29/11/10

Duas Surpresas

O Americano” deixou-me entediada. Um filme demasiado pretensioso onde Clooney cumpre de forma eficiente, mas não convincente o seu papel. Sobretudo se nos lembrarmos dos seus papeis em “Nas Nuvens”, ou em “Michael Clayton”, sentimos no filme uma falha. Tanta inacção cansa: o filme é “ light” demais para ser bergmaniano, e contemplativo (só porque a fotografia é excelente, senão nem contemplativo seria) demais para ser um thriller. Os parcos diálogos ou são demasiado banais sem escaparem a clichés batidos ou são irrelevantes para a quantidade de silêncio do filme, isto é, enquanto espectadores acabamos por achar que nem valia a pena quebrar o silêncio. A partir do meio do filme e depois de perceber que era aquele o ritmo e que assim seria até ao final, não parei de olhar para o relógio. Uma desilusão de filme.

Para me vingar de tanto tédio, fui ver (mais como quem faz uma promessa do que por convicção) Imparável. Depois de tanta inacção, suspirei de alívio perante tanta acção e aproveitei cada segundo do filme, porque ele não só tem acção que chegue e sobre, assente num ritmo perfeito sem vazios de nenhum tipo, como é desprovido de pretensões intelectuais, estilísticas ou estéticas com excessos explosivos de efeitos especiais. Resumindo, e com alguma surpresa: um bom filme de Tony Scott que bate aos pontos O Americano de Anton Cobijn.

25/11/10

Amanhecer 27

Hoje

Alguns momentos depois,

Não percebendo nada de fotografia, sei quanto baste para fazer esta nota: como o zoom óptico não foi suficiente, usei o zoom digital, com visível prejuízo da qualidade da fotografia. Mas como não é todos os dias que temos esta vista, valeu a pena.

24/11/10

Olho para o debate político no país e vejo um vazio povoado de exclamações, declarações, ameaças veladas – só retórica. Os líderes dão o exemplo: Sócrates hoje desapareceu, Passos Coelho titubeou. Estão muito preocupados consigo próprios, num dia em que a greve geral paralisa o país. De um lado e de outro enunciam-se os estragos, contam-se os números, repetem-se palavras de ordem, algumas demasiado desgastadas e outros tempos. Inventam-se boas estratégias para fugir do real.

Esperamos todos, uns mais bem sentados do que outros (um dos muitos exemplos que facilmente se encontram), que chegue o dia em que alguém venha resolver os nossos problemas. Parece que a chuva parou.

Agora Sim, Está Tudo Explicado


Bonham Carter co-starred with Pride and Prejudice actor Matthew Macfadyen in BBC Four biopic Enid, which offered an unflinching view of the Famous Five author's difficult childhood, portraying her as an inadequate mother to her two daughters. Só depois de ter visto o filme (Bonham Carter merece o prémio seguramente, e o filme é realmente um duríssimo retrato da autora) percebi porque a minha avó, senhora de muitas leituras e grande biblioteca, não gostava de Enid Blyton e nunca me encorajou a lê-la.

22/11/10


Na National Gallery em Londres. Um museu de entrada livre e (paradoxo) sem demoras para entrar como as que encontramos noutros museus em que se paga o acesso (Louvre, Prado, Uffizi, aqueles em que mais tempo perdi para entrar). A National Gallery é um museu muito "informal" e muito acolhedor, sem imponências ou multidões intimidantes onde se anda com facilidade entre salas, entrando, saindo, voltando a entrar e demorar o tempo que se quer onde se quer. Mais uma vez pude ver turmas inteiras de crianças e jovens com os respectivos professores a explorar o museu, a discutir as obras e a desenhar ou pintar empenhadamente, sentados ou deitados no chão. Por curiosidade olhei para os desenhos de muitos deles e, não sendo competente para avaliar como o são os professores, fiquei admirada com a expressividade e movimento de muitos dos desenhos, e o entusiasmo com que as crianças os faziam e mostravam aos professores.

Na National Gallery mata-se a fome (sim, fome é uma boa palavra), nas salas do séc. XIX, dos "românticos ingleses": de Thomas Gainsborough e dos seus retratos, dos céus de Constable e claro, da forma única de captar a luz de Turner. Estes pintores são presenças assíduas neste blogue e foi com renovado gosto que os revi.

Pagando, é possível, até 16 de Janeiro, ver uma exposição intitulada Canaletto and His Rivals, onde o olhar ao longe se repousa na harmonia das proporções, na simetria que se insinua, no rigor arquitectónico, e ao perto se perde na evidência do perfeccionismo, na surpresa das expressões, no insólito do detalhe, na abundância. Puro prazer.

Là-bas, Je Ne Sais Pas Où... 10

Canaletto
Interior of The Rotunda at Ranelagh

20/11/10

Obama Escrutinado


Nestes dias de escrutínio febril a Obama, quem Obama beija, o que é oferecido a Obama, a forma desportiva como Obama desce as escadas do avião, como é em cada ínfimo detalhe o carro de Obama, quem viu Obama, o cão de Obama, eu também quero deixar o meu contributo à operação “Escrutinar Obama”, um eficaz ersatz para a ausência de ideias e debate político que se vive neste nosso país que não consegue deixar de se inchar com os “eventos”, as coleiras de cortiça para cães presidenciais e a clutch Croco Maya (com um nome desses eu tinha vergonha, mas adiante) oferecida a Hillary Clinton.

Eu já tinha visto Obama assinar (nomeadamente na sua tomada de posse), mas nunca tinha percebido a desilegância do seu gesto e a forma absolutamente anormal de pegar na caneta e de contorcer o pulso (a televisão mostrou a sua mão em primeiro plano). Sim, percebi que era canhoto, mas desde quando ser canhoto é desculpa para seja o que for? Também sei que hoje o acto de escrever não é como era no(s) tempo(s) em que o teclado não fazia parte da vida de cada um de nós - hoje funciona já como um prolongamento do nosso corpo (tal como o telemóvel). No entanto, o acto e gesto de saber pegar numa caneta ou num lápis e de o usar a escrever, e de escrever caracteres harmoniosos faziam parte de uma arte chamada caligrafia. Os professores na primária ensinavam a pegar no lápis. Eu, sei que fui uma excepção, fiz a primária numa escola em que me obrigaram a desenhar as primeiras letras com uma pena e tinta. Depois passei para caneta de tinta permanente e assim fiz toda a primária pois a esferográfica era proibida – política da escola. Era um pesadelo, e eu era desastrada sujando tantas vezes cadernos e trabalhos, mas aprendi a pegar no lápis e essa disciplina e trabalho de contenção e rigor, nunca me prejudicaram. O gesto correcto não é só mera convenção ou bazarrice, é mesmo a forma que permite o mais natural e eficaz manuseamento do lápis/caneta e melhores resultados nomeadamente no desenho. Se um político tem aulas de dicção, "aulas" de estilo, não pode ter aulas de como pegar numa caneta e assinar documentos oficiais em público?
Nas escolas agora não se perde tempo a ensinar a pegar no lápis (a imagem vem daqui, mas uma busca rápida permite ver que opções de imagens e "dicas" não faltam) e vemos gestos tão maus ou piores do que os do Obama, e caligrafias aberrantes. Mais tarde na secundária e na faculdade os professores queixam-se. Mas tanta exigência e disciplina prejudica a livre expressão das criancinhas e a aprendizagem e imposição de regras e de técnicas restringe a liberdade e criatividade. Depois ficam todas a escrever como Obama. Se calhar é isso que querem.

12/11/10

Amanhecer 26

Hoje

10/11/10

Era uma Vez

Creio que todos temos uma “to do list” que inclui visitar os locais que queremos conhecer, aprender certas matérias, praticar esta ou aquela actividade, ler determinados livros, ver determinados filmes, rever amigos, organizar um jantar, etc. Essas listas não são fixas: há itens que vamos abandonando outros (em menor número) que vamos acrescentando. Os interesses mudam, as aspirações também e sobretudo a “imprescindibilidade” tão vincada aos vinte anos vai-se diluindo coma passagem dos anos e tornando-se num conceito mais vago, e nós, cada vez mais “filósofos”.

Ver o célebre filme de Sérgio Leone “Once Upon a Time in América” era uma coisa a fazer que – não sei bem porquê – fui protelando, ou nunca calhou, nem eu sei bem. Não vi o filme quando ele saiu e, por estranho que pareça, só agora o vi. E cada segundo valeu a pena. Uma obra de fôlego, (eu gosto de filmes grandes, livros grandes...), uma história de gentes que com esforço, imaginação e cumplicidades encontra uma forma de sobreviver - até de fazer muito dinheiro mas que, um dia, paga o preço por essa ousadia. Há sempre um preço que vem com o sucesso dessa ambição de sobrevivência que atropelou o mais comum viver. O reencontro com a música (de arrepiar) de Ennio Morricone – que atinge a perfeição neste casamento com “Era uma Vez na América” - dá o tom ao filme, agita a nostalgia e permite que as cenas de dura crueza e violência possam ser vistas por nós com o incómodo próprio do realismo e não com o mais reconfortante choque que a pura fantasia e exagero permite. O filme funciona como um barómetro do grau de humanidade (lealdade, solidariedade, respeito, fidelidade, compaixão, confiança, amor...) que a escola de sobrevivência permite a quem nela se educa. Sem ilusões, sem fantasias sobre "os afectos", sem rodriguinhos.

Já me tinha esquecido que Robert de Niro era um bom actor. Foi bom relembrá-lo. Filme a rever em breve.

07/11/10

A Esposa

E não é que as televisões teimam em falar na "esposa" de Hu Jintao...

Coisas que se Podem Fazer ao Domingo 56

Donatello
Lamentation Over the Dead Christ


Reconhecer Cristo na escultura.

A Cristandade

Depois do sucesso (medido em números) que foi a visita de Bento XVI ao Reino Unido e a Portugal, a imprensa (RTP, com Rosa Veloso, não continha a excitação) faz eco da aparente “desilusão” (medida em números) que marcam esta visita do Papa a Espanha. Ao passar os olhos pela imprensa parece que – paradoxo dos paradoxos - no coração da cristandade os gays de Barcelona foram os que mais se mobilizaram com esta visita...

Ainda me espanto com a capacidade de mobilização “anti-papa” e genericamente “anti-cristianismo" de certos grupos face a instituições que nada lhes dizem. Lembrei-me de algo que aconteceu em Londres na minha recente visita à National Gallery. Estava um grupo de crianças sentado à frente de uma famosa pintura de Caravaggio, (The Supper at Emaus), e o professor interpelava animadamente os alunos sobre ela. As crianças estavam atentas, motivadas e levantavam o braço para poderem intervir explicando as emoções que o quadro lhes transmitia e eu fiquei um pouco ali também a partilhar o entusiasmo do professor e adesão dos alunos. De repente ouço-o explicar que Jesus era o senhor que estava com cabelo comprido e no centro do quadro, e que Jesus é muitas vezes retratado assim e às vezes até com barba. Em Londres, outro centro da cristandade (o berço do Anglicanismo) um professor explica às crianças quem é Jesus num quadro. Olhei melhor: as crianças eram inglesas “caucasianas”, não havia naquela pequena turma crianças de outra origem étnica que nos fizesse pensar que seriam “não cristãs”. Fiquei quase atordoada. Eu creio que nasci a saber reconhecer Jesus em qualquer quadro ou representação e esse ensinamento do professor – muito pertinente, não duvido – foi como um choque: nunca me tinha ocorrido, como um dado adquirido, que no mundo cristão era preciso ensinar quem era Cristo e como se reconhece Cristo numa representação.

Depois li Filipe Nunes Vicente neste post: está tudo dito.

04/11/10

"Portugal não precisa de qualquer ajuda. Conseguimos resolver os nossos problemas sozinhos. Apenas precisamos que os mercados entendam que estamos a fazer o nosso trabalho [na redução do défice]". O Mercado entendeu, entendeu bem melhor do que José Sócrates supunha, e por isso subiu a taxa de juros. Torna-se penoso ver, uma vez, e outra, e outra, e sempre, JS a esbarrar com a realidade, e ver que nem assim ele aprende. Que Primeiro-ministro mais patético!

Velas 24

Hoje

03/11/10

Maus Tempos

O OE foi finalmente aprovado pelo Parlamento, para tranquilidade da maioria dos portugueses, (sim eles querem o OE aprovado) e depois do que considero ser um dos mais lamentáveis episódios (que durou dois meses e meio) políticos que o país já viveu. Ao Primeiro-ministro já não lhe sobra credibilidade nem política nem pessoal e ficou ainda mais à deriva quando lhe tiraram a propaganda de que ele e o seu governo sempre se alimentaram. Não poder anunciar TGV, Magalhães para todos, mais um hospital ou mais subsídios e ajudas, é porem em causa a sua essência política feita de plástico e néons. José Sócrates existe porque anuncia, porque vive da propaganda, da imagem. Hoje creio que sobram poucas dúvidas e poucos iludidos. José Sócrates é incapaz de um pensamento político a médio prazo (já nem falo a longo) coerente e que sirva a realidade do país e não a fantasia virtual em que ele escolhe acreditar para prejuízo de todos nós.

Passos Coelho, infinitamente melhor do que José Sócrates, note-se, não é também, e infelizmente, um líder partidário com solidez (e estofo) necessária para os desafios que o país tem pela sua frente hoje. Vive, como parece que agora se vive, da imagem, dos comunicados, das afirmações e ameaças, dos avanços e dos recuos. Também ele, criado num viveiro partidário, e relacionando-se com dois ou três pessoas iguais a ele, está um pouco distanciado do país real. Não fosse isso já teria percebido, ou já lhe teriam dito e feito perceber, que os portugueses estão fartos da política, dos políticos, dos movimentos, posicionamentos e jogadas políticas, que decididamente não servem os seus interesses nem os do país. Nunca a credibilidade dos políticos foi tão baixa, e nunca os políticos nos deram tão poucas razões para serem respeitados como agora.

Não sabem o que é a contenção, e nem a usam, preferindo as declarações à porta de seja onde for que estejam, ao ponto de nos saturarem e de não os querermos ouvir mais. Confundem perder uma troca de palavras com o uso da moderação. Enrolados em imagem e retórica (às vezes mais simples, outras mais subtil) esquecem a rectidão e o respeito pela palavra dada e pelo acordo livremente celebrado. É impossível não pensar em como Manuela Ferreira Leite tinha (e tem) razão: o PSD tinha anunciado o seu desacordo em ralação ao OE, mas também a sua viabilização por motivos de interesse nacional. Imagine-se o que isso não nos teria poupado de psicodrama político, de casos feitos de nada, de constantes medições de força, de propaganda. Mas os deuses assim não quiseram e, para nosso prejuízo, quem do exterior olha para Portugal não está impressionado com o que vê. Bem pelo contrário como hoje ficou demonstrado em mais uma emissão da dívida. Que não haja ilusões, ainda não se descobriu melhor mecanismo do que o mercado em funcionamento para avaliação de risco. De pouco adianta aprovar o orçamento se os sinais (as omnipresentes e abundantes declarações), nomeadamente os discurso no Parlamento revelam algo de esquizofrenia (ver o de Aguiar Branco ontem). Ainda o OE está quente a ser votado no Parlamento e a propaganda já começa. Como se não bastassem os maus dias de esforço e maior pobreza que nos esperam, maus tempos políticos se avizinham também. Populismo, demagogia, propaganda a rodos. Ninguém será contido, e tudo se espera de José Sócrates. Haja muita paciência e capacidade para manter a cabeça bem fria e sempre no lugar. Amén.

02/11/10

Dando Excessivamente Sobre o Mar 55

Édouard Manet
Rochefort's Escape

Um Mau Presságio

Há uns dias peguei, à pressa, no primeiro livro que me apareceu à frente: tinha acabado de ler um e – rigorosamente - precisava dum livro naquele segundo e ainda não tinha decidido o que ler “a seguir”. Calhou ser um policial velhinho, o nº 155 da Coleccção Vampiro. E calhou ser A Janela Alta de Raymond Chandler, com o seu detective Philip Marlowe. Li centenas de policiais, sobretudo na minha juventude, hoje leio poucos apesar de aguardar sempre com interesse o que P. D. James ainda escreve, (os que escreveu, já li todos) mas não me lembro de ter lido Raymond Chandler. E tenho pena pois percebo que teria gostado mais então do que agora me vejo a gostar. Um livro que deveria ser lido em três ou quatro dias, (no máximo) não me sai literalmente das mãos. Leio vinte páginas e fico meio parada a querer fazer outra coisa e a perceber que não há maneira de sentir aquele embalo próprio dos livros que nos faz querer ler mais e pensar neles quando não os lemos seja por que motivo for. Então num policial era – assim me lembro - grande essa ânsia de ler e de saber o que é que se vai passar a seguir, perceber como a intriga se vai construindo e depois como se vai desenrolando.

Não estamos a falar de grande literatura, eu sei, falamos no entanto de clássicos da literatura policial, e eu gosto de tudo o que tenha “literatura” e/ou “clássico” na descrição, e não desprezo tão pouco o qualificativo “policial”. Sinto-me desconfortável e desconfio da minha reacção a este romance que teima em demorar a ser lido e que o é mais com um olhar curioso e desprendido do que com um olhar cúmplice. Olho à minha volta e olho para mim. Mais desconfiança. Temo seriamente que seja um sinal de inocência perdida. Evidentemente um mau presságio.

Arquivo do blogue

Acerca de mim

temposevontades(at)gmail.com