28/03/09


Pior do que isto, e pior do que o CCB não ter começado o espectáculo à hora anunciada (tanta subserviência!) só isto, que é a imputação de responsabilidade - culpa - a outro, uma de tantas formas de se fazer de vítima e de “fazer queixinhas”. É este o homem que temos, e esta a Republica das bananas em que vivemos.
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Capitalismo 5

John Frederick Lewis (1805-1876)
At Uncle Charles the Binder
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"Não me Entretenho a Descrever a Crise"

Ouvi da boca do Primeiro-ministro no Jornal da Noite da SIC de quinta-feira esta afirmação extraordinária: “não me entretenho a descrever a crise” nem (e cito de cor) a ser pessimista, astrólogo e vidente. Nestas declarações proferidas quando da visita a uma unidade industrial corticeira, mais uma vez se põe em evidência a distancia entre o Primeiro-ministro que nos governa, cada dia pior, de forma cada vez mais aleatória, caprichosa e insegura, e o país real que deveria conhecer e governar. Um Primeiro-ministro que se preze deveria descrever a crise, mas para isso precisa de saber, de estudar, de ouvir para a conhecer. Deveria saber explicar aos seus eleitores e aos cidadãos contribuintes os contornos da crise no país: o desemprego crescente decorrente de falências de um sector privado cada vez mais frágil face aos constrangimentos financeiros, fiscais e às dificuldades conjunturais de uma crise que afecta o mundo, um sector bancário sem liquidez e imóvel que não consegue investir nem emprestar, o empobrecimento geral da população, o gigantesco endividamento externo e uma maior restrição e custo de financiamento do estado no exterior causado pela baixa do rating da República Portuguesa, etc, etc.

A ligeireza e a sloganização da nossa política governativa impele o Primeiro-ministro a buscar (ou improvisar) medidas sem nexo aparente de combate à crise que caibam em duas frases e possam ser anunciadas com efeitos sonoros nos jornais televisivos. Não se detecta nessas medidas anunciadas um objectivo claro. As injecções de capitais dos contribuintes ao sector bancário são discutíveis e mal percebidas em alguns dos casos (BPN, por exemplo); a redução em 50% da prestação da casa, uma moratória por dois anos para quem tem prestações inferiores a 500€ mensais e que só afecta e interessa a um núcleo muito pequeno de cidadãos, que não sabem se daqui a dois anos estarão em condições de ressarcir o banco, é também um adiar da crise; o desconto para a compra de painéis solares de determinadas marcas e modelos comprados através de uma financiamento bancário (sempre a banca, sempre a banca como intermediária) mostra bem a irrelevância e leviandade destas medidas. A exortação feita por José Sócrates para que se comprem os ditos painéis solares para ajudar a crise é tão ridícula que embaraça quem ouve (já que não embaraça quem diz) pois expõe de forma inquestionável a distância entre a realidade da crise e o que se passa na cabeça de JS e dos seus assessores - um eufemismo para a ignorância total que revela sobre o mundo em que vive e a incapacidade de se rodear de quem saiba e lhe explique. A aposta cega nos grandes investimentos (TGV sobretudo) parece ser mais uma fuga para a frente, uma teimosia megalómana do que decorrente de análise das reais necessidades do país.

As medidas avulsas para a crise “vendem” bem do ponto de vista do sound bite: são como quem anuncia uma campanha de promoções, uma época de saldos, mas depois de se perceber o alcance das mesmas voltamos à estaca zero: a classe média que sustenta a economia dum país, e neste caso a nossa classe média, bem como as nossas pequenas empresas estão na mesma, isto é, cada dia pior: cada dia mais estranguladas com os impostos, com os custos sociais, com a insegurança das encomendas que não chegam e dos empregos que se podem perder. Neste caso não há painéis solares nem TCGs que lhes valham. O Primeiro-ministro devia parar um pouco para entender a crise, só assim poderá explicá-la devidamente (e não “entreter-se” nas palavras dele) aos cidadãos, só assim lhe será dada credibilidade, algo que manifestamente teima em lhe escapar um pouco mais a cada dia que passa, a ter uma base sólida para pensar as medidas contra a crise e não um desbaratar de dinheiros públicos que tornarão a situação financeira do país insustentável. José Sócrates não governa. Entretém.

Adenda: Li isto depois de escrever o este post. Alguém que parece não se importar de falar sobre a crise e de falar verdade. Mas nós temos eleições, não é? E falar a verdade em períodos eleitorais (e nos outros) não é lamentavelmente uma opção para o nosso Primeiro-ministro
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25/03/09

Em Flor 19

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24/03/09

A Doença e o Doente

Uma boa notícia esta de que “os médicos querem aprender a dar más notícias da melhor maneira”. O termo “os médicos” que parece dar um cunho geral é entusiasmante, mas a realidade obriga-nos a ser cautelosos - mesmo que sejam uma pequena minoria, é já um sinal que o caracter omnipotente e omnisciente do médico começa a ser equacionado. Eu nunca percebi como é que profissionais cuja actividade é lidar com pessoas que neles depositam tantas expectativas e confiança, não têm no seu curriculum académico disciplinas de comunicação, e não aprendem técnicas comunicacionais. Ninguém mais do que o médico (de muitas especialidades, nomeadamente a mais falada: oncologia) que vê o ser humano com as suas debilidades e fragilidades, que vê a vida e a morte de perto, que sugere e gere opções e dúvidas, deles e dos pacientes, deve saber abordar as questões difíceis e saber comunicar as más notícias. Se há aqueles que têm “jeito” e são mais dotados do ponto de vista comunicacional, há outros que não têm tanto “jeito”, e ao enfrentar um doente em situação de crise sente-se em confronto com os seus próprios medos e reagem de maneira defensiva (tantas vezes ofensiva) coisa que o paciente sente imediatamente e que tantas vezes determina o bom desenrolar da relação profissional e o resultado do tratamento. Hoje este facto parece incontestado: a boa relação médico-paciente é fundamental para a optimização do tratamento e, quando assim for o caso, da cura. Para todos os médicos é de extrema utilidade a aprendizagem de técnicas e de algumas regras comunicacionais que asseguram que o diálogo se faz respeitando a integridade do paciente, sem que o médico nunca esqueça a dimensão humana e os sentimentos: os seus e os do paciente. Estas técnicas que deveriam ser de aprendizagem obrigatória na faculdade e nas restantes etapas da formação profissional de um médico são um importante passo que se dá na reorientação da medicina da patologia para o doente, isto é: o doente é mais importante do que a doença.
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Dando Excessivamente Sobre o Mar 45

Richard Diebenkorn (1922–1993)
Ocean Park No. 24

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A questão, ao contrário do que é sugerido aqui por Eduardo Pitta, não me parece ser relacionada com a liberdade de expressão e com o que diz o anúncio - que não é anúncio, nem caricatura, é pura propaganda - mas sim quem o encomendou, quem o pagou e quem o distribui, isto é, em que media ele passou, e a razão (necessidade?) de o fazer. A questão é essa. Se fosse um cartoon numa página de jornal ou um cartaz de um partido político como tantos outros, nomeadamente o de José Sócrates com nariz de Pinóquio a indignação não faria sentido, mesmo que quisessem que fizesse.
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23/03/09

Grand Torino 2

(...)
So tenderly
Your story is
Nothing more
Than what you see
Or
What you've done
Or will become
Standing strong
Do you belong
In your skin
Just wondering

Gentle now
A tender breeze
Blows
Whispers through
The Gran Torino
Whistling another
Tired song
Engines humm
And bitter dreams
Grow
A heart locked
In a Gran Torino
It beats
A lonely rhythm
All night long

(Kyle Eastwood, Jamie Cullum, Clint Eastwood)

Grand Torino



Às vezes já sei que vou gostar do filme e ainda não o vi; foi assim, sabendo exactamente que ía gostar e do que ía gostar que fui ver Grand Torino. Não houve surpresas só a confirmação de um excepcional fazedor de filmes que é Clint Eastwood.

A história, que tem algo de pascal (adjectivo de Páscoa e não referente ao filósofo e físico francês), e gira em torno de Walt Kowalsky, uma personagem complexa, que vive em guerra com o mundo que desconhece cada vez mais. É um cínico ex-veterano de guerra de humor eficaz e rude, que se vê no fim da sua vida, viúvo e só, a viver com os fantasmas que o acompanham desde os tempos passados e com os ódios e indiferenças do presente. Ele é o motor da narrativa e é à volta dele que gravitam as restantes personagens: o Padre Janovich, o "over-educated 27-year-old virgin", (segundo Kowalsky), que vai crescendo e se vai revelando ao longo do filme, bem como os dois irmãos Hmong, Thao e Sue, que farão despertar em Kowalsky uma solidária amizade e respeito. Kowalsky é ao mesmo tempo um herói e um anti-herói: se por um lado é destemido e não teme nem o confronto, nem o uso da violência para se proteger e proteger os “seus”, por outro lado não esquece o que fez num passado longínquo quando não lhe deram ordens para o fazer, e tem por isso sentimentos conflituosos em relação à medalha que recebeu por esses seus feitos “heróicos” na guerra.

Talvez o que mais tenha gostado, e sem surpresa mas sempre com prazer, foi da cadência do filme, um andante que dá um passo de cada vez, mas que pisa seguro e na direcção certa: as cenas não se atropelam, a câmara não saltita, a música não se sobrepõe à narrativa e a história desenrola-se com a naturalidade das coisas que acontecem aqui ao lado. A realização e direcção de actores é sóbria e de grande contenção o que valoriza essa cadência agradável, humana, esse ritmo que não atordoa e que permite que ao longo do filme se mantenha uma postura e atitude contemplativas e uma sensação de tranquilidade e de serenidade, mesmo quando sentimos que algo de desagradável vai acontecer. Há sempre um tom latente de redenção (daí o pascal) mesmo com o preço da culpa dos outros, daquilo que os irá atormentar, e creio que esta dualidade é uma característica de Eastwood, uma humanidade que procura no turbilhão de possibilidades um (o) sentido final, num filme que não quer atordoar o espectador nem provocar sensações mais imediatas e visíveis, mas que aposta no que há de mais íntimo, na sensibilidade e na inteligência. Uma última referência à música, excelente, que emoldura este ambiente intimista.
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21/03/09

Dando Excessivamente sobre o Mar 44

André Derain
Fishing Boats, Collioure

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20/03/09


Em primeiro lugar eu não vejo porque é que têm que existir “pontos de contacto” entre as direcções partidárias e os jornais sejam eles quais forem. Cabe ao jornalista ir à procura da notícia, trabalhar para a ter, merecer a confiança dos seus interlocutores e finalmente decidir o que é importante noticiar ou não, e não o mais fácil: sentar-se à mesa (mesmo que seja uma mesa em restaurante ou outra qualquer) com os políticos para juntos pensarem e “fazerem” a notícia.

Em segundo lugar não entendo mesmo a relação causa/efeito nem a razão de ser do "círculo vicioso", que nem percebo bem qual é, pois presumo que Paulo Gorjão não sugira que um jornal (e os jornalistas que o fazem) seja permeável à intriga, quezília e pequena vingança e que estas influenciem a objectividade com que se decide da importância ou não de divulgar determinado acontecimento. Não me parece que o jornalismo tenha que ser nem do domínio dos “afectos” nem do domínio do “porreirismo”.
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Em Flor 18

O Preservativo, um Retrato

A pouco e pouco neste mundo atordoado vamos deixando que certos gadgets ganhem uma tal importância e posição de relevo na sociedade que ninguém parece querer contestar numa mostra de unanimidade digna de nota. São bons para tudo, evitam males, permitem a intercomunicabilidade, curam medos, acabam com inseguranças: verdadeiros objectos indispensáveis sem os quais o homem/mulher moderno já não sabe viver. O preservativo é um deles e está nas bocas do mundo, isto é, de um cada vez mais pequeno mundo europeu politicamente correcto que se indignou com o desdém manifestado pelo Papa Bento XVI em África ao dito, coisa que parece em nada afectar o sucesso da viagem lá. O Papa, heresia das heresias, não se curva perante o preservativo esse verdadeiro ícone de modernidade e liberdade e único tema que os media conseguem reter e especular sobre da viagem do Santo Padre, coisa reveladora da pobreza mental desta sociedade.

Tal como o telemóvel, as fraldas descartáveis, a televisão, a roupa da Zara, os toalhetes de limpeza (de tudo, desde rabos a móveis) os preservativos são alvo de culto e vieram para ficar com todas as bênçãos de governos, oposições, ONGs, políticos, estrelas de cinema, cantores rock, etc. Só não têm a bênção dos Papas.

Os preservativos dão dinheiro a ganhar: são negócio de milhões que interessam a muitos. Têm também uma função de ordem moral e ética importante no mundo actual: minimizam os dilemas morais, filosóficos, existenciais, espirituais ou outros, pois substituem a necessidade de decisão, capacidade de reflexão e escolha. Com eles pensar torna-se dispensável, não há necessidade de escolher ou decidir e tenta esvaziar conceitos como abstinência ridicularizando quem decide livremente optar por ela.

São também mais um dos mil modos que hoje arranjamos para ter e cultivar a culpa, não a antiga culpa de arder no inferno ou de “pecar” no sentido tradicional, mas a culpa de não ser correcto quando não se usa, apesar de ser tão pouco “sexy” e de diminuir sensações e prazer. No entanto ajudam à não propagação de doenças sexualmente transmissíveis, previnem infecções e às vezes evitam outros “males” (isto é, gravidez!) e podem ser rotulados de opção saudável. Apesar de feios, muito feios e pouco dignos, são práticos e muitas vezes coloridos com formas e sabores diferentes para aqueles que mais se interessam por “novidade”. Têm regras importante, mas simples para utilização e são total e absolutamente descartáveis. Finalmente: são de plástico, essa matéria trivial difundida no séc XX, elevada à imprescindibilidade e que domina o nosso mundo.

Foi você que pediu um preservativo?
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19/03/09

Natasha Richardson


Quando, com surpresa, pois a morte tem dessas coisas – a capacidade de teimosamente nos surpreender, li hoje cedo da morte tão inesperada quanto estúpida (como se diz normalmente nestes casos) de Natasha Richardson lembrei-me de como apreciava o seu trabalho, a sua voz o seu olhar e veio-me à memória um belo texto de Eduardo Pitta sobre o filme The White Countess com que me identifiquei de imediato: também eu tinha visto o filme e sentido esse sopro nostálgico tão bem evocado por Natasha Richardson e Ralph Fienes no filme. Descanse em paz.
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18/03/09

Dando Excessivamente sobre o Mar 43

Antonio Joli (1700-?1770)
Embarco de Carlos III en Nápoles
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Hoje no Jornal da Noite a SIC questionou o montante do investimento no troço do traçado do TGV Lisboa-Alenquer recentemente alvo declaração de impacte ambiental favorável por parte do Ministério do Ambiente. Punha-se em causa a complexidade e custos da obra pela margem norte do Tejo e passando pela Ota obrigando a quilómetros de túneis e de viadutos bem como expropriações que a encarecem de forma exorbitante, em vez de um traçado mais simples e barato pela margem sul do Tejo mesmo tendo em consideração o custo de uma nova ponte. Van Zeller foi claro a expor as suas razões, dúvidas e críticas e José Gomes Ferreira que comentou a notícia disse que esperava forte contestação a este traçado e a este investimento por parte da oposição, mas não conseguiu impedir-se de deixar no ar a sua perplexidade perante estes números e de questionar a razão da opção por uma traçado tão caro, perguntando-se quem é que ganha com uma obra assim tão onerosa. Mário Lino foi irrelevante na declaração para a SIC. A questão fica, incómoda, no ar.
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Mas estavam e estão (bem como todos os outros que não tardarão em se fazer ouvir) à espera de quê? Que o Papa Bento XVI não fosse o Papa Bento XVI? Que de repente esquecesse a Humanae Vitae e se mostrasse a favor da distribuição generalisada e gratuita de preservativos seja em que continente for? Porque é que havia de ser diferente com África? Discriminação “positiva”? Extraordinário quem se indigna quando as pessoas são o que é esperado que sejam.
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15/03/09

Coisas que se Podem Fazer ao Domingo 36

Anónimo - Escola Italiana (séc. XVII)
El Espinario


Tirar um Espinho do Pé

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Mais Jogging

Não faltaram acontecimentos esta semana que passou, desde a visita do Presidente de Angola, à visita oficial do Primeiro-ministro a Cabo Verde, passando pela manifestação da CGTP que encheu a Avenida da Liberdade e dificultou o trânsito numa sexta-feira à tarde, por mais sessões do Fórum Portugal de Verdade com intervenções da líder da oposição, pelas indecisões de Manuel Alegre a deixar nervoso José Sócrates e o PS, por uma votação na AR de uma proposta de Lei para diminuir o teor de sal no pão e pela contestação por parte de alguns sectores da implementação de aulas de educação sexual nas escolas. Não faltou sequer, e infelizmente, um momento de horror em que o impossível e impensável acontece quando um bebé morre num carro esquecido pelo pai. Os momentos da semana têm servido para debate, comentário e indignação de todos os portugueses que, nomeadamente no sector político começam a sentir a agitação própria dos períodos eleitorais.

No entanto, e por estranho que pareça, as imagens que quase malgré moi, guardo da semana são duas de José Sócrates em Cabo Verde, ambas tão previsíveis e esperadas que me pergunto por que é que me continuam a espantar e a teimar em serem lembradas. A primeira é a do Primeiro-ministro numa escola em Cabo Verde com meninos de bata azul limpa e engomada, penteados impecáveis a cantar em uníssono e sem desafinar um “Obrigado” depois de lhes terem sido dados computadores Magalhães. A segunda imagem é a de José Sócrates a fazer o seu jogging matinal na marginal da Cidade da Praia, tal como faz de cada vez que se desloca ao estrangeiro e tal como nunca é visto nem fotografado na sua cidade de Lisboa. O que fica de uma deslocação oficial do nosso Primeiro-ministro são imagens de pura propaganda e de marketing pessoal que são hoje indissociáveis de José Sócrates, ou melhor, que são José Sócrates. O jogging é dum provincianismo atroz e a distribuição de Magalhães é, não faz mal repetir isto tantas vezes quantas as vezes que José Sócrates se preste a esta charada em Portugal, na Venezuela ou seja onde for, de um novo-riquismo e deslumbramento extraordinário e são ambos reveladores implacáveis do vazio de ideias e de projectos que aflige o nosso Primeiro-ministro. Este vazio é particularmente penalizador no momento de profunda crise económica em que estamos, e em que precisamos de medidas realistas e decisões firmes com um olhar para além do curto prazo, e é confrangedor em período eleitoral pois se tenta aliciar o voto através de medidas demagógicas e de slogan fácil, sem nenhuma conexão com o contexto de profunda crise e de desânimo que se irão agravar ainda nos próximos meses.

O olhar que os eleitores levantam para o actual executivo pedindo soluções em que possam confiar será enganado com mais Magalhães, muito jogging, menos sal no pão, educação sexual para todos e anúncios atrás de anúncios de medidas cujo resultado se desconhece ou cujas condições para que funcionem não foram tidas em conta. Salas de aula só com uma tomada para os alunos com Magalhães bem como falta de apoio técnico para os alunos, Bilhete de Identidade que já não se pode pedir pois já é obrigatório o Cartão do Cidadão sem que os serviços estejam preparados para o entregar no mesmo prazo do BI, são alguns exemplos concretos e recentes das inconsistências de uma política feita de e para a fachada.
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11/03/09

Velas 14

Hoje cedo.

Da Flexibilidade 2

No post anterior escrevi sobre o caso de Thomas More, bem ilustrado na série The Tudors, que lembrei ao ler o artigo do Público deste domingo de António Barreto sobre “O Direito à Honestidade” - pode ser lido aqui - e depois de nas últimas semanas ouvir amiúde falar de carácter, ou falta dele, do político A ou B. Tanta preocupação e tanta atenção dedicada ao carácter leva-me a perguntar se para além da retórica e da ligeireza da indignação circunstancial, o carácter de um político é ou não importante no processo de decisão de voto. Votamos num político pelo seu carácter ou nos projectos políticos que ele apresenta? Podemos dissociar um de outro? Eu pergunto-me também o que é um projecto político sem honestidade nem carácter de quem o quer implementar. Sempre me agarrei a uma noção mais tradicional de fazer política que, de acordo com o étimo da palavra, não é mais do que a arte de governar a cidade, o que faz dos políticos prestadores de serviço aos cidadãos, estando ao servido da “polis”. Eu confesso ter dificuldade em conceber um cargo que presta um serviço aos outros (os cidadãos) nas mãos de homem/mulher cujo carácter eventualmente apresente dúvidas. Mais dificuldade tenho ainda quando essas falhas de carácter são óbvias e ostensivas, pois parece-me que o carácter é um fundamental gerador, ou não, de confiança por parte dos eleitores. Parece-me difícil votar em consciência sem ter em consideração essa dimensão de confiança, e considero que não há melhor forma de inspirar credibilidade e confiança na bondade e justeza da acção política do que o carácter do político.

Ninguém hoje se lembra ou perde tempo a reclamar o direito à honestidade, o direito à verdade, à integridade, à boa índole, porque a questão não é de actos, que nem sempre serão os melhores, mas de índole. Na vida pública e na política hoje o consenso e as prioridades parecem estar, como diz António Barreto, do lado do “vencer, enriquecer, mandar, ganhar votos e triunfar (...) melhorar as sondagens. Passar nos exames. Alcançar um estatuto de importância e reconhecimento. Apostar no futuro e na tecnologia. Acreditar em si e nos seus. Ter êxito”. Ainda segundo AB “estes são os valores que presidem à nossa vida. De tal modo que os meios para atingir os objectivos são de menor ou nenhuma importância”. O que quer dizer que a flexibilidade moral é máxima e sem limites que a consciência imponha.

A questão que me preocupa já não é só a questão de o político A ou B ter falhas de carácter ou não e de conhecer ou não limites à flexibilidade moral e ética. O que me preocupa é o facto de isso já nem sequer ser importante e decisivo na hora do voto. O carácter, a honestidade, a integridade, a clareza de uma escala de valores morais e éticos já não são nem importantes nem relevantes na hora do voto. Ao contrário de Thomas More, já não há limites para a flexibilidade moral e ética. Tudo é permitido.
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09/03/09

Plataforma Contra a Obesidade 51

Henri Matisse
Gourds

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Da Flexibilidade

Vi recentemente a primeira e a segunda temporada de “The Tudors”, que se centra no reinado de Henrique VIII, não especialmente no facto de ter tido sete mulheres, mas nos restantes aspectos do seu conturbadíssimo e marcante reinado. A série é feita ao estilo de “Roma”, ambientes e adereços muito cuidados, mas alguma crueza (boldness). Tem também um acelerado ritmo narrativo, muita intriga política, muita intriga em geral, religião, sexo e violência quanto baste. Gostei particularmente da forma como caracterizaram algumas personagens: a Rainha Catarina de Aragão e algumas personagens ligadas à Igreja Católica: o Cardeal Wolsey, o Bispo Fisher e Thomas More (estes dois últimos mártires canonizados). Nenhuma destas personagens é banal ou estereotipada, e têm uma vida dura feita de opções difíceis pois são movidas por convicções morais e por uma força de carácter hoje quase incompreensíveis e ainda menos valorizadas, que as afasta para sempre dos confortos de uma vida. Em nome de convicções inabaláveis e de uma fé absoluta escolhem o caminho difícil para elas e para os seres que lhes são queridos.

Falo em fé absoluta, pois a fé dos homens (seja em que for) é também feita de medo, de hesitações, de compromissos, de dúvida. O caso de Thomas More é interessante pois ele, como advogado que era e como amigo leal do rei que era, tentou de várias formas ser flexível para evitar dissabores com o rei. Ele não queria ser mártir, não queria morrer, não queria deixar a família desamparada e usou essa flexibilidade nomeadamente na decisão de nunca falar mal do seu rei, nem de nunca condenar o seu casamento com Ana Bolena. Demitiu-se do cargo de Chanceler quando não concordou com as decisões políticas e retirou-se da vida pública para evitar demasiada exposição. Ao contrário do Bispo John Fisher que foi sempre mais frontal, More foi flexível e usou todas as armas que tinha (nomeadamente a retórica) para adiar e evitar o conflito aberto com o seu rei. Mas, claro, o momento de assinar o Act of Supremacy que proclamava o rei como chefe da Igreja em Inglaterra chegou, e perante esta opção a capacidade de flexibilidade de Thomas More esgotou-se pois tinha um claro limite que era o da sua consciência, das suas convicções e da sua fé. Este caso é interessante por causa deste momento em que ele já não pode ir mais além, deste limite que ele se recusa a ultrapassar, pois fazendo-o deixa de ser ele, põe em causa a sua integridade violando-se a si próprio, violando a sua consciência e renegando as suas convicções. Esse limite moral ele conheceu-o bem, e nada nem ninguém o fez demover da sua decisão.
(Continua)
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05/03/09

Tardes de Inverno 19

G. H. Boughton (1833-1905)
Memories

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DAS PETIÇÕES EM GERAL E DE UMA PETIÇÃO EM PARTICULAR

Se há coisa que a internet facilitou foi a recolha de assinaturas para uma petição. Regularmente na caixa de e-mail ou nos blogues andam petições a propósito de tudo e do nada. Já assinei umas quantas. Uma que tinha velinhas acesas e que é contra a pedofilia, outra contra a mudança mensal ( e seus gastos) do parlamento europeu para Estrasburgo, outra recente de alguns deputados europeus a favor de medidas integradas que permitam um combate mais eficaz contra a corrupção, e poucas mais (não, não assinei aquela que é contra o acordo ortográfico, tenho demasiadas dúvidas em relação a tudo). Tenho pena que nunca se saiba, com a mesma facilidade com que se assinam, do paradeiro e consequências de tais petições. Isto, bem como o facto de se tornarem cada vez mais banais do que as bananas nas bananeiras só faz desencadear o meu cepticismo em relação a elas, que vem gradualmente a aumentar. Tenho a convicção de que se decidir juntar meia dúzia de amigos crio uma petição e a consequente “vaga de fundo” (outra expressão que cai na banalidade) a exigir legislação que combata os maus tratos e desconfianças em relação aos gatos pretos, ou outra qualquer causa igualmente tão despropositada ou irrisória. Apostro que reunia mais de duas centenas de assinaturas em dois dias!

Tantas assinaturas quantas a da “suposta” (outra palavra da moda que se tornou hoje em dia indispensável) “vaga de fundo” que quer Marcelo Rebelo de Sousa para encabeçar a lista do PSD a deputados ao parlamento europeu. E era aqui que queria chegar. Em primeiro lugar quero esclarecer que nada tenho contra o facto de MRS concorrer e ir para o parlamento europeu. Cada um, MRS incluído, deve na medida do possível, fazer o que quer e o que gosta na vida. A questão é que nunca em momento algum eu ouvi explicita ou implicitamente MRS falar do seu empenho e mostrar a sua disponibilidade para se candidatar ao parlamento europeu, coisa que me parece ser uma premissa fundamental para que se crie uma “vaga de fundo” em torno do seu nome. Em segundo lugar, e reconhecendo o direito de cada um fazer as petições que bem (ou mal) se lembre e queira, parece-me que uma candidatura deste género teria que ser feita de dentro para fora do partido e não de fora para dentro, isto é, cabe à liderança do partido, em função dos seus objectivos políticos, inquirir da vontade e disponibilidade dos possíveis candidatos. Não cabe aos militantes, simpatizantes, gente em geral (eu incluo-me nesta última categoria da “gente em geral”), ou mesmo opositores e gente de outros partidos tentar impor à liderança uma candidatura que ela (liderança) não equacionou ou não considera coerente com o seu projecto político. Ora eu enquanto “gente em geral” algo simpatizante com esta liderança do PSD não sei, nem tenho que saber quais as vontades, opções e decisões políticas da liderança em relação às listas de deputados que concorrem ao Parlamento Europeu.

Estes são os motivos de ordem geral mais óbvios e incontornáveis que me levam a desconfiar desde logo da bondade de tal petição e a perguntar outras razões políticas menos óbvias que estejam na origem da sua elaboração, para além de uma razão que de tão previsível, também a mim me parece óbvia, de criar ruído e confusão, mais uma vez, à actual liderança do PSD. Com a guerra que lhe fazem, todos os dias, a todas as horas nos jornais, na televisão, nos blogues, fora do partido, dentro (muito dentro) do partido, a querer que ela fale, a dizer que quando fala é gaffe, a exigir espectáculo, a querer palavras ocas e vãs, a pedir visibilidade, (tudo coisas que o vento leva), Manuela Ferreira Leite, indiferente ao vento e aos assobios caminha com determinação pelo seu trilho irregular e pouco estável e mostra ser uma Mulher com “M” grande. Só faz aumentar a minha consideração por ela.

Este texto surgiu ao ler este e este.
Partilho o essencial (repito O essencial, não me detenho no acessório) deste texto e este e este e este.
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03/03/09

Em Flor 17

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Cafriela

Esperámos um pouco cá em baixo no grande salão da entrada cuja dignidade se adivinhava – quantas sessões de cumprimentos não teriam já lá acontecido - entre cadeiras, cadeirões e sofás, uns bons e antigos outros que mais pareciam ter vindo de um barato armazém de mobília, misturados e empilhados sem nexo aparente junto às paredes. Estava muito quente lá fora e a sombra e o fresco do rés-do chão eram bem-vindos. Quando nos pediram para subir fomos directamente para a grande varanda que dava para a praça e de onde partilhámos de novo o calor e o pulsar enigmático da cidade das mangueiras. Os empregados põem toalhas de quadrados de todos os dias nas mesas de plástico tipo AKI, juntam algumas cadeiras que mais parecia estarem lá por acaso e começam a servir os aperitivos: bebidas geladas, croquetes e rissóis acabados de fritar. Entre uma coisa e outra observa-se a noite e cumprimentam-se os convidados que continuam a chegar. Algumas senhoras com vestidos berrantes e típicos, turbantes na cabeça e muito ouro. O aniversariante, alto, imponente e de túnica branca, foi o último a chegar animando o ambiente.

Os salões de pé-direito alto e de tectos trabalhados perderam a grandeza de outros tempos, algumas janelas já sem cortinados têm as sanefas caídas e os cortinados de veludo ainda pendurados, hirtos, tristes e sem sinal de movimento parecem estar esquecidos na mesma posição há décadas. Há algum estuque estragado, pintura esfolada, portas empenadas. A boa disposição e alegria da festa destoa com o ar decadente e desleixado do salão principal. Passámos à mesa numa sala de jantar perto dos salões: uma grande mesa de toalha branca cheia de travessas de comida com ar caseiro e saboroso, e o vai-vem entre a sala e a copa dava o tom da informalidade que imperava. Os aparadores grandes e altos, de boas madeiras e antigos tinham restos do que adivinhei serem bonitos serviços de copos de cristal e restos de boa porcelana misturados com picadoras 1,2,3, latas de comida de bébés, guardanapos de papel e tuperwares. O ambiente era descontraído e simpático com o anfitrião e aniversariante de boa disposição a querer que todos estivessem bem. No fim de uma longa refeição cantaram-se os parabéns, brindou-se com champagne e trocaram-se discursos sempre com as portas da varanda abertas a deixar a noite, o seu calor, os seus sons, e o seu cheiro e mistérios entrar. O serão não tardou muito a terminar. Dessa refeição lembro um frango “cafriela” servido com um cuscuz manteiga de um grão pouco fino: absolutamente delicioso. Nunca mais comi nem um frango nem um cuscuz como aquele apesar de simpaticamente me terem dito o nome do prato e explicado como se preparava.
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01/03/09

Plataforma Contra a Obesidade 50

Paul Gauguin
Nature morte aux oranges
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Tirando a Dra. Manuel Ferreira Leite e uns milhares de ingénuos de província, o PSD não quer ganhar a eleição de Outubro. Meia dúzia de notáveis, a começar por Passos Coelho, querem suceder a Manuela. Dezenas de caciques querem as câmaras. Marcelo quer (presumivelmente) a presidência. E muita gente (mais do que se julga) quer a desforra. E, para chegar a esses nobres fins, quem se importa de abrir a porta ao PS de Sócrates? Quanto ao país, ele que se arranje como puder. E se puder.
Vasco Pulido Valente, no Público de hoje

Se ainda houvesse alguém iludido, Vasco Pulido Valente neste artigo acabaria com as ilusões. Este último parágrafo que aqui reproduzo não podia ser mais claro: ninguém, incluindo ele próprio, pelo que deduzo do restante artigo, está interessado em que MFL ganhe as legislativas, pelas razões que ele apresenta e que já todos conhecíamos. Tem toda a razão. Eu só não diria que a excepção são uns milhares de PSDs ingénuos de província. Há toda uma panóplia de portugueses, (talvez não tantos como gostaria) que não sendo militantes do PSD (nem sendo gente ingénua nem de província), se revê nessa área e preferiria mil vezes a Dra. Manuela Ferreira Leite com todas as suas limitações, (pseudo) gaffes, e intervenções a despropósito e fora de tom (citando VPV) mas feita de matéria nobre e genuína, a José Sócrates, figura feita de matéria plástica e de passado duvidoso que facilmente encalha em qualquer tipo de escrutínio que lhe seja feito, e cujo mandato como primeiro-ministro se tem revelado desastroso, sem nada de verdadeiramente estruturante feito nestes últimos quatro anos pelo país, e sempre mostrando um desprezo pelos portugueses, pela liberdade e pela democracia. No seu mandato, Portugal distancia-se cada vez mais dos restantes países europeus, coisa que nem a crise financeira e económica internacional conseguirá disfarçar. A alegada falta de jeito de Ferreira Leite, será bem-vinda se com ela vierem medidas menos populistas e demagógicas, maior seriedade, contenção, honestidade e transparência na forma de fazer política.
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