Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, (...) E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía.
31/12/10
2010 e 2011
O canal Mezzo salva-nos hoje à tarde do excesso de festividades e da indolência de nada querer fazer, cansada de tanta celebração sabe Deus de quê e de excessos de espíritos festivos. Olho desconsolada para um ano que passou e sem entusiasmo para o que há-de vir, e temo que as palavras,
crise internacional, “incompreensão” dos mercados, ataques especulativos, dívida externa, deficit, novas tecnologias, sinais de crescimento, novas tecnologias, FMI, casamento gay, outro candidato de direita, pedofilia, controle do deficit, escutas, Face Oculta, destruição de escutas, justiça, procuradores, magistrados, PEC1, PEC2, Revisão Constitucional, crise do Euro, Alemanha, UE, mundial, Carlos Queirós, Carlos Cruz, Mourinho, mineiros chilenos, wikileaks, google, twitter, facebook, Bento XVI, perseguição ao cristianismo, islamismo, Obama, voos de prisioneiros, terrorismo, fundamentalismo, votar/não votar o orçamento do estado, iPad, Irlanda, Grécia, Espanha, vulcão islandês, aumento do IVA, aumento da carga fiscal, sacrifícios, excepções, Freeport, Sócrates, Ferreira Leite, Cavaco Silva, Passos Coelho, educação, falência, desemprego, banco alimentar, Manuela Moura Guedes, TVI, pressões, calor, enxurradas na Madeira, optimismo de Sócrates, Estado Social, pobreza, cortes salariais, periferia, BPN, BPP, crise, contenção, apertar o cinto,
que fizeram o ano que passou, (enunciadas numa lista desordenada e livre de tudo o que não seja a minha memória e sensibilidade deste momento), sejam na grande maioria as palavras que farão o ano que há-de vir. Parece que nada de novo nos trará 2011.
No entanto aqui fica um voto de Bom Ano de 2011. Vou regressar ao Mezzo e à Gala da Orquestra Filarmónica de Berlin com Gustavo Dudamel e Elina Garanka (Concerto de S. Silvestre em directo).
24/12/10
Velas 25 (Especial Natal)
23/12/10
O país tem um sapatinho na chaminé há já algum tempo. Todos os dias espreita na esperança de ver que o Pai Natal não se esqueceu dele e que lhe trás um prensente que o console, alegre e confirme optimismos. Atordoado dessa esperança natalícia cuja vibração se sente nos supermercados e centros comerciais o país não gosta do que acaba por ver no dito sapatinho: mais um corte no rating de Portugal, novo aumento do crédito malparado, a confirmação da suspeita já instalada de que uma grande maioria da ajuda anti-crise foi parar ao sector bancário. E enquanto espreita e não espreita a gestão das excepções continua. Cada dia há a notícia de uma nova. Para mal dos optimistas, temo que o Pai Natal não traga até ao dia 25 grande consolo. Nem depois.
19/12/10
Antes dos Policiais 2
“Os maridos, meu caro, só matam nas novelas ou nos trópicos, onde fervilham paixões africanas! Quanto a nós bastam-nos os horrores dos roubos por arrombamento ou das falsificações de identidade”.
Anton Tcheckov, “Um Drama na Caça” (Colecção Vampiro).
Regresso sempre à Literatura Russa. Leio de novo ou releio, é igual. Diz-se que nunca se deve regressar a um local onde se foi feliz. A Literatura é um local onde esta máxima não se aplica, pelo menos para mim, pelo menos para já. Um conforto.
“Um Drama na Caça”, foi publicado em folhetins no ano de 1884-1885, sendo das primeiras obras de Anton Tcheckov e é considerado o seu único romance, embora me pareça mais uma “novela”. Para quem conhece e aprecia os contos de Tcheckov, esta novela causa surpresa. As simples, mas precisas pinceladas, a lembrar um inspirado traço de “line drawing” que compõem os seus contos: as suas personagens, o seu enredo, o seu desfecho; bem como a inevitabilidade do que acontece, estão ausentes desta novela. Nela encontramos um cheiro de modernidade no facto de ser uma (ainda inocente) novela policial, um género que começava a dar os primeiros passos, mas sobretudo somos confrontados com um ambiente de excessos, de contradições, de fraquejar que nos lembram alguns atormentados heróis românticos de vida dissoluta, de tormentos secretos, impulsos pérfidos e desejos escuros que são, no entanto diferentes, por exemplo, dos heróis dostoievskianos divididos pelas dúvidas sobre o bem e o mal e pela procura de absoluto. Vejamos:
“Os espíritos mais mesquinhos afirmavam que o ilustre conde via na pessoa de um pobre juiz de instrução criminal, de origem humilde, um mero companheiro de bebedeiras.”
(…) “Teriam dito algo mais se soubessem como é suave, débil e submissa a natureza do conde e como a minha é forte e obstinada. E teriam acrescentado ainda mais se estivessem ao corrente de quanto aquele homem fraco me estimava e quão escassa era a minha simpatia por ele”.
(…)“De quantas desgraças me teria livrado e que bem teria feito ao meu amigo se, naquela tarde, eu tivesse tido a coragem de voltar atrás” (…)
O mote está lançado: não há lugar a subtileza, nem contenção nesta novela. As descrições e a linguagem são ricas e pictóricas e a sensualidade lasciva abunda. O trágico e o decadente andam de mão dada. Tudo parece excessivo: o que se vê, o que se sente, o que se diz, o que se faz.
“Decorrida uma hora estávamos a comer à volta de grandes mesas. Para quem se achava habituado às teias de aranha, à sujidade da mansão e aos gritos dos ciganos, aquela multidão que rompia com as suas conversas fúteis o silêncio das divisões solitárias, era motivo de espanto.”
(…)“Eu detestava aquela multidão que, com frívola curiosidade, observava os traços de declínio da minguante fortuna dos Karnieiev.”
(…)“ Sentia o exagero de tal oratória, que despertava o riso dos circunstantes. Apesar do champanhe que havia bebido, não parecia alegre; exibia a mesma palidez que revelara na igreja, o mesmo terror nos olhos”.
Estes pequenos excertos da novela mostram como estamos longe do sóbrio Theckov a que a leitura dos contos nos habituou. Este é certamente um Tcheckov mais novo, mais exuberante, com uma linguagem adjectivada, rica e intensa que quase toca o exagero, numa novela com toda a “alma” russa possível (camponeses pobres, aristocracia à beira da ruína, meios pequenos e mesquinhos, muita bebida) e que se lê de um folgo, sempre à espera de saber o que vai acontecer de seguida, tal como nos bons policiais. Com a inocência dos primeiros passos que se dão neste género policial, o final reserva-nos uma surpresa, num estilo que posteriormente fez história.
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15/12/10
O que Sempre Sobra
Confesso-me num período de pouco interesse, bem como poucas tentativas de me manter informada, na actualidade portuguesa ou não, tão má ela é. Fica no entanto alguma espuma sobre o mundo que, tal como o conhecíamos, caminha para um local estranho que não se sabe bem se é um abismo. Nota-se um impasse generalizado cá e lá e nada de bom parece se avizinhar, não há messias à vista nem políticos (e gentes) em quem consigamos confiar. As expectativas são baixas e o optimismo para 2011 é um exclusivo de José Sócrates e de outros líderes feitos do mesmo barro.
Sobra, o que sempre vai sobrando, e a que alguém chamava há muitos anos justificando os muitos filhos que tinha: “o teatrinho dos pobres”. Neste caso serão mais pobres de espírito, mas correndo o sério risco de pobreza tout court. Como ia dizendo, sobra algum sexo que anda a entreter os jornais (e as gentes) pelo mundo fora. Desta vez não é um presidente americano, ou candidato a; desta vez não é na Casa Branca, é um Australiano na Suécia com duas mulheres suecas. Não se discute se há ou não uma relação sexual, discute-se o ser “sexo de surpresa” ou não. E há quem leve isto a sério, e prenda ou liberte alguém com base na discussão deste conceito (juntamente, ao que parece, com o uso ou não de preservativos), sem que ninguém tenha coragem de dizer ”ao que vem” e que acusação quer fazer. Demasiada metafísica para mim.
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Às Vezes as Coisas Não São Exactamente Como Gostaríamos Que Fossem
E por isso este blogue tem sido actualizado com pouca regularidade.
08/12/10
Das Agendas
Tudo o que, ao longo destes anos tem saído da boca do Primeiro-ministro tem-se revelado ser lixo. Pode vir embrulhado da forma mais sofisticada, subtil ou requintada, que isso pouca importância tem: a verdade vem sempre ao de cima e depressa percebemos que o que ele diz vale zero, não é nada, apodrece depressa e graças a Deus recicla-se mal, embora ele não desista, para enganar aqueles que gostam de ser enganados. O seu último lixo retórico é o slogan/palavra de ordem que uns habilidosos a quem todos nós pagamos inventaram: “Agenda para o Crescimento” dito (ouvi eu ontem na televisão) com aquele seu ar teimosamente determinado de quem vê que ele está bem e o mundo mal. Sempre negando evidências, e sempre centrado no seu umbigo, Sócrates acha que agendar a sua acção e a do seu comatoso governo, através de meia dúzia de medidas impostas e forçadas pela UE e pelo exterior (e por isso contra a sua vontade e contrariando o seu discurso habitual, mas que importa isso, não é?), e meia dúzia de anúncios (aquilo que ele é bom a fazer) que atirem um pouco de poeira para os olhos dos eleitores frustrados, desencantados e revoltados, pode começar a “inverter” o ciclo económico do país, e também acha provavelmente que o anúncio dessa Agenda com nome Crescimento pode “acalmar” os selváticos especuladores dos mercados financeiros, locais insalubres cheios de gente malvada e desinformada, que não gosta dele.
José Sócrates já está em ciclo pré-eleitoral: esta retórica plástica e que nada quer dizer até parece pensamento político meditado, propositado, com objectivo, com acção positiva e optimista que contrariará o que nos aguarda em 2011, mas de facto apenas camufla as mexidas na Leis Laborais que vai ser obrigado a fazer (e que já há muito que deveria ter sido objecto de revisão). É só para o que serve. Ficará em breve o vazio, ou não fosse a expressão o contra-senso que é, e o nenhum efeito que terá. Não nos livramos da crise económica tão cedo por muitas "Agendas" que Sócrates invente e por muito que pronuncie a palavra "Crescimento"; mas afinal, quando é que nos livramos de José Sócrates?
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05/12/10
Vivemos agora na gestão das excepções (o caso do fim-de-semana é nos Açores, mas eles sucedem-se), aos suspiros por organização de eventos, sejam eles mundiais de futebol ou conferências sobre energias renováveis, e às ausências do Primeiro-ministro que, para nosso infortúnio e vergonha mais parece um vendedor da versão “tecnológica” de fitas e nastros, passa mais tempo fora do país do que dentro. Sobra demagogia (com padrinhos destes que mais poderíamos esperar?), muita conversa, sobretudo de chacha, alguns (pseudo)casos. Que vazio.
04/12/10
Antes dos Policiais
In some of my former novels, the object proposed has been to trace the influence of circumstances upon character. In the present story I have reversed the process. The attempt made, here, is to trace the influence of character on circunstances. The conduct pursue, under a sudden emergency, by a young girl, supplies the foundation on which I have built this book.
É com estas palavras do início do seu prefácio a “The Moonstone” que Wilkie Collins define o romance por oposição a “The Woman in White”, hoje o seu mais conhecido e aclamado romance, uma longa obra de intriga, mistério e suspense e um dos grandes romances vitorianos, lido e relido.
Andava há já muito, com curiosidade de ler “The Moonstone”, o seu outro famoso romance, sobretudo porque o caracterizam como um precursor das histórias policiais. Fi-lo recentemente e senti, coisa rara, o romance como demasiado longo (600 páginas de letra pequena). Senti que se repetia, se explicava e se alongava em demasia, algo que por vezes me fazia perder o ritmo da leitura. No entanto a intriga e o mistério estão lá, o enredo é complexo, vivo, ousado e as personagens não ficam atrás em complexidade e interesse e, para dar o cunho “policial” ao romance temos um astuto detective da polícia a contribuir para a resolução do caso. O uso de drogas com a finalidade de manipular comportamentos surge como uma ousadia e a narração, feita através de várias personagens, ajuda também a dar corpo a uma certa “modernidade” que se respira neste romance publicado em 1868. A "young girl" que Collins refere no excerto do prefácio acima transcrito, não desilude, e mais uma vez pensamos em como era curta a juventude nos séculos (e décadas) que nos precederam, em como aos 18 anos já se era dono de si e tantas vezes de uma fortuna, de um destino, e de responsabilidades para consigo e com os outros que de si dependem, e pensamos em como hoje todos teimam em prolongar a juventude e a desresponsabilização, mas isso é outro assunto. "Moonstone" é um bom romance, haja em nós alguma determinação para ler e acabar, e paciência com os excessos narrativos e descritivos.
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Wilkie Collins
29/11/10
Duas Surpresas
“O Americano” deixou-me entediada. Um filme demasiado pretensioso onde Clooney cumpre de forma eficiente, mas não convincente o seu papel. Sobretudo se nos lembrarmos dos seus papeis em “Nas Nuvens”, ou em “Michael Clayton”, sentimos no filme uma falha. Tanta inacção cansa: o filme é “ light” demais para ser bergmaniano, e contemplativo (só porque a fotografia é excelente, senão nem contemplativo seria) demais para ser um thriller. Os parcos diálogos ou são demasiado banais sem escaparem a clichés batidos ou são irrelevantes para a quantidade de silêncio do filme, isto é, enquanto espectadores acabamos por achar que nem valia a pena quebrar o silêncio. A partir do meio do filme e depois de perceber que era aquele o ritmo e que assim seria até ao final, não parei de olhar para o relógio. Uma desilusão de filme.
Para me vingar de tanto tédio, fui ver (mais como quem faz uma promessa do que por convicção) Imparável. Depois de tanta inacção, suspirei de alívio perante tanta acção e aproveitei cada segundo do filme, porque ele não só tem acção que chegue e sobre, assente num ritmo perfeito sem vazios de nenhum tipo, como é desprovido de pretensões intelectuais, estilísticas ou estéticas com excessos explosivos de efeitos especiais. Resumindo, e com alguma surpresa: um bom filme de Tony Scott que bate aos pontos O Americano de Anton Cobijn.
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George Clooney
25/11/10
24/11/10
Olho para o debate político no país e vejo um vazio povoado de exclamações, declarações, ameaças veladas – só retórica. Os líderes dão o exemplo: Sócrates hoje desapareceu, Passos Coelho titubeou. Estão muito preocupados consigo próprios, num dia em que a greve geral paralisa o país. De um lado e de outro enunciam-se os estragos, contam-se os números, repetem-se palavras de ordem, algumas demasiado desgastadas e outros tempos. Inventam-se boas estratégias para fugir do real.
Agora Sim, Está Tudo Explicado
Bonham Carter co-starred with Pride and Prejudice actor Matthew Macfadyen in BBC Four biopic Enid, which offered an unflinching view of the Famous Five author's difficult childhood, portraying her as an inadequate mother to her two daughters. Só depois de ter visto o filme (Bonham Carter merece o prémio seguramente, e o filme é realmente um duríssimo retrato da autora) percebi porque a minha avó, senhora de muitas leituras e grande biblioteca, não gostava de Enid Blyton e nunca me encorajou a lê-la.
22/11/10
Na National Gallery em Londres. Um museu de entrada livre e (paradoxo) sem demoras para entrar como as que encontramos noutros museus em que se paga o acesso (Louvre, Prado, Uffizi, aqueles em que mais tempo perdi para entrar). A National Gallery é um museu muito "informal" e muito acolhedor, sem imponências ou multidões intimidantes onde se anda com facilidade entre salas, entrando, saindo, voltando a entrar e demorar o tempo que se quer onde se quer. Mais uma vez pude ver turmas inteiras de crianças e jovens com os respectivos professores a explorar o museu, a discutir as obras e a desenhar ou pintar empenhadamente, sentados ou deitados no chão. Por curiosidade olhei para os desenhos de muitos deles e, não sendo competente para avaliar como o são os professores, fiquei admirada com a expressividade e movimento de muitos dos desenhos, e o entusiasmo com que as crianças os faziam e mostravam aos professores.
Na National Gallery mata-se a fome (sim, fome é uma boa palavra), nas salas do séc. XIX, dos "românticos ingleses": de Thomas Gainsborough e dos seus retratos, dos céus de Constable e claro, da forma única de captar a luz de Turner. Estes pintores são presenças assíduas neste blogue e foi com renovado gosto que os revi.
Pagando, é possível, até 16 de Janeiro, ver uma exposição intitulada Canaletto and His Rivals, onde o olhar ao longe se repousa na harmonia das proporções, na simetria que se insinua, no rigor arquitectónico, e ao perto se perde na evidência do perfeccionismo, na surpresa das expressões, no insólito do detalhe, na abundância. Puro prazer.
20/11/10
Obama Escrutinado
Nestes dias de escrutínio febril a Obama, quem Obama beija, o que é oferecido a Obama, a forma desportiva como Obama desce as escadas do avião, como é em cada ínfimo detalhe o carro de Obama, quem viu Obama, o cão de Obama, eu também quero deixar o meu contributo à operação “Escrutinar Obama”, um eficaz ersatz para a ausência de ideias e debate político que se vive neste nosso país que não consegue deixar de se inchar com os “eventos”, as coleiras de cortiça para cães presidenciais e a clutch Croco Maya (com um nome desses eu tinha vergonha, mas adiante) oferecida a Hillary Clinton.
Eu já tinha visto Obama assinar (nomeadamente na sua tomada de posse), mas nunca tinha percebido a desilegância do seu gesto e a forma absolutamente anormal de pegar na caneta e de contorcer o pulso (a televisão mostrou a sua mão em primeiro plano). Sim, percebi que era canhoto, mas desde quando ser canhoto é desculpa para seja o que for? Também sei que hoje o acto de escrever não é como era no(s) tempo(s) em que o teclado não fazia parte da vida de cada um de nós - hoje funciona já como um prolongamento do nosso corpo (tal como o telemóvel). No entanto, o acto e gesto de saber pegar numa caneta ou num lápis e de o usar a escrever, e de escrever caracteres harmoniosos faziam parte de uma arte chamada caligrafia. Os professores na primária ensinavam a pegar no lápis. Eu, sei que fui uma excepção, fiz a primária numa escola em que me obrigaram a desenhar as primeiras letras com uma pena e tinta. Depois passei para caneta de tinta permanente e assim fiz toda a primária pois a esferográfica era proibida – política da escola. Era um pesadelo, e eu era desastrada sujando tantas vezes cadernos e trabalhos, mas aprendi a pegar no lápis e essa disciplina e trabalho de contenção e rigor, nunca me prejudicaram. O gesto correcto não é só mera convenção ou bazarrice, é mesmo a forma que permite o mais natural e eficaz manuseamento do lápis/caneta e melhores resultados nomeadamente no desenho. Se um político tem aulas de dicção, "aulas" de estilo, não pode ter aulas de como pegar numa caneta e assinar documentos oficiais em público?
Nas escolas agora não se perde tempo a ensinar a pegar no lápis (a imagem vem daqui, mas uma busca rápida permite ver que opções de imagens e "dicas" não faltam) e vemos gestos tão maus ou piores do que os do Obama, e caligrafias aberrantes. Mais tarde na secundária e na faculdade os professores queixam-se. Mas tanta exigência e disciplina prejudica a livre expressão das criancinhas e a aprendizagem e imposição de regras e de técnicas restringe a liberdade e criatividade. Depois ficam todas a escrever como Obama. Se calhar é isso que querem.
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12/11/10
10/11/10
Era uma Vez
Creio que todos temos uma “to do list” que inclui visitar os locais que queremos conhecer, aprender certas matérias, praticar esta ou aquela actividade, ler determinados livros, ver determinados filmes, rever amigos, organizar um jantar, etc. Essas listas não são fixas: há itens que vamos abandonando outros (em menor número) que vamos acrescentando. Os interesses mudam, as aspirações também e sobretudo a “imprescindibilidade” tão vincada aos vinte anos vai-se diluindo coma passagem dos anos e tornando-se num conceito mais vago, e nós, cada vez mais “filósofos”.
Ver o célebre filme de Sérgio Leone “Once Upon a Time in América” era uma coisa a fazer que – não sei bem porquê – fui protelando, ou nunca calhou, nem eu sei bem. Não vi o filme quando ele saiu e, por estranho que pareça, só agora o vi. E cada segundo valeu a pena. Uma obra de fôlego, (eu gosto de filmes grandes, livros grandes...), uma história de gentes que com esforço, imaginação e cumplicidades encontra uma forma de sobreviver - até de fazer muito dinheiro mas que, um dia, paga o preço por essa ousadia. Há sempre um preço que vem com o sucesso dessa ambição de sobrevivência que atropelou o mais comum viver. O reencontro com a música (de arrepiar) de Ennio Morricone – que atinge a perfeição neste casamento com “Era uma Vez na América” - dá o tom ao filme, agita a nostalgia e permite que as cenas de dura crueza e violência possam ser vistas por nós com o incómodo próprio do realismo e não com o mais reconfortante choque que a pura fantasia e exagero permite. O filme funciona como um barómetro do grau de humanidade (lealdade, solidariedade, respeito, fidelidade, compaixão, confiança, amor...) que a escola de sobrevivência permite a quem nela se educa. Sem ilusões, sem fantasias sobre "os afectos", sem rodriguinhos.
Já me tinha esquecido que Robert de Niro era um bom actor. Foi bom relembrá-lo. Filme a rever em breve.
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07/11/10
A Esposa
E não é que as televisões teimam em falar na "esposa" de Hu Jintao...
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A Cristandade
Depois do sucesso (medido em números) que foi a visita de Bento XVI ao Reino Unido e a Portugal, a imprensa (RTP, com Rosa Veloso, não continha a excitação) faz eco da aparente “desilusão” (medida em números) que marcam esta visita do Papa a Espanha. Ao passar os olhos pela imprensa parece que – paradoxo dos paradoxos - no coração da cristandade os gays de Barcelona foram os que mais se mobilizaram com esta visita...
Ainda me espanto com a capacidade de mobilização “anti-papa” e genericamente “anti-cristianismo" de certos grupos face a instituições que nada lhes dizem. Lembrei-me de algo que aconteceu em Londres na minha recente visita à National Gallery. Estava um grupo de crianças sentado à frente de uma famosa pintura de Caravaggio, (The Supper at Emaus), e o professor interpelava animadamente os alunos sobre ela. As crianças estavam atentas, motivadas e levantavam o braço para poderem intervir explicando as emoções que o quadro lhes transmitia e eu fiquei um pouco ali também a partilhar o entusiasmo do professor e adesão dos alunos. De repente ouço-o explicar que Jesus era o senhor que estava com cabelo comprido e no centro do quadro, e que Jesus é muitas vezes retratado assim e às vezes até com barba. Em Londres, outro centro da cristandade (o berço do Anglicanismo) um professor explica às crianças quem é Jesus num quadro. Olhei melhor: as crianças eram inglesas “caucasianas”, não havia naquela pequena turma crianças de outra origem étnica que nos fizesse pensar que seriam “não cristãs”. Fiquei quase atordoada. Eu creio que nasci a saber reconhecer Jesus em qualquer quadro ou representação e esse ensinamento do professor – muito pertinente, não duvido – foi como um choque: nunca me tinha ocorrido, como um dado adquirido, que no mundo cristão era preciso ensinar quem era Cristo e como se reconhece Cristo numa representação.
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04/11/10
"Portugal não precisa de qualquer ajuda. Conseguimos resolver os nossos problemas sozinhos. Apenas precisamos que os mercados entendam que estamos a fazer o nosso trabalho [na redução do défice]". O Mercado entendeu, entendeu bem melhor do que José Sócrates supunha, e por isso subiu a taxa de juros. Torna-se penoso ver, uma vez, e outra, e outra, e sempre, JS a esbarrar com a realidade, e ver que nem assim ele aprende. Que Primeiro-ministro mais patético!
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03/11/10
Maus Tempos
O OE foi finalmente aprovado pelo Parlamento, para tranquilidade da maioria dos portugueses, (sim eles querem o OE aprovado) e depois do que considero ser um dos mais lamentáveis episódios (que durou dois meses e meio) políticos que o país já viveu. Ao Primeiro-ministro já não lhe sobra credibilidade nem política nem pessoal e ficou ainda mais à deriva quando lhe tiraram a propaganda de que ele e o seu governo sempre se alimentaram. Não poder anunciar TGV, Magalhães para todos, mais um hospital ou mais subsídios e ajudas, é porem em causa a sua essência política feita de plástico e néons. José Sócrates existe porque anuncia, porque vive da propaganda, da imagem. Hoje creio que sobram poucas dúvidas e poucos iludidos. José Sócrates é incapaz de um pensamento político a médio prazo (já nem falo a longo) coerente e que sirva a realidade do país e não a fantasia virtual em que ele escolhe acreditar para prejuízo de todos nós.
Passos Coelho, infinitamente melhor do que José Sócrates, note-se, não é também, e infelizmente, um líder partidário com solidez (e estofo) necessária para os desafios que o país tem pela sua frente hoje. Vive, como parece que agora se vive, da imagem, dos comunicados, das afirmações e ameaças, dos avanços e dos recuos. Também ele, criado num viveiro partidário, e relacionando-se com dois ou três pessoas iguais a ele, está um pouco distanciado do país real. Não fosse isso já teria percebido, ou já lhe teriam dito e feito perceber, que os portugueses estão fartos da política, dos políticos, dos movimentos, posicionamentos e jogadas políticas, que decididamente não servem os seus interesses nem os do país. Nunca a credibilidade dos políticos foi tão baixa, e nunca os políticos nos deram tão poucas razões para serem respeitados como agora.
Não sabem o que é a contenção, e nem a usam, preferindo as declarações à porta de seja onde for que estejam, ao ponto de nos saturarem e de não os querermos ouvir mais. Confundem perder uma troca de palavras com o uso da moderação. Enrolados em imagem e retórica (às vezes mais simples, outras mais subtil) esquecem a rectidão e o respeito pela palavra dada e pelo acordo livremente celebrado. É impossível não pensar em como Manuela Ferreira Leite tinha (e tem) razão: o PSD tinha anunciado o seu desacordo em ralação ao OE, mas também a sua viabilização por motivos de interesse nacional. Imagine-se o que isso não nos teria poupado de psicodrama político, de casos feitos de nada, de constantes medições de força, de propaganda. Mas os deuses assim não quiseram e, para nosso prejuízo, quem do exterior olha para Portugal não está impressionado com o que vê. Bem pelo contrário como hoje ficou demonstrado em mais uma emissão da dívida. Que não haja ilusões, ainda não se descobriu melhor mecanismo do que o mercado em funcionamento para avaliação de risco. De pouco adianta aprovar o orçamento se os sinais (as omnipresentes e abundantes declarações), nomeadamente os discurso no Parlamento revelam algo de esquizofrenia (ver o de Aguiar Branco ontem). Ainda o OE está quente a ser votado no Parlamento e a propaganda já começa. Como se não bastassem os maus dias de esforço e maior pobreza que nos esperam, maus tempos políticos se avizinham também. Populismo, demagogia, propaganda a rodos. Ninguém será contido, e tudo se espera de José Sócrates. Haja muita paciência e capacidade para manter a cabeça bem fria e sempre no lugar. Amén.
02/11/10
Um Mau Presságio
Há uns dias peguei, à pressa, no primeiro livro que me apareceu à frente: tinha acabado de ler um e – rigorosamente - precisava dum livro naquele segundo e ainda não tinha decidido o que ler “a seguir”. Calhou ser um policial velhinho, o nº 155 da Coleccção Vampiro. E calhou ser A Janela Alta de Raymond Chandler, com o seu detective Philip Marlowe. Li centenas de policiais, sobretudo na minha juventude, hoje leio poucos apesar de aguardar sempre com interesse o que P. D. James ainda escreve, (os que escreveu, já li todos) mas não me lembro de ter lido Raymond Chandler. E tenho pena pois percebo que teria gostado mais então do que agora me vejo a gostar. Um livro que deveria ser lido em três ou quatro dias, (no máximo) não me sai literalmente das mãos. Leio vinte páginas e fico meio parada a querer fazer outra coisa e a perceber que não há maneira de sentir aquele embalo próprio dos livros que nos faz querer ler mais e pensar neles quando não os lemos seja por que motivo for. Então num policial era – assim me lembro - grande essa ânsia de ler e de saber o que é que se vai passar a seguir, perceber como a intriga se vai construindo e depois como se vai desenrolando.
Não estamos a falar de grande literatura, eu sei, falamos no entanto de clássicos da literatura policial, e eu gosto de tudo o que tenha “literatura” e/ou “clássico” na descrição, e não desprezo tão pouco o qualificativo “policial”. Sinto-me desconfortável e desconfio da minha reacção a este romance que teima em demorar a ser lido e que o é mais com um olhar curioso e desprendido do que com um olhar cúmplice. Olho à minha volta e olho para mim. Mais desconfiança. Temo seriamente que seja um sinal de inocência perdida. Evidentemente um mau presságio.
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27/10/10
Afinal tantas declarações, avanços, recuos, afirmações, ultimatos, desde a célebre rentrée política no Caçadão de Quarteira, para dar hoje nisto: a manutenção de um cenário de abstenção. Aquele que Manuela Ferreira Leite sempre defendeu secamente e sem psicodramas. Este PSD é mais do mesmo; dessa matéria de que é feita hoje a política, pouca consistência, pouca visão, mas muitas “ideias”, muitas declarações, muitas tácticas e a boca sempre rápida a chegar ao microfone.
Perante isto, ouvir Cavaco Silva ontem a declarar que se recandidata, parece transportar-nos para um oásis de sanidade e responsabilidade. Tenho a sensação de que Cavaco Silva é um dos poucos políticos portugueses (não quero ser pessimista e dizer o único) que tem a noção da política como um serviço ao país, ele sabe que esse sentido de serviço é que pauta o exercício do seu cargo, concordemos ou não com algumas posições ou decisões suas.
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26/10/10
19/10/10
18/10/10
Estamos mesmo a ver o que se passou: embora a modéstia o obrigue a dizer que "também tenho as minhas fontes para fazer comentário", Cavaco Silva convocou Marcelo Rebelo de Sousa a Belém, ou combinou um almoço com ele, para lhe comunicar que o anúncio da sua recandidatura a Belém se fará no dia 26 no CCB, e para lhe pedir que divulgasse o acto no seu espaço de opinião na TVI ontem. Cavaco Silva deve estar satisfeito. E eu cada vez gosto menos da esperteza e dos espertos.
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Marcelo Rebelo de Sousa
17/10/10
Crónicas duma Constipação 2
Já tinha visto Cranford e Return to Cranford (série televisiva – duas temporadas - duma adaptação muito livre de três novelas de Elizabeth Gaskell) há uns meses, mas decidi rever a série e ainda bem que o fiz. Apreciei-a bem mais e confesso que há muito que não via nada que me deleitasse tanto. O sublime, o ridículo, a irrelevância elevada a problema, o problema minimizado, as estratégias de sobrevivência, a dignidade na adversidade, o medo do desconhecido e da diferença, o provincianismo, a compaixão (diferente da “solidariedade” conceito moderno que pressupõe “igualdade”), a ilusão, a esperança, o medo da mudança, mas os tempos que inexoravelmente mudam estão desenhados de forma imaculada nesta série tão aclamada da BBC. Uma reconstrução do universo da pequena localidade de Cranford em meados do século XIX, que nos deixa colados ao sofá, a sorrir, a suspirar, a rir, a comover.
Numa era de televisões, rádios, telemóveis, sms, twitters, blogs, e de internet a dar-nos acesso 24h por dia a qualquer desejo de informação por mais desinteressante e fútil que possa ser (notícias a vídeos, opiniões, informação diversa sobre tudo e nada - muito nada), mergulhar no mundo de Cranford – em meados do séc. XIX - é uma terapia altamente benéfica: uma limpeza interior – diria mais, uma exfoliação interior que aconselho vivamente. Mergulhar nesse mundo onde comer uma laranja é um gesto exótico, acender mais de duas velas para ler ao serão, uma ousadia, e onde as relações entre as pessoas não deixam de ser intensas só porque são mais formais e desprovidas do excesso de familiaridade que o estar sempre disponível e “visível” de hoje nos dá é refrescante. Há sempre contenção, por muito que se espreite da janela.
Os actores são formidáveis e o universo é absolutamente credível. Um conto mágico para adultos verem.
13/10/10
Hoje, um Final Feliz
Há dez anos em Agosto foi-nos contada a história do submarino da Marinha Russa Kursk afundado no mar de Barens e indignámo-nos então com a falta de informação pronta e verídica que a Rússia dava, e a falta de vontade de o país, ferido no seu orgulho, aceitar o acidente e pedir/aceitar a ajuda internacional. Quando finalmente se resignaram foi tarde, e foram vãs as tentativas de salvamento da tripulação por parte de equipas internacionais. Todos “assistimos” de coração apertado à morte lenta dessa tripulação de 118 oficiais e marinheiros. Um final nada feliz como o resgate do submarino um ano depois revelou.
Dez anos depois a história que nos apaixonou em Agosto foi diferente: 33 mineiros sobreviveram a um desabamento de terras na mina onde trabalhavam e ficaram prisioneiros debaixo da terra. Nós vamos seguindo as notícias que vão dando conta do que está a ser feito para resgatar cada um dos mineiros que mantêm um admirável estado de espírito. Ninguém fica indiferente e dois meses depois começa a operação de salvamento: um a um.
Às vezes temos sorte: podemo-nos encostar, respirar fundo e gozar o prazer e comoção de uma história com um final que adivinhamos feliz.
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Coisas da Vida
12/10/10
Os Novos Socráticos
Descobri agora que afinal, sou Socrática. De nada vale o voto que nunca lhe dei, de nada valem as críticas à sua política (inexistente, aliás), de nada vale a total e constante discordância com o seu estilo, de nada vale a indignação à sua pessoa expressas ao longo destes anos de governação neste local público que é o blogue (no sentido de que quem o quiser ler o pode fazer). Sendo favorável (apesar de um unanimismo causador de alguma alergia) à abstenção do PSD ao orçamento, sem grandes debates nem demoras, nem tão pouco dramatizações Passianas do género: “ainda temos que analisar (o quê?) o documento”, ou “a decisão tem de ser fruto de uma estratégia” (cito de cor) que Passos Coelho ainda não explicou e ninguém ainda sabe exactamente qual é, parece afinal que sou socrática.
O mais interessante é que quem é favorável à abstenção do orçamento pelo PSD, tem explicado o porquê da opção baseando a decisão nos cenários futuros prováveis caso o orçamento seja chumbado. Não vi ainda oposição ou contradição credível à probabilidade desses cenários futuros que ultrapasse o “partir de louça”, o “vermo-nos livres de Sócrates”, o "vivemos com duodécimos", o "quem garante que os juros da dívida voltem a subir" ou o mais básico de todos “pior é impossível”. Lemos alguma ficção relacionada com governos presidenciais, outro primeiro ministro do PS, cenários esses que apesar de possíveis não me parecem desejáveis, sobretudo porque, goste-se ou não (eu gosto) vivemos numa democracia predominantemente parlamentar.
Igualmente interessante é o facto de não haver nem garantias, nem indicações de que – indo o país a eleições mal possa – José Sócrates não ganhe outra vez até com mais votos do que os que agora tem. José Sócrates e Passos Coelho são políticos da mesma geração (o que não é necessariamente e só por si um problema, note-se), são ambos pouco sólidos e têm estilos semelhantes. José Sócrates é um político que vive do anúncio, um político em campanha permanente, com uma máquina comunicacional eficaz que aproveita diariamente em seu benefício e com muita rodagem na angariação de votos. Passos Coelho é um político que também conta com uma máquina comunicacional muito presente e relevante, mas está ainda “verde” e é um “menino do coro” comparado com Sócrates. Ambos vazios politicamente, ambos nas mãos das estratégias de comunicação. Entre o original e a cópia escolhe-se quem?
11/10/10
Crónicas duma Constipação
Uma forte constipação atirou-me, no fim-de-semana, para um sofá de onde poucas vezes me levantei. Em frente, uma televisão; ao meu lado um comando. Quando o mundo se reduz assim porque não apetece nem se consegue fazer nada, quando o ecrã do computador brilha demais e os livros exigem a disponibilidade mental que a constante respiração apenas pela boca impede, resta-nos a televisão. Fiquei, no entanto, a conhecer a extensão da pobreza da programação televisiva que temos, sobretudo ao fim-de-semana durante o dia.
Entre um Tony Blair, (uma entrevista na SICN da qual vi apenas uma parte) que não entusiasma, um Paulo Bento que ganhou com tranquilidade e um Passos Coelho que, se não se põe a pau, ainda aparece mais vezes na televisão do que Sócrates, sobra pouco. Filmes que apeteça ver (ou rever), nem sinal; a informação e o debate, praticamente reduzidos a futebol; e séries, as do costume com muitas repetições. Vi, estupefacta, umas cenas (que outra palavra poderei usar?) inenarráveis no canal Q (meo) com trintões – senão já quarentões - a fazer de conta que são adolescentes, nuns gags sem nexo nem humor ou numas conversas de humor (?) sem ponta do dito, mas com ar sisudo e muito intelectual, de literalmente fazer adormecer qualquer um (quem paga programação desta deveria fazer psicoterapia, ou muito sexo, ou ambos de preferência). Bem mais empolgante são os programas do Dr. Oz (SIC Mulher) que até atordoam com tanto grito histérico de senhoras pré-obesas, de revelações surpreendentes, de horror de recentes descobertas, e finalmente - qual cavaleiro em cavalo branco, de tantos “life saving” conselhos e práticas a adoptar “já”.
Há algo de perverso nestes programas do Dr. Oz. Nunca neles se equaciona a nossa condição de seres mortais e partem do princípio de que estamos todos dispostos a vender a alma ao diabo, qual Dr. Faust, por mais um pouco de vida. Vendêmo-nos por qualquer preço: x gramas de fibra diária ou 10.000 passos diários, também, medidos no pedómetro - um gadget indispensável para a filosofia de vida Oziana. Deve ser esta omissão da mortalidade enquanto única certeza da vida, e parte dela, a responsável pelas enormes audiências audiências: esta pequena mentira, esta ilusão. Como iludir a ideia da morte. Como não morrer. Nunca em momento algum daqueles programas a certeza da nossa mortalidade é reconhecida, a certeza de que um dia morreremos todos: Dr. Oz incluido. Pelo contrário, todo o pressuposto do programa está em adiar a morte, um mês, um ano, uma década, de preferência até ao infinito. Igualmente perverso são as absolutamente imperdíveis e essenciais “life saving” recomendações que temos que aprender para salvar a nossa vida e a dos outros. Se não a salvarmos, culpa nossa que não seguimos as recomendações: não bebemos sumos de vegetais, não comemos peito de galinha a todas as refeições, não fizemos a dança do ventre, não tomamos vitamina C, não soubemos fazer a respiração boca-a-boca, esquecemos os abdominais, e não desinfectamos as mãos devidamente. Hoje, tal como ontem, (só a forma difere um pouco) todos os caminhos vão dar à culpa. O programa do Dr. Oz está cheio dela. Sucesso garantido.
(continua)
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07/10/10
Era bom, isso era. O problema é que ao anunciar já essa abstenção acabavam-se por uns tempos os psicodramas políticos que são a razão de ser de Passos Coelho e os pretextos de José Sócrates. Ambos alimentos fundamentais da comunicação social (preguiçosa).
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Até acho que deveriam fazer um "reality show" em que o povo votasse as medidas. Se funciona com aspirantes a cantores, gente normal em quintas, celebridades a fazer não-sei-o-quê, gente a perder peso, aspirantes a top models, porque não funcionará com medidas de contenção de despesa do estado? Até se poderia fazer legislação assim, votada pelo povo através de sms.
(comentário deixado neste post, do Mar Salgado)
Adenda: O que há é uma enorme atracção pela espiral de anúncios, opiniões constantes, novas ideias sempre, ruído, muito ruído. A contenção na comunicação é algo que parece não existir nos partidos políticos. Com Manuela Ferreira Leite, para mal de muitos e alívio de tantos outros (nos quais me incluía) essa "tontura" comunicacional não existia. O PSD está a imitar o PS de José Sócrates, sempre a alimentar a comunicação social. Muitos já nem querem saber, dizem estar fartos da política e sobretudo dos políticos. Pudera.
O site do PSD para as sugestões de medidas de corte da despesa do estado é "giro", mas entusiasma-me pouco. Mesmo que possa ter algum mérito (terá?), não passa de mais um "gadget" político, de uma "boa ideia" (como se vivêssemos delas), para entreter políticos ou aspirantes a. No fundo todos sabemos do que Portugal precisa, das reformas estruturais fundamentais para viabilizar o país a médio prazo, e para cortar muita despesa. Algum político está mesmo interessado em as levar adiante? E se alguém estiver, o "povo" vai votá-las, ou vai fazer greve geral. O país (políticos e "povo") está sempre a inventar coisas que o distraiam do essencial.
03/10/10
Nos últimos dois dias a comunicação social tem dado eco (quase à saturação) da afirmação de José Sócrates garantindo que os cortes salariais só se aplicam à função pública. Tanta veemência afirmativa, dá-me alguma esperança do seu contrário; isto é, talvez se ouse mexer nas leis do trabalho. E sempre que seja para dar maior (ou simplesmente alguma) flexibilidade, já é bom.
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29/09/10
No dia em que medidas duríssimas são anunciadas, a visão de José Sócrates sobre o nosso país e sobretudo sobre a sua governação e as suas opções políticas continua a mesma. Exemplos: “Somos um país muito afectado pela pressão dos mercados financeiros”. “A economia em Maio estava (e ainda está) em recuperação”. “Medidas para evitar mais ataques especulativos”. “Um dos países que mais pressão sofre dos mercados”. O problema está sempre no exterior, nunca cá dentro. Aumentam-se os impostos, cortam-se alguns custos, sobre reformas já ninguém fala: no fundo nada realmente muda, se não pensarmos só no amanhã. Continuamos todos a estar cada dia um pouco mais pobres.
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28/09/10
A Velha
Diziam que era assim que os seus inimigos se referiam a Manuela Ferreira Leite, sobretudo os do PS, parece que os do PSD dobravam um pouco a língua, mas poucos do “establishment” gostavam dela.
Era “velha” porque não se deixava levar pelo optimismo plástico do nosso Primeiro-ministro, de CV invejável (*). Era “velha” porque dava mais relevo ao problema da dívida do que à promoção das energias renováveis. Era “velha” porque era lúcida e não vendia ilusões nem banhas de cobra. Era “velha” porque sabia olhar para os números, ver um sentido neles, tirar as devidas conclusões e comunicá-las com a secura e a clareza própria dos números, e sem sorrisos de quem anda permanentemente em campanha. Era “velha” porque nunca se deslumbrou com a sabedoria empacotada das agencias de comunicação, que fazem frases nas suas fábricas de especialista de comunicação e marketing político. Era “velha” porque era sólida e sabia (concordando-se sempre ou não) o rumo de que Portugal precisava.
Era “velha” porque pensava a política como um serviço e não como uma carreira (que já tinha tido). Era “velha” porque não se rodeava de “boys” e “girls”, assessores e inúmeros gabinetes de estudos; confiava em poucos e decidia muitas vezes sozinha. Era “velha” porque as frases nem sempre lhe saiam alinhadas, e a sintaxe nem sempre era perfeita. Era “velha” porque era genuína nessas falhas, e não andava à procura de popularidade. Era “velha” porque não ligava às sondagens, nem alimentava a comunicação social com gestos simbólicos ou anúncios diários ou semanais. Era “velha” porque desprezava a soberba medíocre com que os arrivistas políticos, intelectuais ou “artistas” se passeavam e se recusava a prestar-lhes vassalagem. Era “velha” porque – à moda antiga – pouco se preocupava com a sua imagem, insistindo, por exemplo, no colar de pérolas que sempre gostou do usar. Era “velha” porque nada fazia para ser “bonita”.
Era “velha” porque tinha coragem; a coragem da impopularidade e de não ceder ao mais popular e ao mais fácil. Era “velha” porque não usava demagogia. Hoje a “velha” “dá cartas”. Ao Primeiro-ministro que continua, como sempre esteve, alheado do país e do mundo e sem coragem, para falar verdade e olhos nos olhos aos portugueses - agora até arranjou alguém de fora para o fazer, e para nosso vexame e nossa tristeza, o Secretario-geral da OCDE, na sua relativa ignorância e com a usual leviandade da boa-vontade, prestou-se a esse teatrinho: fê-lo mal e despropositadamente. Manuela Ferreira Leite dá cartas ao líder da oposição que, apesar de "novo" e bem penteado ainda não percebeu que rumo quer, e que anda, qual barco à deriva, ao sabor de umas opiniões e ultimatos alinhavados no momento para benefício da comunicação social, (pondo em causa até as eventuais boas opções e trabalho sério), de umas frases ditas em comícios e das sondagens.
Com o país a afundar-se e os portugueses a assistirem tranquilos, só posso concluir que, apesar de todos os defeitos, falhas e limites, o país não merecia Manuela Ferreira Leite.
Adenda: Após releitura percebo como este CV é um excelente exemplo das maravilhas que a engenharia semântica pode fazer. Aprendam todos.
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Política
24/09/10
22/09/10
Notícias do Vazio
No “Dia Europeu sem Carros”, José Sócrates vai de metro à Feira da Tecnologia e Inovação na FIL. Determinado, sabia o preço do bilhete respondendo prontamente aos jornalistas sobre essa questão. Já outras questões não quis comentar nem responder. Com o seu ar alheado (tanto alheamento, e recusa do real, não poderá começar a ser patológico?) e com o usual optimismo que veste todos os dias para “puxar sozinho pelas energias do país” (cito de cor a sua já célebre expressão), ligou a cassete naquela parte da tecnologia e energia, um “sector optimista”, como o ouvi dizer na televisão, e fundamental para a recuperação económica do país. Num dia como o de hoje ( e como se não tivéssemos dado mais um passo a caminho da bancarrota) passou lá a manhã. Nada mais importante do que saber se os meninos têm o Magalhães ou experimentar novos gadgets do “Portugal Tecnológico”.
Cada dia se torna mais evidente o vazio do governo, o vazio da política nacional, o vazio e a farsa que é a esperança que nos impingem à força: com discursos repetidos (quais lavagens ao cérebro), retórica indignada, vitimização, propaganda e constante campanha eleitoral como se amanhã tivéssemos eleições. E cada dia que passa o rei vai um pouco mais nu, ainda. Será que os livros que José Sócrates lê nas férias (de acordo com as fotografias publicadas) não servem para nada?
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Política
Não fazia ideia que os Palestinianos eram amigos do “Queer Lisboa”. Os Israelitas que, através da embaixada, contribuíram financeiramente para o festival, são uns malandros e uns malvados. O realizador John Greyson é que “topa” estas coisas todas.
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Coisas da Vida,
Politicamente Correcto
21/09/10
Feridas de guerra, daquelas de dentro que não se vêem, e marido que se perde na guerra e que se acredita estar morto, são dois clichés das histórias de guerra que na aparência já nada trazem de novo. Resta a forma que tomam. Em “Brothers” (Entre Irmãos), um filme de Jim Sheridan, a forma é boa. Uma boa realização da qual resulta uma narrativa que nunca resvala na lamechice nem em excessos gráficos de violência ou de crueza. A narrativa é contida e escorreita, mas sempre com uma sensibilidade tocante ao mostrar que as feridas (de guerra ou não) são de todas as personagens. Bons actores dos mais velhos aos mais novos (Bailee Madison é óptima) a darem espessura ao filme.
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