28/04/09

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Hoje são os Cheque-dentista

O pior desta política de medidas/anúncios/inaugurações diários, - hoje são os cheque-dentista - calendarizados milimetricamente para que o “efeito” de empenhamento político do governo e do Primeiro-ministro se mantenha elevado, com deslocações, pompa e cenário cuidadosamente estudado, um discurso mais estudado ainda para sair natural e em frases simples e sonantes de frente (ou será ¾?) para as câmaras de televisão, num exercício que durará até às eleições (talvez uma treguazita lá para Agosto?), é o facto de que as medidas em si, lidas e vistas assim em título de jornal, são feitas de forma a dificultar o questionamento sobre a sua bondade, necessidade ou interesse e são feitas de forma a minimizar a discórdia e contestação. Quem discorda de que se deva incentivar a higiene oral das crianças prevenindo doenças da boca? Quem discorda da extensão da escolaridade para 12 anos? Quem discorda que os medicamentos genéricos sejam comparticipados a 100% para reformados dos escalões de rendimentos mais baixos? Assim, de repente, é difícil discordar, no entanto estas medidas são demagógicas e populistas, são mais pensadas pelo efeito que causam ao eleitor do que pensadas em função de uma coerente política sectorial. Da forma como são apresentadas, elas estimulam o sentimento de dependência das pessoas ou empresas do Estado paternalista que zela por nós e a todo o momento nos salva e nos dá uma mãozinha quando as circunstâncias apertam, transmitem também uma noção de facilitismo irrealista e contraproducente. O Estado não pode tudo nem tem que poder tudo. Os cheques-dentista têm que estar inseridos num sistema de saúde racional e de custos controlados. O ensino até aos 18 anos tem que ser pensado em termos de dar a formação devida às diferentes pessoas, diferentes talentos e diferentes ambições. Estas medidas nunca deviam ser olhadas isoladamente, deveriam sempre ser parte de algo mais estruturado e abrangente em que se percebesse um sentido, uma lógica, um orçamento, uma racionalização de custos. Mas não – o governo não quer que pensemos, que discutamos as políticas sectoriais, o governo quer-nos calar com medidas “simpáticas”, mas que não restem ilusões, todas estas medidas têm custos que ninguém questiona, o deficit aumentará ainda mais bem como o endividamento externo, e nenhuma destas “medidas” nos fará estar melhor quando a crise passar, nem contribuirá para o enriquecimento do país. Até lá o calendário eleitoral terá sido cumprido com um ritmo de inexorável cegueira em que nos empobrecemos um pouquinho mais cada dia que passa.
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26/04/09

Coisas que se Podem Fazer ao Domingo 38



Ser proclamado Santo

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A propósito da extensão do ensino obrigatório para 12 anos (pretexto para o meu post de ontem) é de ler o artigo hoje no Público de António Barreto do qual transcrevo o parágrafo final:

Esta teria sido uma excelente oportunidade para repensar o ensino secundário, a sua função e a sua natureza. Poder-se-ia ter examinado o ensino profissional equiparado ao secundário, dando-lhe mais importância. Era uma ocasião excelente para revigorar o ensino tecnológico, que este Governo promoveu, é certo, mas que espera pela definição de uma vocação forte e de uma missão de longo alcance. Teria sido possível rever questões fundamentais como sejam a duração do secundário ou a organização curricular que, actualmente, deixa muito a desejar. Era a altura ideal para apreciar serenamente a articulação do secundário com o ensino superior, tanto politécnico como universitário. Era uma grande oportunidade, era. Mas já não é.

E não é porque é mais importante anunciar neste frenesim mediático do que planear e reformar.
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25/04/09

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"Tomar Medidas"

A capa do Público de hoje “Os jovens têm que estudar até aos 18 anos, mas podem trabalhar com 16” mostra a ligeireza com que se anunciam medidas sem aprofundar todas as implicações, nomeadamente em termos de legislação já existente, que cada nova medida/lei pressupõe.

Não ponho em causa a bondade da lei que, no entanto, exigia ser bem amadurecida em termos do sistema de ensino e de opções que os jovens de 14 anos para cima e sem “vocação” para os estudos possam contemplar de forma positiva e útil para o futuro. Ponho em causa, no entanto, a forma como é feita e a calendarização do anúncio. Todos os dias um anúncio; todos os dias uma medida: um dia a possibilidade de acesso às nossas contas bancárias por funcionários administrativos, com inversão do ónus da prova para fiscalizar eventuais enriquecimentos ilícitos, no outro dia é uma nova auto-estrada que se anuncia e no dia seguinte são os genéricos gratuitos para os mais velhos e mais pobres, e no dia seguinte a escolaridade obrigatória até ao 12º ano. Tantas medidas deixam-me algo atordoada: um dia olho para a saúde, outro para a educação, outro para as obras públicas, outro para as liberdades individuais, outro para os impostos numa tentativa de perceber a conveniência, justeza e bondade das medidas. Torna-se complicado uma avaliação séria por parte dos eleitores, e capaz de passar para além do ruído do marketing político e da retórica do “anúncio”; mas talvez a intenção seja essa mesma: a de que os eleitores se atordoem, se deslumbrem e se percam no mar de anúncios. Eu confesso a minha incapacidade para descobrir uma política coerente, uma estratégia para o país e para o combate à crise; não consigo perceber um rumo, uma visão um “todo” coerente que faça algum sentido.

Estas medidas avulsas parecem ser de quem desesperadamente precisa de “fazer alguma coisa” para que ninguém se detenha a pensar “noutras coisas”. E assim sendo, até parece que a crise financeira internacional que desencadeou “a” crise em que o mundo mergulha, não poderia ter chegado a uma hora mais conveniente para José Sócrates. É o pretexto perfeito para legitimar anúncios (contra o bota-abaixismo, há que tomar medidas para combater a crise, diz o Primeiro-ministro), uns atrás dos outros, sempre em ambiente preparado para o efeito e para maximizar o impacto mediático, que se materializam em medidas dispersas e de razoabilidade e viabilidade discutíveis e tantas vezes contestadas por vários sectores da sociedade. Se tem sido assim até agora como será daqui para a frente, e até às eleições legislativas? Temo pelo que ainda nos espera e pergunto-me se não haverá também alguma má-fé nesta torrente de anúncios em clima eleitoral com o caso Freeport em pano de fundo. Nada me faz esperar melhor pois nada parece abalar a determinação do Primeiro-ministro que está empenhado numa verdadeira luta mediática apostada em vencer o pessimismo (e em distrair os eleitores?), se lança numa cega fuga para a frente, afundando a pouco e pouco o país num desequilibro financeiro perigoso que tantos já vêem. Tudo leva a crer que, tal como já tem sido dito, nos arriscamos a sair da “crise” (a internacional) pior do que estávamos quando nela entrámos.

22/04/09

São Rosas, Senhor... 3

Ambrosius BOSSCHAERT, le Vieux (1573 - 1621)
Bouquet de fleurs dans une arcature de pierre s'ouvrant sur un paysage
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Fiquei ontem na dúvida (na entrevista da RTP ao Primeiro-ministro) sobre quem estaria mais incomodado por ter que abordar o caso Freeport, se os jornalistas se José Sócrates. De olhar cerrado e postura entre o ausente e o glaciar colocaram as questões como quem cumpre um guião (ou como quem cumpre uma pena?). Nem mais. O que foi manifestamente “menos” para quem ouviu. O Primeiro-ministro de Portugal só disse o que tinha ensaiado e só falou do que quis.

Uma das piores características do nosso Primeiro-ministro José Sócrates é tomar-nos por parvos, e tomarem-me por parva é, parafraseando Pinheiro de Azevedo, “uma coisa que me chateia”. Toda a entrevista se pautou por um ar falsamente ingénuo e espantado que com a maior naturalidade e desplante nega evidências (por exemplo, o PR não falou para o governo porque estamos em consonância) e também não esqueceu o seu “momento Chavez” ao anunciar o reforço do subsidio social assim como quem passa a mão pelo pêlo afagando o eleitor. Já são quatro anos de deliberadamente distorcer e contorcer a verdade e de querer enganar com frases feitas em laboratório, e medidas costuradas em patchwork com o retalho que na altura vier calhar à mão.

Adenda, e ainda sobre a entrevista do Primeiro-ministro:
Deixando comentários mais profundos de lado, eu bem gostava de saber a que obras é que o nosso primeiro-ministro se referia, na entrevista de hoje à RTP, quando falava de “livros da literatura da América Latina onde se viam organizar processos contra políticos”? É que, mesmo depois de dar várias voltas à cabeça, não percebi. É uma espécie particular à América Latina? Há alguma obra imorredoira, superior a todas as outras, por lá produzida sobre a matéria? Alguém me ajuda?
Paulo Tunhas no Cachimbo de Magritte

Também eu reparei nessa referência "cultural" e, por um momento tentei perceber que obra o PM teria em mente. A única explicação que encontro é a de confundir o conceito de "República das Bananas" com "Literatura Latino-Americana". Será?
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21/04/09

Da Cultura

Neste Domingo que passou fiquei admirada por estar tanto tempo sentada em frente da televisão a ver um programa “cultural”. Não me acontece com frequência tal coisa. Os programas culturais normalmente têm o condão de, mais cedo ou mais tarde me aborrecerem ou irritarem, por isso já nem me preocupo em vê-los ou em saber quem quem é o convidado, qual é o tema de que programa. Neste Domingo enquanto zapava já naquele impulso de “ah, não há nada, desliga-se” apanhei o Câmara Clara com António M. Feijó e Vasco Graça e Moura a falar de Shakespeare e fiquei a ouvir. O programa estava a começar e não era sobre Shakespeare, mas sim sobre Grandes Romances de Amor em que se pedia a cada um dos convidados para levar alguns romances e falar sobre eles. Nunca resisto a nada que tenha a ver com romance quando sinto o séc. XIX por perto, (coisa que considero inevitável quando se fala em romance), e por isso encostei-me para trás e deixei-me levar por aqueles dois amantes de literatura no percurso que cada um talhou com as escolhas que fez.

AMF e VGM falavam com uma voz tranquila e baixa, opinavam, teciam relações, encontravam referências, ajustavam ideias e nada era complicado, obscuro ou rebuscado, só transparecia a simplicidade de quem se deixa levar pelo verdadeiro prazer da leitura de cada uma das obras, a vontade de mostrar os caminhos que elas abrem, de pousar o olhar de uma ou de outra forma. Foi bom relembrar umas, querer ler outras e sobretudo foi bom tentar perceber porque se perde tanto tempo a ler tralha e mais tralha com tanta boa literatura que passou o teste do tempo e das modas a merecer ser (re)descoberta e desvendada. O paraíso poderia (também) ser algo parecido com aquilo. As poucas interrupções e gargalhadas de Paula Moura Pinheiro destoavam um pouco, não tanto pelo conteúdo, mas pela forma pois quebrava o ritmo e o tom que os convidados impuseram ao programa. Mas pior do que isso foram as ruidosas interrupções, sem aviso e no meio da conversa, de pura propaganda “cultural” a filmes, temporadas musicais ou concertos. Porque é que era preciso aquilo? Não é mais importante para a “cultura” saber passar o prazer de a usufruir do que cansar-nos com a lista exaustiva daquilo que vai acontecer, e que já todos tivemos oportunidade de ver e ler nos jornais e nos cartazes espalhados pelas cidades?
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20/04/09

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Da Apatia

Já passaram alguns dias sobre a divulgação na TVI deste vídeo. Enquanto o PS, o Governo e o Primeiro-ministro José Sócrates em particular “assobiam para o lado” (movendo processos contra jornalistas escolhidos a dedo e evitando nomes conceituados, influentes e pesados da crítica e comentário político), o país parece adormecido e já nem reage a algo que me parece merecedor de atenção, de rigoroso escrutínio, e de questionamento. A chuva caiu, o sol brilhou, o Presidente da República fez um discurso que incomodou, trocaram-se recados dizendo que não se recebem recados, os “momentos Chavez” sucedem-se, esconjuram-se os “bota-abaixistas” e a nefasta influência que exercem sobre o optimismo reinante de que “é com medidas que se combate a crise”, inventam-se medidas para combater a crise, fazem-se leis contra o enriquecimento ilícito, discute-se, o timing do anúncio pelo PSD do seu candidato às Europeias, discute-se o candidato himself que não é tão abrangente como deveria, que não é uma figura tão histórica como deveria, Jorge Sampaio falando disse que não falaria, Vital Moreira esclareceu que afinal poderá falar sobre política nacional e que afinal poderá votar Durão Barroso, o FCP ganhou, os preservativos continuaram a dar pretexto para que se fale deles, o vídeo de Susan Boyle fez sucesso na internet.

Quem olhe de fora para o nosso país nada vê. Estamos todos resignados e adaptados à possibilidade de um certo nível de corrupção na classe dirigente. Isso já não nos indigna, não nos revolta. Mais, até desculpamos (vejam-se os casos Fátima Felgueiras e afins) se forem populares e tiverem “obra feita”. Depois de rever o vídeo e me intrigar com esta apatia com que os portugueses o viram nos sofás das suas casas, porque será que não me intriga que se deixe ao poder discricionário de uma administração fiscal, e dos sentimentos (normalmente pouco nobres, louváveis e recomendáveis) que na altura moverem quem de direito, o poder de entrar pelas nossas contas bancárias dentro e saber de que matérias é feita a nossa vida.

10/04/09

Coisas que se Podem Fazer ao Domingo 37

Numa pouco ortodoxa antecipação do Domingo de Páscoa

Caminhar para Emaús.
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"Política de Verdade"

Costumo passar pelos momentos das campanhas eleitorais sem nenhum entusiasmo. Não costumo gostar do discurso eleitoralista, abomino as promessas vãs e demagógicas e desconfio das promessas realistas. Tenho alergia à encenação dos entusiasmos e crenças num Portugal e num futuro melhores. Aliás o passado recente tem demonstrado a incapacidade da utilização da palavra “melhor” aplicada ao universo político, onde nada parece melhorar. Cada vez há mais manipulação e tráfico de influência promotores da promiscuidade entre as “forças” políticas no poder e as “forças” da sociedade civil nomeadamente as forças económicas e financeiras tornando mais difícil separar o trigo do joio, a boa da má moeda e, se distraídos, diluir tudo muito bem para que seja mais difícil apurar a responsabilidade de sucesso de uma legislatura, de um mandato municipal, etc. Mas há quem não ande distraído e sinta o universo do poder cada vez mais nas mãos de mercenários e de profissionais que vivem de e para o poder sem o qual simplesmente não têm existência. Nota-se mais empenho, mais ambição, mais agilidade para tocar em vários instrumentos, mas menos inocência, certamente menos vocação e sentido de serviço.

Por mim, não precisava de campanhas eleitorais tal como elas se fazem hoje. Não gosto das ruas e praças (não é só a do Marquês, como o “Zé” num acesso de provincianismo sugere) cheias de outdoors, irritam-me os slogans, o barulho e o ruído políticos e incomoda-me ainda mais que nos tomem por parvos com promessas e discurso tão cheios de nada se olharmos para além da retórica e da demagogia. Nem quero nem pensar naquilo em que José Sócrates se transformará, no que dirá, no que prometerá quando a campanha eleitoral arrancar em pleno. A amostra destes últimos quatro anos tem sido ampla e elucidativa, e não gosto do que vejo nem do que ouço.

Por isso espero sinceramente que a frase que acompanha a fotografia de Manuela Ferreira Leite nos outdoors “Política de Verdade” seja um programa de como fazer campanha eleitoral e nunca esqueça a verdade que enuncia. Não importa que o cartaz seja “pobre” e banal, a fotografia demasiado normal e a frase tão comum que qualquer pessoa a poderia dizer. e diz ao ponto de a esvaziar de sentido. Nada disso interessa. Digo mais: antes assim do que um fundo intelectual ou esteticamente elaborado e antes assim do fotografias de pose complexa acompanhadas de frases todas “porreiro, pá” ou tecnologicamente humoradas do ponto de vista semântico e rimadas do ponto de vista fonético, todas inventadas em laboratório esterilizado, após intenso e caro brainstorming criativo pelo gabinete dos especialistas em comunicação que cuidam de tudo por fora com verniz, luz, animação 3D e sem nunca esquecer a música épica a animar as gentes, e esquecem o que deve estar por dentro: um programa político simples, coerente e realista e, claro, o sentido de missão, o sentido do dever, a honestidade, a honra. Nos dias que correm isto é puro luxo.
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08/04/09

Em Flor 20

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O Eduardo Pitta tem alguma razão, mas não a tem toda.

Em primeiro lugar porque a bondade do Código Contributivo apresentado para discussão não me parece assim tão óbvia. Neste período de crise, em que as empresas estão a falir a um ritmo assustador e o desemprego é uma realidade social, para não falar no drama que representa para as famílias, difícil de escapar, as contribuições da Segurança Social são ainda mais escassas do que as que existiam e que, como sabemos, eram baixas por causa do fraco crescimento demográfico e do envelhecimento da população. A preocupação do governo não é a do trabalhador dependente de 40 anos, é uma preocupação de cash-flow. O governo quer dinheiro já para poder pagar as pensões hoje e manter esse mito das nossas sociedades europeias ocidentais dependentes e viciadas em estado social, que é a Segurança Social. Para isso prepara-se para estrangular ainda mais as empresas portuguesas que não são em nada como a Mota e Engil ou a Portugal Telecom, excepções de uma regra feita de pequenas e médias empresas.

Em segundo lugar porque ninguém garante ao trabalhador dependente de 40 anos que ele quando se reformar possa uma pensão “por completo” para qual ele contribuiu ao longo da sua vida laboral. Ninguém pode garantir que a médio prazo (quanto mais a longo prazo) a segurança social tenha dinheiro suficiente para poder satisfazer as reformas de todos os contribuintes.

Em terceiro lugar porque muitas vezes os subsídios de que fala EP são uma das formas que as empresas têm de contornar o excessivo custo que é ter um empregado. Cada empregado contratado representa um enorme peso contributivo (Segurança Social e IRS retido). É verdade que muitas empresas poderiam dar salários mais interessantes e abandonar “esquemas” de subsídios e outras ajudas de custo tais, mas estamos a falar de grandes empresas com lucros razoáveis, excepção à regra, como já referi. Para muito do tecido empresarial português feito de pequenas e médias empresas cada empregado que se contrata é um peso tão grande que só o recurso a estes subsídios pode permitir que a empresa o consiga contratar. Infelizmente, num país onde a flexibilidade laboral é pouca contratar um empregado é uma decisão sempre difícil e cara. Cara demais.
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05/04/09

Mário Soares diz-se “enjoado” (SIC Jornal da Noite de hoje) com o caso Freeport. Eu também. Ele diz-se “enjoado” com as fugas ao segredo de justiça, com os julgamentos em praça pública. Eu, ao contrário de MS, estou enjoada com tudo o que vem à luz do dia do passado de José Sócrates e que teima em permanecer enevoado e nunca cabalmente esclarecido: licenciatura, projectos de engenharia, o caso Freeport, o tio, o primo, a mãe. Mas o pior é o pressentimento (já para não ser cínica e não falar de certeza) de que tudo permanecerá assim mesmo, num limbo jurídico processual entre fugas de informação, pressões aos magistrados, alvos de muitos Prós & Contras e debates cheios de especialistas deixando higienicamente de lado e os factos (nomeadamente os factos políticos relevantes) que nunca serão objecto de escrutínio, investigação séria e cabal, de apuramento da verdade e de esclarecimento do público. Talvez o “público” tenha exactamente o que merece, não é Dr. Mário Soares?
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Velas 14

Hoje
(Clicar para aumentar)
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03/04/09

"Read my lips"

José Sócrates, e os seus acólitos comunicacionais podem dar as voltas que quiserem à cabeça, esgotarem-se em brainstorming, consultarem dicionários de sinónimos e rimas para ajudar a fabricar os slogans e as frases “que ficam no ouvido”. Podem vasculhar catálogos de gadgets electrónicos acabados de sair e todas as novas tecnologias para “épater le bourgeois” e dar o lustro dos neons à pobreza portuguesa. Pode inaugurar escolas, lares, ou centros de excelência disto e daquilo; apresentar power-points bem como oferecer incentivos a plateias ensaiadas, ordenadas e agradecidas pelo obséquio. Pode, com ajuda da calculadora do Magalhães e a ajuda preciosa do sistema bancário calcular os descontos dos modelos de painéis solares das duas empresas bafejadas pela sorte do favor socrático, bem como calcular os descontos nas prestações das casas inferiores a 100€ para quem esteja desempregado. Pode pagar a “think tanks” para fazerem a “engenharia política” necessária para descobrirem a pólvora que só explode mediante um complexo cálculo de condições, mas sempre maximizando o impacto mediático, persistente com os actos eleitorais em pano de fundo, claro.

O problema é que não há nada a inventar. Dê-se a volta que se der, arranjem-se os incentivos que se arranjarem, os almoços nunca são de graça e a factura das medidas anti-crise desabarão em cima de todos, e talvez muito especialmente em cima daqueles que as medidas visavam defender. As medidas para efeito eleitoral nada ajudam a médio e a longo prazo (eu até duvido que sejam realmente úteis a curto prazo). A crise, a nossa e a que depois veio de “fora”, é uma crise que afecta a sociedade transversalmente, e a sociedade protuguesa não é excepção; é uma crise de todos sobretudo da classe média que, no nosso caso, não é particularmente rica. Por isso nenhum dos incentivos, medidas e apoios poderá ser eficaz no combate à crise. Só uma medida, clara e transparente como a água é que o poderia ser. Só que tem um problema: não é nova nem brilha como o neon, mas já foi usada e testada com sucesso por tantos e é amada sobretudo pelos políticos anglo-saxónicos em campanhas eleitorais, pois costuma ser do agrado de todos. os eleitores e contribuintes. Chama-se alívio da carga fiscal. Claro que esse alívio da carga fiscal exige uma gestão rigorosa dos dinheiros públicos, coisa que os nossos políticos não gostam, não estão habituados nem gostam que isso lhes seja exigido pois limita-lhes a faculdade de, arbitrariamente e de forma opaca, conceder benesses e favores sob forma de subsídios ou incentivos, a determinados grupos que nesse momento se apresentem melhores servidores dos interesses do grupo decisor.

Este é o retrato do combate à crise à maneira de José Sócrates, difícil de se levar a sério e pouco merecedor de aplauso.
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Dias de Verão 9

Wassily Kandinsky (!866-1944)
The Waterfall
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