31/01/12

Tardes de Inverno 20

Gerard ter Borch (1617-1681)
Curiosity

Quem visita o meu blogue sabe o quanto gosto de pintura flamenga. Gosto sobretudo das cenas de interior: naturezas mortas ou quadros que representem o quotidiano das pessoas. Há um gosto pelo detalhe e pela composição que não me canso de reparar, e um olhar tantas vezes divertido sobre as pessoas que retratam em circunstâncias tão banais: a espreitar uma carta que se escreve, a beber, a dormir, crianças a brincar, animais por perto, enfim, qualquer acto pode ser objecto de um quadro. Neste, para além do ar atento do cão no seu banco e da cara da senhora que espreita, é impossível não nos demorarmos na forma como a saia de seda é pintada: o seu 'cair', o efeito drapeado e o brilho acetinado. Simplesmente fabuloso.

Do Pingo Doce ao Príncipe Igor

Uma das pragas dos tempos que correm é ouvir logo de manhã, mal se liga o carro, o anúncio do Pingo Doce. Deve ser o jingle mais horroroso que conheço (se houve/há pior dou graças por não me lembrar), mas acredito que seja um sucesso do ponto de vista publicitário, pois é fácil de decorar e não sai da cabeça facilmente. Um dos meus piores pesadelos é entrar num Pingo Doce e ouvir a música, não só pelo sistema de som mas também pela boca das criancinhas, normalmente meninas espertinhas e vivaças, que passeando ao lado dos progenitores entre corredores de bolachas ou de limpa-vidros, nos presenteiam com orgulhosas interpretações do “Pingo Doce, venha cá!”, olhando para as mães/pais ansiosas pelo esperado sinal de aprovação, (e não é que o recebem? havia de ser comigo...). Ao fim de dez minutos - é-me impossível estar lá muito mais tempo - saio a precisar com urgência de um antídoto. Isto é, ouvir uma música que conheça, que fique facilmente no ouvido e de que eu goste, de modo a desalojar do meu cérebro já ferido o “Pingo Doce, venha cá!” Garanto que não é tarefa fácil. 

Como tenho bom ouvido, os sons teimam em se fazer presentes, e preciso de substituto. Há uns dias, nesse exercício de substituição que já vem quase automaticamente, qual mecanismo de defesa, dei comigo no fim de semana passado a trautear as partes fáceis e que toda a gente conhece, claro, das Polovtsian Dances de Alexandre Borodin, 2º acto da ópera “Príncipe Igor". Para meu contentamento no Domingo ao espreitar o canal Mezzo para ver o que dava, vi que dali a momentos, e entre duas peças maiores, as iriam transmitir dançadas pelo Kremlin Ballet. Um regalo. 

Fica aqui o link para uma outra interpretação (mais operática e menos “balética”, se assim se pode dizer), num vídeo de boa qualidade do Kirov Opera and Ballet Theatre, que encontrei no Youtube.

30/01/12

Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2


Idas Ao Cinema


Como temos que apaziguar as inúmeras persona que nos habitam, de vez em quando há que ver um ‘filme de pancadaria’ ou, como se diz de forma mais elegante, um filme de acção. Depois deste fui ver a sequela: Sherlock Holmes: A Game of Shadows. O efeito surpresa (muito importante no primeiro filme) perde-se neste novo filme mas, com pequenas nuances do tipo gostei mais dos diálogos do primeiro filme mas gostei mais das personagens secundárias (Prof Moriarty e Microft Holmes) deste, todas as outras características que apontei neste post mantém-se e não dei o meu tempo como perdido. Se houver um Sherlock Holmes 3, lá estarei.



Num registo que me é mais próximo está Tinker, Tailor, Soldier, Spy (A Toupeira). Um filme que transborda nostalgia quer pelo seu aspecto formal (cada objecto do filme, por exemplo, evoca os anos setenta de forma estranhamente familiar) quer pela forma contida em que a narração é feita, um misto de evocação fria mas com um olhar perdido, quer pela forma como as personagens vêem o seu papel evoluir como agentes dos serviços secretos e como vêm a estrutura o papel do ‘circus’. A realização surpreendeu-me pela positiva e é enxuta mas rigorosa, as personagens são servidas por um leque de excelentes actores, e Gary Oldman merece aplauso no seu papel de um Smiley desencantado num mundo já sem heróis.

24/01/12

Porta-Aviões



Tirei esta fotografia no dia 20 quando vislumbrei, por acaso, este porta-aviões dos EUA a entrar na barra do Tejo. Fiquei surpreendida pois são poucos os que o fazem e normalmente não são dos EUA (o Charles De Gaule por exemplo). Só hoje é que estou a olhar com mais detalhe para a(s) fotografia(s) e depois de me servir do google parece que posso afirmar tratar-se do USS Bataan (LHD-5) A fotografia da Wikipédia, porque num ângulo propício, mostra melhor o tamanho e imponência destes navios. É talvez o maior que já vi entrar na barra do Tejo, mas não tão impressionante como o USS Enterprise por exemplo, que estaciona à entrada da barra. Mais um porta-aviões para a colecção. São é sempre fotografados de perfil...

Cada Vez Mais Interessante, e Cada Vez Mais Preocupante

Já há uns tempos afirmei que Miguel Relvas me começava a interessar porque onde houvesse, dinheiro, poder ou influência ela estava 'lá'. E na semana passada andou mesmo ‘lá’, a passear a sua sombra, com séquito jornalístico (das públicas RTP e RDP, claro) que cuidadosamente testemunhou, filmou e editou todo o esplendor de tal visita. Mas algo não correu bem, e um jornalista terá teimado em não ver nem perceber o dito esplendor, e é necessário que ele perceba que não foi para isso que foi ‘lá’. Que fazer? Fácil: informa-se o jornalista que já não fará mais crónicas para os meios de comunicação do estado. José Sócrates não faria melhor. Quando o fez quantas vozes se calaram que hoje falam? E quantas vozes falaram que hoje se calam? 

Não adianta; por muito que saiba, que me canse a repetir que ‘é mesmo assim’, e que realmente já não tenha ilusões, a inesgotável capacidade de flexibilizar qualquer opinião que um dia era tão forte, bem como a habilidade com que se moldam as questões ‘de princípio’, consegue levar a melhor e eu espanto-me.

Guimarães, Capital Europeia da Cultura


23/01/12

Ódio, Demagogia e Oportunismo

Ódio, demagogia e oportunismo (citando Medeiros Ferreira) são as palavras certas. E por causa delas também eu me coloco ao lado de Cavaco Silva (numa altura em que preferiria não estar). Nos tempos que correm parece que determinadas personalidades públicas não têm ‘autoridade moral’ para apelarem à austeridade, ou para constatarem em voz alta o facto de que são afectados por ela, pois quando o fazem provocam fortes reacções hostis e de repúdio que se ouvem e lêem na imprensa, televisão e blogues vindos dos mais diversos sectores da direita, da esquerda, de conservadores a até dos ditos liberais. De repente, e de onde menos esperaria, espreitam as novas virgens ofendidas perante apelos naturais e desabafos compreensíveis (mesmo que inoportunos). Conceitos como ‘autoridade moral’ e atitudes à ‘virgem ofendida’ porque tingidos de demagogia e populismo merecem-me pouca simpatia. 

Aliás nunca percebo como e quem define o que é isso de ‘autoridade moral’, quer qualitativamente quer quantitativamente. Quem é que pode apelar à austeridade ou constatar-se afectado por ela, que grupos de pessoas? Funcionários públicos? Desempregados? Professores básico? Secundário? Universidade? Empresários com empresas que dão lucros? Empresários com empresas à beira da falência? Empreendedores de sucesso? Reformados? Políticos com experiência governativa? Políticos com experiência partidária? Trabalhadores da indústria? Bancários? Banqueiros? Profissionais liberais? E a partir de que rendimentos é que se pode, ou não pode, fazê-lo? Há algum intervalo desejável, por exemplo entre o salário mínimo e os oitocentos euros? Quando não se percebe de que matéria é suposta ser feita essa ‘autoridade moral’ apregoada, é difícil evitar a demagogia, e fácil entrar naquele caminho por demais conhecido da hipocrisia, mesquinhice ou inveja. Quando se critica, por exemplo, (poderia dar outros exemplos), Manuela Ferreira Leite – por acaso, a política mais lúcida e que mais cedo apelou à necessidade de mudança de rumo do estado, tendo por isso sido alvo generalizado de chacota, nomeadamente por parte da comunicação social que nunca gostou do seu ‘estilo’ (outra palavra que, pelo menos em política, merecia ser detalhada) - dizendo que lhe falta a dita ‘autoridade moral’ para falar da austeridade porque recebe duas reformas, eu sinto-me fora do mundo. Será que com uma reforma se pode falar, mas duas não? Ou é o montante das reformas? Abaixo de mil trezentos e dezassete euros e oitenta e um cêntimos (número inventado por mim!) pode-se falar, mais do que isso já não? Ajuizar a ‘autoridade moral’ de alguém com base na presunção do que será a sua situação financeira actual é de um simplismo que arrepia. De repente uma personalidade pública com curriculum e história fica reduzida à ideia que se faz dela em função dos ordenados e/ou rendimentos que aufere. De repente começa-se a valorizar e enobrecer a pobreza e revisitando o Dr. Salazar dá-se-lhe o estatuto de detentora de ‘autoridade moral’. Sub-repticiamente e naquela ânsia tão estafada de igualitarismo não conseguimos exceder-nos e infelizmente não saímos do portuguesismo provinciano, periférico, demagógico e fácil nivelando por baixo. À pobreza, a sua virtude. Os ricos (pobres dos ricos portugueses, tão pouco ricos) simplesmente não têm ‘autoridade moral’, e são olhados com inveja e ódio. 

De repente até parece que só os ‘pobres’ (alguém defina o que são os ‘pobres’, por favor) é que podem apelar à austeridade ou dizerem-se afectados por ela. Como se os restantes cidadãos caminhassem sobre as águas sem se molharem. O facto é que, com excepção daquelas pequenas minorias de pessoas que sabe enriquecer nos períodos difíceis (crises, guerras) e dos ‘ricos’, quer os novos – ver aqui neste retrato traçado por Pacheco Pereira - quer os menos novos, ambos, segundo se diz, com depósitos nas Cayman, todos em Portugal são hoje afectados pela austeridade. São-no de formas diferentes, é certo, mas ninguém está imune, ninguém escapa. O IVA aumentou para todos, a baixa de consumo afecta as empresas (e empresários), o desemprego não abranda e já afecta todas as classes profissionais e sociais, o constante downgrading das instituições financeiras com a consequente dificuldade no financiamento das empresas e famílias afecta todos sobretudo a classe média/média alta. Pensar que a crise não chega a todos é viver fora do mundo.

João Gonçalves engoliu um sapo, mas sobreviveu. O Portugal dos Pequeninos está agora, renovado e de cara lavada, aqui.

22/01/12

Coisas que se Podem Fazer ao Domingo 67


Alberto Giacometti 
City Square



Pensar no que diríamos se a palavra 'crise' deixasse de existir.

Agora percebo porque é que só este ano recebi as minhas primeiras (duas) multas por excesso de velocidade... e sem dar por nada. Uma cartinha que se recebe em casa, um breve momento de fúria, uma confirmação dos factos (do onde e quando), e um pagamento que se faz prontamente, não vá o diabo tecê-las. Conduzo como sempre conduzi ao longo dos anos, talvez até com mais atenção à velocidade, exactamente por causa das multas... e das histórias que ouvia. 71km/hora à noite na Av. da Índia (Lisboa) e 158km/h num Domingo à hora de almoço na A1! Aliás como dizia uma amiga: ter multas por excesso de velocidade a essas velocidades é uma vergonha... Quase que lhe dou razão.

12/01/12

Dando Excessivamente sobre o Mar 62


Vincent van Gogh

Fishing Boats on the Beach at Saintes-Maries-de-la-Mer, 1888


Tentarei uma resposta (a minha) à sua pergunta, mas primeiro uma nota: o chamado “tacto diplomático” de Manuela Ferreira Leite tem o condão de se revelar ou demonstrar mais cedo ou mais tarde (que chatice!) algo de que ninguém gosta: a verdade. 

Os motivos que levam um programa de análise política a convidar … terão provavelmente que ver com as expectativas de audiências, não? Assim a frio, eu sei que prefiro ouvir António Barreto ou Ferreira Leite (por exemplo) a tantos outros comentadores ‘mais novos’ ou ‘inovadores’ ou ‘recentes descobertas’, algumas fabricadas à forca de trocas de links em blogues, e que tantas vezes pouco mais fazem do que expelir ar pela boca. Mesmo que discorde, mesmo que me aborreça algum ‘senadorismo’, mesmo que transpareça o ‘status quo’ em que todos se sentam, prefiro a densidade de um curriculum e uma inteligência rodada, à esperteza tantas vezes oca da novidade, só porque sim, ou para fazer a quota de caras novas. Acredito não ser a única, no universo dos espectadores da SICN, a ter esta preferência. Como se as ideias se pudessem renovar ou inventar com a facilidade e a velocidade com que se renovam as caras… Deixemos isso para as telenovelas. Portugal é pequeno, não há nada a fazer!

(Comentário feito ao post Contra Corrente do blogue Vida Breve)

11/01/12

Crónica Feminina 11


Maturidade

Ontem vi parte do novo programa da SICN Contra Corrente. Gostei do formato do programa, e dos convidados: todos com maturidade, (já tenho pouco paciência para opiniões inconsequentes) e pouco dados à 'histeria'; resta saber quanto tempo o formato sobreviverá e quanto tempo conseguirá (man)ter audiências. Destaco do que ouvi as reflexões sobre a política portuguesa – agora nas mãos deste governo sobretudo nas pessoas de Passos Coelho, Paulo Portas e Victor Gaspar – face à Europa e aos desafios que a Europa enfrenta. 

Mais uma vez concluo que em Portugal hoje, como ontem, não há visão, não há debate, não há reflexão, não há estratégia, não há negociação. Estamos sendo empurrados, mais uma vez para factos consumados, longe do escrutínio dos portugueses. Esta falta de posicionamento claro do pais no quadro da UE é uma das mais evidentes provas (há mais) da falta de maturidade política dos nossos governos, nomeadamente do actual, e dos nossos governantes. É prova da impreparação e falta de vontade política para enfrentar e abordar matérias complexas e que não mexam de forma mais ou menos directa determinados grupos de interesses económicos, políticos ou simplesmente partidários. É a prova da ligeireza que se escuda na subserviência e que nenhuma eficácia fiscal, que nenhum corte nas despesas A ou B, ou que empenho (que claramente aplaudo) em cumprir o acordo da Troika consegue esconder. A crise não pede só cortes nos custos e aumentos das receitas sacrificando os contribuintes, há toda uma reflexão sobre o país e, neste caso, sobre a Europa que não está a ser feita, nem por nós nem pelos nossos parceiros europeus nomeadamente a dupla Mercozy que ficará para a história como a caricatura da cegueira europeia. A falta de uma estratégia de política europeia em Portugal é gritante, mas ninguém no governo a parece ouvir.

03/01/12

Há Dias de Inverno Assim 19

David Hockney
The Field Entrance

Não foi você que pediu uma emigração?

2011 em Três Parágrafos

Numa altura de balanços do ano que passou relembramos acontecimentos que o marcaram e que ou nos parecem já tão longínquos ou que foram só ontem. Não nego que um dos melhores momentos foi o afastamento de José Sócrates do nosso governo, do nosso ouvido, do nosso olhar, mas há algo que me intriga em relação a José Sócrates: o facto de ninguém se interessar nem investiga a vida que ele agora leva, nem os meios financeiros de que dispõe para a levar. Não se pretende uma crónica para a ‘Caras’, mas sim uma investigação que nos permita esclarecer como é que um banal técnico da Câmara da Guarda que projectava ‘marquises’, que consegue uma licenciatura num Domingo e que começa uma vida política no aparelho partidário, consegue ter dinheiro suficiente para viver confortavelmente em Paris, aparentemente, sem remuneração; só estudando. Todos os dias me pergunto como é que isso se faz. Muitos gostariam de o fazer também, não? 

Outro acontecimento marcante para mim foi ver a reacção dos japoneses face à calamidade (terramoto, tsunami, crise nuclear) que enfrentaram com civismo, calma, organização e espírito solidário. Foi uma lição para o mundo. 

Finalmente a morte de Bin Laden e a forma discreta, eficaz e corajosa com que os EUA resolveram essa questão. Mereceram aplauso quer os decisores quer os homens no terreno. 

Nota: A crise, a austeridade, a dívida não foram acontecimentos de 2011. Já eram e serão.

02/01/12


Quando vejo imagens deste homem sinto logo o impulso de consultar uma enciclopédia de criminologia para tentar perceber o seu tipo psico-criminológico e esclarecer dúvidas. Será de facto um serial killer, ou um pedófilo? Um associal e marginal desprovido de qualquer tipo de skills comunicacionais? Ou será um impotente, que colecciona memorabilia da juventude de velhinhas indefesas, na solidão do seu quartinho enquanto fantasia com os crimes que ainda não cometeu. Impossível evitar pensar o pior. Para ‘Querido Líder’ (mesmo se fosse só ‘querido’ ou só ‘líder’) a sua figura é assaz sinistra e mais sinistra ainda a sua mensagem em que não pede menos do que o "defendam até à morte" e a serem “escudos humanos”. Bhrrhrrh.

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