06/03/08

Grande Arte

A Grande Arte de Rubem Fonseca revelou-se um livro difícil de ler, pois foi-se tornando a pouco e pouco num caso sério e complicado de amor/ódio. Quando o comecei fiquei de imediato presa e enfeitiçada com a escrita, a sua fluidez, a forma magistral como se encadeavam os diferentes planos narrativos, os desdobramentos do narrador, o ritmo, os diálogos curtos, incisivos e inteligentes, a ironia sempre presente, uma dose certa de cepticismo. Tudo parecia perfeito. O romance obriga-nos a estar atentos, prende-nos sem no entanto ser inacessível ou difícil. O enredo é uma sinfonia daquelas que requerem todos os instrumentos conhecidos, tantas as personagens, e as acções.

No entanto houve uma altura em que comecei a cansar-me um pouco, a perder algum alento e atenção numa altura em algumas cenas violentas se sucederam e me incomodaram. Não, disse para comigo, ler livros destes que perturbam, que incomodam, não vale a pena. Gostei dos primeiros capítulos, fico por aqui. E assim foi. Pus o livro de parte, sem no entanto o arrumar nas entantes, e voltei a minha atenção para outros. Mas de vez em quando via o livro e achava que tinha de lhe voltar a pegar, jurando que o faria com cuidado e evitando as cenas violentas. Assim foi, envolvi-me outra vez com a orquestra sinfónica completa que é o romance até me ver envolvida noutra cena de alguma crueza e bastante desagradável. Aí zanguei-me de vez (pensava eu). Não quero saber disto para nada. Voltei a pôr o livro de parte. Passou um ou dois meses e o livro não me deixava, não saía do meu horizonte visual, queria saber como é que ia acabar, queria outra vez envolver-me. Assim foi e decidi que iria ler o livro até ao fim.

Um bom e grande romance, com todos os ingredientes a que temos direito: personagens fantásticas, bem desenhadas e cheias de vida e personalidade, enredo complexo, mistério, crime, suspense, intriga familiar, diferentes planos temporais, histórias na história, enfim, um verdadeiro romance e certamente um dos melhores escritos em língua portuguesa dos que li recentemente (verdade que não leio muitos). Muitíssimo bem escrito. Nem sempre simpático, nem sempre agradável de ler. Violento. Almas sensíveis devem abster-se.

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