Hoje ouvia na rua um senhor dizer que agora todos querem vender, mas ninguém quer comprar. Não me lembro de sentir tanto isso como agora, e o meu telefone fixo é a prova dessa ânsia de venda. Todos os dias recebo emails promocionais de fabulosas ofertas, ou sms publicitando uns descontos imperdíveis de dois dia para os melhores e mais fieis clientes (!). De repente percebi que, para alem das lojas onde vou habitualmente, sou também fiel e boa cliente de lojas onde não vou há quatro ou cinco anos, ou onde há sete ou oito terei deixado um contacto numa ida esporádica. Recuperam-se fichas, farejam-se os registos, tudo para a custos mínimos aliciar possíveis clientes. Mas emails e sms não são o pior.
O pior mesmo são os telefonemas para o telefone fixo, que parece hoje ver cada vez mais esvaziada a sua função de meio de comunicação. Hoje é quase só um veículo promoção usado “contra” mim. Para alem de algumas pessoas de família mais velhas quase ninguém usa o telefone fixo para ‘falar’ ou ‘conversar’. No entanto não passa um dia sem que eu receba um ou mais telefonemas, a venderem seja o que for. Vendem férias, segurança, serviços de limpeza, cartões de crédito, crédito pré-aprovado (sim, há quem venda crédito), seguros, novas e fabulosas tarifas telefónicas, tarifas combinadas para tv, telefone fixo, telefone móvel e internet, sessões de maquilhagem com oferta de um produto por cada dois que se comprem, etc. Considero uma invasão e falta de respeito que empresas com que nunca lidei telefonem para casa ao final do dia a venderem os seus produtos ou serviços. Dantes, depois das “apresentações” e depois de ouvir o(a) interlocutor tratar-me por senhora seguido do meu primeiro nome, (os mais sofisticados tratavam-me por senhora seguido do primeiro e último nome) explicava que considerava esse telefonema abusivo, perguntava como tinham encontrado o meu número, acabando por demorar algum tempo neste dialogo. Isso acabou rápido, agora sou mais radical: mal ouço “boa noite, está a falar com ... da empresa...” corto logo a conversa, agradeço, digo que não tenho tempo e que não preciso de nada, não quero conhecer nada, e sobretudo não quero comprar nada. E no mesmo sopro desejo uma boa noite e desligo. Muito eficaz.
Há finalmente outro tipo de telefonemas que, no entanto, se vêm fazendo mais raros: os estudos de mercado ou os de opinião. Para esses tento encontrar paciência e tempo para responder, porque às vezes são longos e chatos, sobretudo aqueles em que, marca a marca (de detergente, de espaço comercial, de meio de comunicação social, etc) nos perguntam o nosso grau de conhecimento da dita. Tenho sorte quando não caibo na categoria etária (ou de género): querem um homem dos 18 aos 25, por exemplo. Às vezes tenho azar, e o telefonema prolonga-se, como quando me telefonou uma senhora solícita de sotaque brasileiro que, feliz e encantada da vida, me diz estar naquele momento a começar a trabalhar nessa função e que eu sou o seu primeiro telefonema. A solícita senhora achou por bem comentar cada resposta minha, partilhando a sua experiência também. Foi algo surreal, mas diverti-me tal era o seu entusiasmo e nem tive coragem de lhe dizer que não se comenta e muito menos se conversa: a sua função é registar, passar rapidamente à pergunta seguinte para fazer o máximo de chamadas, mas ao fim de três ou quatro telefonemas ela vai perceber isso.