29/03/07

Uma pausa

Este blogue vai de férias. Regressará depois da Páscoa ao seu usual. Se tiver oportunidade postará uns postais ilustrados...

Ecce Homo

Caravaggio (1563-1610)
Ecce Homo 1606

28/03/07

Combate ao Sedentarismo 14

Roxo

Antes da era dos centros comerciais, quando a televisão era a preto e branco, e não existiam nos mercados os frutos de estufa todo o ano, nem as pessoas andavam bronzeadas em Fevereiro depois de ir para o Ski ou para o Brasil, o ano era dividido em estações. Tinham cheiros diferentes, cores diferentes, sabores diferentes. Esta época era a altura do roxo e do lilás. Era a Quaresma: os mais católicos jejuavam e a abstinência de carne era prática corrente entre todos. Com o aproximar da Páscoa e os primeiros dias de sol os campos fazem-se roxos - diziam-me quando era pequena, que ficavam assim porque nos aproximávamos da Paixão do Senhor, e eu, que nunca acreditei no Pai Natal, nem no coelhinho da Páscoa percebia pouco esse nexo de casualidade. Mas gostava de ver o roxo das flores com o verde fresco e forte do Minho. As igrejas também se preparavam para a grande festa, enfeitavam-se de flores em tapetes coloridos no chão e em múltiplos arranjos para cada altar. Só depois se vestiam também de roxo quando, na Sexta-feira Santa se cobriam todas as imagens para a via-sacra.

27/03/07

Abstracto


He told them they didn’t have to worry about what the arrangement actually looked like: “interpret it,” he told them, “this is a creative art”. Unfortunately, saying that sometimes led to his having to tell someone, “You know, maybe you shouldn’t make the vase six times larger than the teacup.” “But you told me I should interpret it” was invariably the reply, to which, as kindly as he could, he in turn replied, “I didn’t want that much interpretation.” The art-class misery he least wished to deal with was their painting from imagination; yet because they were very enthusiastic about “creativity” and the idea of letting yourself go, those remained the common themes from one session to the next. Sometimes the worst occurred and a student said, “I don’t want to do flowers or fruit, I want to do abstraction like you do.” Since he knew there was no way to discuss what a beginner is doing when he does what he calls an abstraction, he told the student, “Fine - why don’t you just do whatever you like,” and when he walked around dutifully giving tips, he would find, as expected, that after looking at an attempt at an abstract painting, he had nothing to say except “Keep working”.

Philip Roth, Everyman

Uma ideia da Europa 7

O Piano. Os instrumentos musicais. Os Estudos, as Fugas, os Nocturnos as Sonatas. A música de Câmara. Os românticos: Chopin, Schumman, Schubert, Lizt... Os grandes compositores e os grandes interpretes.

(Nota: o piano da fotografia é manufacturado pela Steinway & Sons. O Senhor Steinway era Alemão mas em 1850 foi para os Estados Unidos. Provavelmente o piano fotografado não é Europeu, mas a fotografia é bonita!)

26/03/07

Combate ao Sedentarismo 13

Incoerências 2

Afinal não consegui ver o concurso “Os Grandes Portugueses”, não resisti mais de meia hora. Hoje de manhã bem cedo, com curiosidade, fui ao site da RTP para ver o resultado. Nada. Fui ao site do concurso. Nada. Então, ninguém se entusiasmou? Tanta emoção, tanta vontade, tanto voto e ninguém se congratula com o vencedor? Nem a promotora do concurso que, até agora, não disponibiliza os resultados no seu site? Nem sei o que é pior, se o resultado da votação se o silêncio tipo: vamos todos ficar quietinhos, pode ser que passe. Soube o resultado aqui.

25/03/07

Em Flor 14

John La Farge, 1835-1910
An Orchard in Bloom at Paradise, 1865

Incoerências

Não consigo entusiasmar-me com o concurso “Os Grandes Portugueses”. Tem um lado pedagógico que me irrita querendo “ensinar divertindo”, querendo formar o público num programa de entretenimento, “popular” e interactivo porque as votações estão abertas ao público. Este querer ser tudo não me interessa, e sou incapaz de ver o programa. Aprender e divertir são conceitos que raramente andam de mãos dadas, aprender está para além dessa noção mais imediata de divertimento. E a produção de “Os grandes Portugueses” remetendo a parte “pedagógica” para horários mais tardios estabelece bem as suas prioridades. Tenho, no entanto, lido comentários em relação à forma como o programa/concurso se tem desenrolado e ao estado das votações. Votar em Salazar ou em Cunhal pode, mais do que exprimir uma opção coerente de quem vota, ser uma forma de provocar e trazer ruído ao programa. De qualquer forma, dificilmente eu acredito que estas votações possam ser objecto de alguma conclusão mais “científica” e que tenham algum significado (pelo menos no sentido estatístico) sobre a forma com que hoje olhamos e valorizamos os Grandes Portugueses.

Dito isto, hoje sou capaz de espreitar a grande final! Se votasse em quem votaria? Difícil. D. Afonso Henriques porque foi o primeiro. D. João II pela inteligência, visão e estratégia. Vasco da Gama porque alargou horizontes. Apesar de conhecer, ler e admirar a obra de Luís de Camões e Fernando Pessoa nunca votaria num escritor por causa da sua obra escrita. A Aristides Sousa Mendes falta-lhe a dimensão, e a votação não é sobre o “melhor”, mas sobre o “maior”.

24/03/07

Uma ideia da Europa 6

Jan van der Heyden, 1637-1712
(vale a pena clicar para ver melhor)

A Pintura. A Flandres. O mar, os portos, o comércio, a burguesia. O protestantismo, o catolicismo, o judaismo.

23/03/07

O Véu Pintado


Para quem for viciado em tons nostálgicos e neblinas, para quem gosta da China e, claro, para quem gosta de ver uma boa história de amor (nota: os corações mais sensíveis derramarão uma ou outra lágrima). Boas interpretações, uma fotografia de regalar os olhos, música envolvente, subtileza e delicadeza no desenho das personagens e na evolução da história. Não é uma obra-prima, mas é um bom filme que se vê com prazer.

Em Flor 13

Vincent van Gogh
Orchard in Bloom with Poplars, 1889

22/03/07

Má Educação

Já passaram uns dias sobre os incidentes mais mediáticos no CDS-PP, e olho para eles, bem como para os seus antecedentes mais e menos próximos, de uma maneira diferente. Para além das motivações políticas e partidárias, mais ou menos louváveis, para além da ambição, mais ou menos legítima, eu sinto-me tentada a vê-los como um caso de pura e simples má educação. Claro que ninguém valoriza especialmente a boa educação, talvez por isso se ache normal ou natural este tipo de guerra interna que já dura há tempo de mais e ache igualmente naturais e normais os confrontos mais recentes que têm sido objecto de riso generalizado.

O Inimigo (*)

Belmiro de Azevedo é talvez o caso de sucesso do capitalismo português em democracia mais representativo das últimas décadas e por isso um puro produto do pós 25 de Abril. Ambição, determinação, rigor e muita contenção nos custos fazem parte da sua imagem de marca. O actual governo, na pessoa do primeiro-ministro José Sócrates comprou um inimigo pela forma como geriu (impediu) o dossier OPA. Os primeiros sinais foram dados ontem e hoje a guerra começou. Prevejo dias difíceis para José Sócrates.

(*) título roubado aqui

Combate ao Sedentarismo 12

21/03/07

Vida Vivida





Everyman. Um livro escrito da morte e para a morte, e por isso repleto de vida, de uma vida vivida. A inconfundível escrita de Roth em que cada palavra, cada frase tem um peso e densidade muito particular e uma grandiosa beleza. O ser (verbo e não nome) humano em toda a sua plenitude, seu pathos, seu fado: a infância, o sexo, a morte. O facto de ser uma narrativa escrita, apesar de introspectiva e intimista, na terceira pessoa é, neste caso, interessante porque sempre um pouco perturbante. Nada em Roth é light, cada unidade semântica é uma porta que se abre, um ponto de partida, um mote.

Nothing could extinguish the vitality of that boy whose slender little torpedo of an unscathed body once rode the big Atlantic waves from a hundred yards out in the wild ocean all the way in to shore. Oh, the abandon of it, and the smell of the salt water and the scorching sun! Daylight, he thought, penetrating everywhere, day after summer day of that daylight blazing off a living sea, an optical treasure so vast and valuable that he could have been peering through the jeweler’s loupe engraved with his father’s initials at the perfect, priceless planet itself - at his home, the billion-, the trillion-, the quadrillion-carat planet Earth! He went under feeling far from felled, anything but doomed, eager yet again to be fulfilled, but nonetheless, he never woke up. Cardiac arrest. He was no more, freed from being, entering into nowhere without even knowing it. Just as he’d feared from the start.
Philip Roth, Everyman

20/03/07

Em Flor 12

Ando Hiroshige, View of Arashi-Yama,
from the series Famous views in Kyoto

19/03/07

Na semana passada foram os Isqueiros. Esta semana é o ALLgarve. E para a semana? De que mais se lembrarão as cabeças pensantes e criativas do nosso país e/ou dessa ideia de Europa alheia a tantos de nós? E ainda dizem que em Portugal não se passa nada!

Uma ideia da Europa 5

O pão, o tomate e o presunto. As coisas simples, o prazer, o calor, a siesta, os amigos, a mesa, o vinho. O campo.

18/03/07

Combate ao Sedentarismo 11

Chegou a reforma consular e eu quero acreditar na sua bondade e, no meio da dança do fecha, não fecha, quero sobretudo acreditar que se encontre forma de tornar mais fácil a vida dos portugueses no estrangeiro. Nos dias de hoje não é necessária a presença no local para assegurar eficácia: mas veremos. Ser português nem sempre é motivo de grande alegria ou orgulho, mas lidar com consulados faz tremer e diminuir o (frágil?) fervor patriótico em cada um de nós. Coisas simples como o pedido de certidões, a autenticação de traduções de documentos, a renovação de documentos, podem tomar proporções épicas... Deparamos com um muro: horários de atendimento inaceitáveis, telefones que nunca são atendidos, atendimento pouco civilizado e que nada ajuda, filas para qualquer coisa, lentidão, ineficácia, burocracia, má vontade, favoritismo. Poderia citar casos diferentes em países diferentes para ilustrar o pesadelo que tantas vezes é precisar de um serviço consular português no estrangeiro.

16/03/07

Em Flor 11

Alfred Sisley, 1839-1899.
Orchard in Spring 1881

15/03/07

Uma ideia de Europa 4

Madame Bovary, os grandes romances do séc. XIX, as línguas europeias, a Literatura, a Literatura, a Literatura.

14/03/07

Basta!

Num Portugal como o nosso feito de pequenez, habituei-me a sorrir da idiotice, do golpe e do provincianismo pomposo que abundam e espreitam por qualquer canto, de preferência mal iluminado. Mas há alturas em que pequenas coisas, por exemplo, frases feitas pelos especialistas de marketing, ou pelos psicólogos sociais, gurus de tanto quadro de chefia e político nacional, me irritam demais e impelem a dizer “basta!”. Basta de me tomarem por parva. Pago os meus impostos, poupo água, apago as luzes, não deito pastilhas elásticas para os passeios, voto sempre, gabo as belezas naturais (as que ainda existem) do meu país, sou de um comportamento cívico exemplar, por isso revolto-me com a ofensa diária que sobretudo os políticos fazem de sistematicamente me tomarem por parva. Ele é o “Cartão do Cidadão” que nunca servirá para que se cruzem dados abusivamente, ele são os SISIs, ele são os novos preços dos medicamentos, os novos impostos automóveis (em que o contribuinte acaba sempre a pagar mais), a OTA, enfim poderia continuar mas poupo esse esforço.

Desde ontem que uma expressão, a propósito do afastamento de Paolo Pinamonti do Teatro Nacional de S. Carlos, não me sai da cabeça pela estupidez - e cupidez (?), enfim, todo um tratado do pior que há no nosso país - que encerra: “Turismo Cultural”. Oh Deus! Que é isso? Até hoje turismo cultural têm sido uns viras corridos dançados no Algarve para turista ver, ou um passeio até aos Jerónimos, o Castelo de S. Jorge (que só tem a vista como recompensa para tão grande subida), alguns turistas mais exigentes vão ao Museu Nacional de Arte Antiga, e no norte o turismo cultural resume-se numa ida a Gaia às caves do vinho do Porto beber uns copos à borla, e um passeio pela Ribeira de guia na mão a tentar perceber o que é que é suposto não deixar de ver e apreciar. Esta gente julga o quê? Que Setúbal é Salzburgo? Viana do Castelo é Antuérpia? Que Lisboa é Viena? O Porto é Milão? Braga é Praga? Coimbra é Heidelberga? Évora é Nápoles? E Faro Barcelona? Já nem falei de Londres, Paris, Nova Iorque, Roma, Berlim, Madrid, Amsterdão...

Há uns anos chamaram cá (Cavaco Silva, o então PM) Michael Porter, o economista guru das Vantagens Competitivas das Nações para que elaborasse um relatório sobre as vantagens competitivas de Portugal. Claro que se pagou o relatório, que foi rapidamente engavetado e poucos políticos decisores o devem ter lido com alguma atenção crítica. Na altura da apresentação das conclusões lembro-me de se ter falado em alguns “clusters” para Portugal, nomeadamente o vinho, o turismo, cortiça. Será que este governo nas pessoas do Primeiro Ministro da Ministra da Cultura e do Secretário de Estado, estarão com vontade de repescar o “cluster” do turismo alargando e expandindo o seu âmbito em dimensões nunca anteriormente sonhadas? Se sim, desenganem-se, pois salvo uma pequeníssima minoria, ninguém vem a Portugal pela cultura. Vêm pelo clima, (que também é o que nos prende tanto cá) vêm pelo sol, pelo golfe, pela comida pelos friendly locals, mas pela cultura? Desenganem-se: a produção do S. Carlos, da Gulbenkian, da Casa da Música é para nós portugueses que vivemos cá e que não vamos (pelo menos como regra) ao Metropolitam, ao Scala, a Covent Garden ou à Opera Garnier (ou à Bastille). Se o que nos oferecerem esgota as salas é sinal que o mercado, sem turistas, aguenta mais oferta: ofereçam então que a procura é maior!

Combate ao Sedentarismo 10


13/03/07

Em Flor 9

Sacramentum Caritatis

Na Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis (notícia aqui no Público, outra aqui na BBC, entre muitas), documento sobre o Sacramento da Eucaristia, é reafirmada a obrigatoriedade do celibato no clérigo, e reafirmada a exclusão da comunhão de católicos divorciados e casados de novo, católicos a viver em união de facto, nomeadamente casais homossexuais (valores não negociáveis, segundo Bento XVI). Este texto, embora não surpreenda nenhum católico, que finalmente (re)vê o já conhecido Cardeal Ratzinger, funcionará como um balde de água fria nos sectores católicos que esperam desde o fim do Concílio Vaticano II uma mudança gradual de algumas orientações de Roma no que diz respeito à moral privada dos católicos. Todo um sector que aguarda uma pequena abertura em relação ao celibato dos padres, uma flexibilidade em relação ao divórcio, contracepção, sabendo que assuntos como a ordenação das mulheres ou uniões de facto homossexuais ainda terão que esperar mais.

Este documento é muito importante no que tem de reafirmação e inflexibilidade no rumo da Igreja e deixará um amargo de boca em muitos sectores mais liberais que gostavam de sentir que, apesar de devagar, a Igreja se move. Bento XVI, inteligente teólogo, hábil político e defensor inequívoco da sua Igreja (no sentido lato) é, sem surpresas, reafirmo, intransigente nas polémicas questões da moral privada dos católicos que tanto os mantém afastados das Igrejas, e que tanta dissonância cria de cada vez que um Bispo ou um Padre ousa clara e abertamente afirmar a sua discordância em relação ao Papa. Não hão-de faltar polémicas em torno deste texto sobre a Eucaristia.

Ainda não li o texto todo disponível em Português aqui, mas, com tempo o farei.

12/03/07

Uma ideia de Europa 3

Ferrari Testarossa. O Design, a criatividade, o estilo, a marca, a tradição, o supérfulo.

11/03/07

Em Flor 8

Charles Conder 1868-1909
Springtime 1892, Oil on canvas

Déjà Vu

Nunca me abandonou a sensação de “déjà vu”, ou de um sonho antigo já muito sonhado, ao ver o mais recente filme de Soderbergh “O Bom Alemão”: o preto e branco dos filmes cansados de há muitos anos e de tanto serem vistos, o grão irregular da película, o branco chocante, a música épica, os jogos de sombras nas caras, desde Eisenstein, e que a cor não permite, a mulher fatal dividida entre a sobrevivência e o dever, relegando o amor para um estatuto de luxo dispensável, a boca feminina sempre bem maquilhada lembrando Garbo, as pestanas longas lembrando Dietrich, o jovem que se crê adulto, o adulto que crê, o inocente no meio dos culpados, a luta pela sobrevivência dos que perdem, os jogos de poder de quem ganha, as vítimas que impedem a tranquilidade de todos, o fazer da Cortina de Ferro, os mais altos interesses das Nações, a cena final: o chapéu, o perfil, a subida para o avião. Tudo isto já visto vezes sem conta, esta foi mais uma. E fica a sensação de que foi esta viagem na memória que Sodebergh nos quis dar.

10/03/07

Uma ideia de Europa 2

A Catedral de Lincoln, em Inglaterra. A Idade Média. A Magna Carta. O Gótico. Os Cânticos Gregorianos. A reforma. Church of England.

Gostei de A Questão Europeia aqui.

09/03/07

Em Flor 7

Lucien Pissarro 1863-1944
Amendoeiras, Le Lavandou 1923

Uma ideia de Europa

Pandoraand The Flying Dutchman

Nos últimos anos está na moda falar em Caixa de Pandora nas mais variadas circunstâncias. Eu gosto da história de Pandora, a ideia de que algum dia todos segredos e todos os males possam ter estado fechados numa caixa é sedutora, tanto como é compreensível a curiosidade que levou a que se abrisse a caixa. Hoje, a propósito de um manual Europeu de História para o ensino, vem de novo a imagem de Pandora, mas parece-me que neste caso se trata não de abrir uma caixa, mas sim da intenção de fechar de novo os males e segredos numa caixa, ou seja num manual de História. A decisão de saber o que é um mal, um flagelo, um segredo, de saber quais os relevantes e em que proporções, de modo a não ferir susceptibilidades nacionalistas, étnicas ou políticas é que será interessante e seguramente objecto de clivagens, discórdias, desentendimentos. Os bons valores comuns europeus seriam exaltados e valorizados se se estudasse mais arte, mais escultura, mais pintura, mais arquitectura, mais música, mais literatura, mais teatro, mais ópera, mais mitologia, mais filosofia. Depressa se tornaria irrelevante a ideia de um manual de História comum.

07/03/07

Em Flor 6

“A pedido”

Com a vitória do “sim” à pergunta muito clara e objectiva sobre a despenalização do aborto “a pedido”, torna-se difícil querer contornar e arredondar o “a pedido”. Durante a campanha quando ouvia aplauso em relação à moderação do sim, percebia que nada poderia ser moderado com a expressão “a pedido”. Assim tudo o que seja aconselhamento, período de reflexão, vai contra o espírito inegociável, definitivo e voluntarista do “a pedido”. Consulta médica obrigatória, em que se explique o procedimento médico, seus riscos, as opções futuras de contracepção, e a opção de a mulher até ao último momento se recusar a fazer o aborto, parece-me evidente. Ponto final. Mais do que isso parece-me ir claramente contra o espírito da lei e da vontade de quem votou “sim”. Poderia existir mas só como opção, uma consulta de acompanhamento psicológico, de aconselhamento social, um período de reflexão, não só para aliviar as consciências dos que votaram “sim, mas”, mas para ampararem as mulheres que de facto se sentirem mais perdidas, inseguras e desamparadas nestes momentos. De qualquer forma a rapidez é um (o?) elemento fundamental para as mulheres que decidem a abortar, e embrulhar o processo com excessos de aconselhamentos tirará as mulheres do “estabelecimento legalmente autorizado” para o tão mítico “vão de escada” (que mais não será do que uma clínica privada, dessas que já existem, mais ou menos luxuosa): não há nada de politicamente correcto num aborto por isso o melhor mesmo é tentar parar de encontrar uma formula mágica que lhe devolva o que não tem. A proposta do PSD que, segundo o Público, o PS poderá contemplar, de acrescentar uma alínea em que se informe a mulher que quer aborta dos regimes de adopção, é feita desta massa de politicamente correcto que na realidade não serve para nada. Dificilmente consigo imaginar (mas posso estar enganada) uma mulher da classe média, grávida e que quer abortar, a pensar não o fazer para poder dar o filho para adopção... Serei só eu a ver quão desajeitada e irónica é esta proposta?

Quando no Prós e Contras antes do referendo, Vasco Rato teve o seu momento iluminado com a questão “então a pedido de quem?”, ninguém na altura lhe explicou que não era o “de quem?” que estava em equação, era somente o “a pedido”. No meu entendimento, não se pede para ter um aborto como se pede uma cerveja. Não se tem direito a abortar como se tem direito a ser tratado com justiça. O aborto é uma fatalidade, uma infelicidade, uma tragédia se quisermos ser explícitos.

Aqui, Helena Matos coloca a questão que, a todo o custo e usando todos os pretextos, a Justiça parece querer evitar responder, ou terá medo de responder, mas que meia dúzia de pessoas continuam a querer ver esclarecida. A memória é curta e a opinião pública vai esquecendo as vítimas de crimes que há uns anos tanto a indignaram e mobilizaram. O processo judicial embrulhado em questões processuais parece talhado para se arrastar ainda mais num pântano em que há vítimas, mas não há agressores. Os casos de violação do segredo de justiça deveriam empalidecer ao lado do(s) caso(s) que os motivou, falo, claro, de uma sociedade em que as prioridades e os valores estão bem estabelecidos.

06/03/07

"There's no remaking reality," she told him. "Just take it as it comes. Hold your ground and take it as it comes."

Philip Roth, Everyman

Em Flor 5

Ando Hiroshige
Cherry Blossom at Gotenyama, ~1844 (Famous views of Edo)

05/03/07

* Alguém contou o número de vezes que Marcelo Rebelo de Sousa ontem na RTP repetiu e associou as palavras SONAE e derrota? É verdade que há uma derrota de um projecto que se quis, mas fica o dinheiro e a vontade de investir, quem sabe se noutro local. Quem perdeu realmente foi quem queria, mas não pode, vender as acções ao preço a que a SONAE comprava. As acções hoje estão a?

* Os Gatos (pouco) Fedorentos (a expressão não é minha, mas não me lembro de quem é) já fizeram um sketch humorístico com Alberto João Jardim, com Marcelo Rebelo de Sousa e agora com Paulo Portas. Continuo a aguardar um sketch que tenha por objecto uma das figuras que os Gatos considerem igualmente sketchisável ligada à área do PS. Ou no PS não há?

Combate ao Sedentarismo 8

E uma boa forma de começar a semana: ao leme.

04/03/07

Olhar perdido

No CCB no espectáculo Dido e Aeneas, de Purcell senti-me perdida: nunca sabia se havia de olhar para o grupo de bailarinos da frente, para o cantor solista do outro lado, se para os bailarinos atrás ou os outros cantores também algures no meio do palco. A tudo isto adicionamos as legendas, para confirmar em que parte vamos e o que dizem as personagens, e a orquestra. Muita confusão em palco, muitos actores (cantores e dançarinos) para as mesmas personagens, muitos adereços, muita roupa a voar a ser vestida e despida, e confesso, uma coreografia que apesar de ousada e original e de ter tido alguns momentos interessantes, nunca me pareceu cuidada, nem de forma alguma adequada a um bom desempenho vocal dos cantores que também não me entusiasmou apesar da qualidade dos solistas, Aurora Ugolin (mezzo-soprano) Dido e sobretudo Reuben Willcox (barítono) Eneias, assim como alguns bons momentos corais. Mas o excesso coreográfico não permitiu que a voz tivesse primazia, nem permitiu a tensão dramática, (o que um espectador procura numa ópera?), nomeadamente no dueto final da despedida de Eneias que foi banal. Também não senti com consistência a riqueza, a vibração e o encanto da música de Purcell que me pareceu sempre um pouco plana, apesar de alguns momentos interessantes como o dos solos das guitarras barrocas, do cravo, e alguns - não todos - dos momentos corais.

O Prelúdio com a água não passou de curioso e também um pouco confuso, sem que nunca conseguíssemos perceber bem os movimentos e sobretudo o porquê da opção. Já vi, num espectáculo “Lido” um momento aquático esteticamente superior e de coreografia mais trabalhada. Fica no entanto uma nota para um dos momentos mais curiosos e que me chamou a atenção: a forma simples e elegante como os bailarinos saem da água, se despem, secam e tornam a vestir no palco.

Um espectáculo ambicioso, mas que não me satisfez. No entanto, na noite da estreia, o público não poupou as palmas que foram muitas e com grande entusiasmo: eu fui uma excepção.

Dido and Aeneas

03/03/07

Em Flor 4

Temos o que merecemos

Não era preciso tanto espalhafato, nem perder tanto tempo e gastar tantos recursos para afinal o Estado e seus tentáculos dizerem o que todos sabíamos, mas que alguns tanto gostariam de estar enganados: em Portugal não há mercado, não há cultura de mercado e há medo dum mercado a funcionar.

Ver mais aqui e aqui

02/03/07

Em Flor 3



Gostei

Gostei de ler esta nota no Kontratempos e de seguir o link lá indicado.

Gostei de ver "Diário de um Escândalo" (Notes on a Scandal). Judi Dench está magistral - o Óscar também teria estado bem nas suas mãos, e Cate Blanchett notável. A personagem de Judi Dench nos primeiros dez minutos de filme traça um retrato amargo e cínico das escolas, dos alunos, seus futuros e dos professores, de hoje nas “inner cities”. O retrato só peca por ser realista. Quem tivesse ainda ilusões, fica a saber que (também) os problemas nas escolas tendem não são exclusivo nosso.

Blindagem

A questão não é se se devem ou não desblindar e como, em que condições ou para que fins. A questão é que nunca deveriam ter sido blindados.

01/03/07

Eu sei que a roupa que seca às janelas e varandas de qualquer prédio do nosso Portugal é um atentado estético e, dizem alguns, a prova provada do nosso atraso civilizacional. É um atentado ao bom gosto, ao planeamento urbano que determina como devem ser as fachadas exteriores dos prédios, as linhas e as cores (se é que isso importa no país das marquises). E depois há a roupa em si, que tantas vezes é feia: pijamas inenarráveis, camisas de noite que mais parecem panos do pó, lençóis da cor dos pesadelos, toalhas de cores bizarras a combinar com azulejos mais bizarros ainda, t-shirts velhas e tingidas, enfim...

Pensando bem, não consigo encontrar nada que justifique o facto de por vezes a minha alma se iluminar quando vejo a roupa ao vento, nas janelas, nas varandas. Hoje eram roupinhas de bebé, brancas, rosas, tudo muito claro, muito arrumado, em linha ao sol e ao vento. Às vezes são as calças de ganga e t-shirts de motivos futebolísticos, alegres e óbvias a chamar a nossa atenção, ou os lençóis brancos que tremem e reflectem a luz. A roupa cá fora é sinónimo de sol, de dia limpo, mais um sinal da primavera...

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