan nos outdoors soa a falso, a quem quer atirar areia para os olhos - não toca nem implica o eleitor.

Em segundo lugar a fotografia: é uma contradição do slogan, mas mais fiel à realidade no que diz respeito ao “estilo Sócrates”, que é, ele também, centrado na sua pessoa. José Sócrates destaca-se num primeiro plano sobressaindo nítido, a cores e muito clean no meio de um “nós”algo esbatido pelo tom monocromático com que se compõe a fotografia para se insinuar os tons da bandeira portuguesa (com Sócrates no meio). Este “nós” não é “povo”, não são os portugueses reais do dia a dia, são também eles parte de um arranjo, muito clean, muito direitinho, muito sorridente e embevecido, muito casting, muito artificial, muito programado para admirar o grande líder. É essa a visão do “nós” – bem distante da realidade – dada pela campanha eleitoral do PS; mais uma vez o alheamento da realidade é notório. Aquele “nós” é artificial. Com José Sócrates não há nós, há um produto de casting, pré-programado e pronto a ver e aplaudir o grande líder. Só não vê quem não quer. Tudo se mantém igual ao que foi, tudo será como até agora foi: longe da realidade, longe da verdade.
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