31/12/10

Crónica Feminina 6

2010 e 2011

O canal Mezzo salva-nos hoje à tarde do excesso de festividades e da indolência de nada querer fazer, cansada de tanta celebração sabe Deus de quê e de excessos de espíritos festivos. Olho desconsolada para um ano que passou e sem entusiasmo para o que há-de vir, e temo que as palavras,

crise internacional, “incompreensão” dos mercados, ataques especulativos, dívida externa, deficit, novas tecnologias, sinais de crescimento, novas tecnologias, FMI, casamento gay, outro candidato de direita, pedofilia, controle do deficit, escutas, Face Oculta, destruição de escutas, justiça, procuradores, magistrados, PEC1, PEC2, Revisão Constitucional, crise do Euro, Alemanha, UE, mundial, Carlos Queirós, Carlos Cruz, Mourinho, mineiros chilenos, wikileaks, google, twitter, facebook, Bento XVI, perseguição ao cristianismo, islamismo, Obama, voos de prisioneiros, terrorismo, fundamentalismo, votar/não votar o orçamento do estado, iPad, Irlanda, Grécia, Espanha, vulcão islandês, aumento do IVA, aumento da carga fiscal, sacrifícios, excepções, Freeport, Sócrates, Ferreira Leite, Cavaco Silva, Passos Coelho, educação, falência, desemprego, banco alimentar, Manuela Moura Guedes, TVI, pressões, calor, enxurradas na Madeira, optimismo de Sócrates, Estado Social, pobreza, cortes salariais, periferia, BPN, BPP, crise, contenção, apertar o cinto,

que fizeram o ano que passou, (enunciadas numa lista desordenada e livre de tudo o que não seja a minha memória e sensibilidade deste momento), sejam na grande maioria as palavras que farão o ano que há-de vir. Parece que nada de novo nos trará 2011.

No entanto aqui fica um voto de Bom Ano de 2011. Vou regressar ao Mezzo e à Gala da Orquestra Filarmónica de Berlin com Gustavo Dudamel e Elina Garanka (Concerto de S. Silvestre em directo).

24/12/10

Feliz Natal

Beauford Delaney (1901-1979)
Nativity

Feliz Natal Para Todos

Velas 25 (Especial Natal)

Hoje de manhã

Hoje cedo estranhei o número de barcos à vela no Tejo. A manhã estava calma e bonita, mas demorou até perceber o porquê de tantos barcos. Fica aqui registado este momento que teve direito a helicóptero no céu.

23/12/10

O país tem um sapatinho na chaminé há já algum tempo. Todos os dias espreita na esperança de ver que o Pai Natal não se esqueceu dele e que lhe trás um prensente que o console, alegre e confirme optimismos. Atordoado dessa esperança natalícia cuja vibração se sente nos supermercados e centros comerciais o país não gosta do que acaba por ver no dito sapatinho: mais um corte no rating de Portugal, novo aumento do crédito malparado, a confirmação da suspeita já instalada de que uma grande maioria da ajuda anti-crise foi parar ao sector bancário. E enquanto espreita e não espreita a gestão das excepções continua. Cada dia há a notícia de uma nova. Para mal dos optimistas, temo que o Pai Natal não traga até ao dia 25 grande consolo. Nem depois.

19/12/10

Coisas que se Podem Fazer ao Domingo 57

Botero

Nada

Antes dos Policiais 2

“Os maridos, meu caro, só matam nas novelas ou nos trópicos, onde fervilham paixões africanas! Quanto a nós bastam-nos os horrores dos roubos por arrombamento ou das falsificações de identidade”.
Anton Tcheckov, “Um Drama na Caça” (Colecção Vampiro).

Regresso sempre à Literatura Russa. Leio de novo ou releio, é igual. Diz-se que nunca se deve regressar a um local onde se foi feliz. A Literatura é um local onde esta máxima não se aplica, pelo menos para mim, pelo menos para já. Um conforto.

Um Drama na Caça”, foi publicado em folhetins no ano de 1884-1885, sendo das primeiras obras de Anton Tcheckov e é considerado o seu único romance, embora me pareça mais uma “novela”. Para quem conhece e aprecia os contos de Tcheckov, esta novela causa surpresa. As simples, mas precisas pinceladas, a lembrar um inspirado traço de “line drawing” que compõem os seus contos: as suas personagens, o seu enredo, o seu desfecho; bem como a inevitabilidade do que acontece, estão ausentes desta novela. Nela encontramos um cheiro de modernidade no facto de ser uma (ainda inocente) novela policial, um género que começava a dar os primeiros passos, mas sobretudo somos confrontados com um ambiente de excessos, de contradições, de fraquejar que nos lembram alguns atormentados heróis românticos de vida dissoluta, de tormentos secretos, impulsos pérfidos e desejos escuros que são, no entanto diferentes, por exemplo, dos heróis dostoievskianos divididos pelas dúvidas sobre o bem e o mal e pela procura de absoluto. Vejamos:

“Os espíritos mais mesquinhos afirmavam que o ilustre conde via na pessoa de um pobre juiz de instrução criminal, de origem humilde, um mero companheiro de bebedeiras.”

(…) “Teriam dito algo mais se soubessem como é suave, débil e submissa a natureza do conde e como a minha é forte e obstinada. E teriam acrescentado ainda mais se estivessem ao corrente de quanto aquele homem fraco me estimava e quão escassa era a minha simpatia por ele”.

(…)“De quantas desgraças me teria livrado e que bem teria feito ao meu amigo se, naquela tarde, eu tivesse tido a coragem de voltar atrás” (…)

O mote está lançado: não há lugar a subtileza, nem contenção nesta novela. As descrições e a linguagem são ricas e pictóricas e a sensualidade lasciva abunda. O trágico e o decadente andam de mão dada. Tudo parece excessivo: o que se vê, o que se sente, o que se diz, o que se faz.

“Decorrida uma hora estávamos a comer à volta de grandes mesas. Para quem se achava habituado às teias de aranha, à sujidade da mansão e aos gritos dos ciganos, aquela multidão que rompia com as suas conversas fúteis o silêncio das divisões solitárias, era motivo de espanto.”

(…)“Eu detestava aquela multidão que, com frívola curiosidade, observava os traços de declínio da minguante fortuna dos Karnieiev.”

(…)“ Sentia o exagero de tal oratória, que despertava o riso dos circunstantes. Apesar do champanhe que havia bebido, não parecia alegre; exibia a mesma palidez que revelara na igreja, o mesmo terror nos olhos”.

Estes pequenos excertos da novela mostram como estamos longe do sóbrio Theckov a que a leitura dos contos nos habituou. Este é certamente um Tcheckov mais novo, mais exuberante, com uma linguagem adjectivada, rica e intensa que quase toca o exagero, numa novela com toda a “alma” russa possível (camponeses pobres, aristocracia à beira da ruína, meios pequenos e mesquinhos, muita bebida) e que se lê de um folgo, sempre à espera de saber o que vai acontecer de seguida, tal como nos bons policiais. Com a inocência dos primeiros passos que se dão neste género policial, o final reserva-nos uma surpresa, num estilo que posteriormente fez história.

15/12/10

Amanhecer 28

Hoje

O que Sempre Sobra

Confesso-me num período de pouco interesse, bem como poucas tentativas de me manter informada, na actualidade portuguesa ou não, tão má ela é. Fica no entanto alguma espuma sobre o mundo que, tal como o conhecíamos, caminha para um local estranho que não se sabe bem se é um abismo. Nota-se um impasse generalizado cá e lá e nada de bom parece se avizinhar, não há messias à vista nem políticos (e gentes) em quem consigamos confiar. As expectativas são baixas e o optimismo para 2011 é um exclusivo de José Sócrates e de outros líderes feitos do mesmo barro.

Sobra, o que sempre vai sobrando, e a que alguém chamava há muitos anos justificando os muitos filhos que tinha: “o teatrinho dos pobres”. Neste caso serão mais pobres de espírito, mas correndo o sério risco de pobreza tout court. Como ia dizendo, sobra algum sexo que anda a entreter os jornais (e as gentes) pelo mundo fora. Desta vez não é um presidente americano, ou candidato a; desta vez não é na Casa Branca, é um Australiano na Suécia com duas mulheres suecas. Não se discute se há ou não uma relação sexual, discute-se o ser “sexo de surpresa” ou não. E há quem leve isto a sério, e prenda ou liberte alguém com base na discussão deste conceito (juntamente, ao que parece, com o uso ou não de preservativos), sem que ninguém tenha coragem de dizer ”ao que vem” e que acusação quer fazer. Demasiada metafísica para mim.

Às Vezes as Coisas Não São Exactamente Como Gostaríamos Que Fossem

E por isso este blogue tem sido actualizado com pouca regularidade.

08/12/10

Cores de Outono 7

Paul Cézanne
Farmyard

Das Agendas

Tudo o que, ao longo destes anos tem saído da boca do Primeiro-ministro tem-se revelado ser lixo. Pode vir embrulhado da forma mais sofisticada, subtil ou requintada, que isso pouca importância tem: a verdade vem sempre ao de cima e depressa percebemos que o que ele diz vale zero, não é nada, apodrece depressa e graças a Deus recicla-se mal, embora ele não desista, para enganar aqueles que gostam de ser enganados. O seu último lixo retórico é o slogan/palavra de ordem que uns habilidosos a quem todos nós pagamos inventaram: “Agenda para o Crescimento” dito (ouvi eu ontem na televisão) com aquele seu ar teimosamente determinado de quem vê que ele está bem e o mundo mal. Sempre negando evidências, e sempre centrado no seu umbigo, Sócrates acha que agendar a sua acção e a do seu comatoso governo, através de meia dúzia de medidas impostas e forçadas pela UE e pelo exterior (e por isso contra a sua vontade e contrariando o seu discurso habitual, mas que importa isso, não é?), e meia dúzia de anúncios (aquilo que ele é bom a fazer) que atirem um pouco de poeira para os olhos dos eleitores frustrados, desencantados e revoltados, pode começar a “inverter” o ciclo económico do país, e também acha provavelmente que o anúncio dessa Agenda com nome Crescimento pode “acalmar” os selváticos especuladores dos mercados financeiros, locais insalubres cheios de gente malvada e desinformada, que não gosta dele.

José Sócrates já está em ciclo pré-eleitoral: esta retórica plástica e que nada quer dizer até parece pensamento político meditado, propositado, com objectivo, com acção positiva e optimista que contrariará o que nos aguarda em 2011, mas de facto apenas camufla as mexidas na Leis Laborais que vai ser obrigado a fazer (e que já há muito que deveria ter sido objecto de revisão). É só para o que serve. Ficará em breve o vazio, ou não fosse a expressão o contra-senso que é, e o nenhum efeito que terá. Não nos livramos da crise económica tão cedo por muitas "Agendas" que Sócrates invente e por muito que pronuncie a palavra "Crescimento"; mas afinal, quando é que nos livramos de José Sócrates?

05/12/10

Vivemos agora na gestão das excepções (o caso do fim-de-semana é nos Açores, mas eles sucedem-se), aos suspiros por organização de eventos, sejam eles mundiais de futebol ou conferências sobre energias renováveis, e às ausências do Primeiro-ministro que, para nosso infortúnio e vergonha mais parece um vendedor da versão “tecnológica” de fitas e nastros, passa mais tempo fora do país do que dentro. Sobra demagogia (com padrinhos destes que mais poderíamos esperar?), muita conversa, sobretudo de chacha, alguns (pseudo)casos. Que vazio.

04/12/10

Antes dos Policiais

In some of my former novels, the object proposed has been to trace the influence of circumstances upon character. In the present story I have reversed the process. The attempt made, here, is to trace the influence of character on circunstances. The conduct pursue, under a sudden emergency, by a young girl, supplies the foundation on which I have built this book.

É com estas palavras do início do seu prefácio a “The Moonstone” que Wilkie Collins define o romance por oposição a “The Woman in White”, hoje o seu mais conhecido e aclamado romance, uma longa obra de intriga, mistério e suspense e um dos grandes romances vitorianos, lido e relido.

Andava há já muito, com curiosidade de ler “The Moonstone”, o seu outro famoso romance, sobretudo porque o caracterizam como um precursor das histórias policiais. Fi-lo recentemente e senti, coisa rara, o romance como demasiado longo (600 páginas de letra pequena). Senti que se repetia, se explicava e se alongava em demasia, algo que por vezes me fazia perder o ritmo da leitura. No entanto a intriga e o mistério estão lá, o enredo é complexo, vivo, ousado e as personagens não ficam atrás em complexidade e interesse e, para dar o cunho “policial” ao romance temos um astuto detective da polícia a contribuir para a resolução do caso. O uso de drogas com a finalidade de manipular comportamentos surge como uma ousadia e a narração, feita através de várias personagens, ajuda também a dar corpo a uma certa “modernidade” que se respira neste romance publicado em 1868. A "young girl" que Collins refere no excerto do prefácio acima transcrito, não desilude, e mais uma vez pensamos em como era curta a juventude nos séculos (e décadas) que nos precederam, em como aos 18 anos já se era dono de si e tantas vezes de uma fortuna, de um destino, e de responsabilidades para consigo e com os outros que de si dependem, e pensamos em como hoje todos teimam em prolongar a juventude e a desresponsabilização, mas isso é outro assunto. "Moonstone" é um bom romance, haja em nós alguma determinação para ler e acabar, e paciência com os excessos narrativos e descritivos.

Arquivo do blogue

Acerca de mim

temposevontades(at)gmail.com