31/10/12

Haverá melhor sinal de podridão do que este unanimismo? Ou melhor sinal dos tempos e das gentes que nos governam? Até arrepia.

26/10/12

Cores de Outono 15

Caspar David Friedrich
Auf dem Segler

Dois Pesos e Duas Medidas

Estava escrito, nesse script que é a vida que gosta e cultiva virtudes públicas, que Berlusconi acabaria por ser condenado em tribunal com uma sentença de prisão. O homem teve, sem esconder, sem remorso ou culpa, demasiado dinheiro, poder, influência e demasiadas mulheres demasiado vistosas. Nunca, num gesto de contrição que apaziguasse as aparências, esboçou uma apologia por isso, bem pelo contrário, exibiu em quantidades quase obscenas esses seus atributos. Dificilmente o deixariam em paz. Acredito que o homem esteja a ser justamente condenado e até acredito que seja culpado de tudo o que o acusam e de muito mais – o que eu não gosto é de saber que foi preciso ele ter saído do governo para ser condenado por crimes que remontam a 1994/98, e as desculpas do costume, nomeadamente a de que ele terá em 2009 um lei que lhe dava imunidade, não me tranquilizam. Há coisas que nunca mudam. Berlusconi, como uma personagem de tragi-comédia, demasiado vistoso e para azar seu, ‘larger than life’, estava desde sempre condenado a ‘acabar mal’. 

Outros há que têm sorte diferente. As coisas são como são, e certas personagens nunca são condenadas, passam por entre os pingos da chuva sem se molharem desde que pareçam tudo o que é suposto parecerem. Este senhor, Jimmy Saville (a quem a Rainha deu o título de ‘Sir’), que apresentava o programa com o seu nome “Jim’ll Fix It”, em que realizava os sonhos de tantas crianças, e que era tido como uma versão laica (claro) de santo, padroeiro, filantropo e amigo das criancinhas, afinal não era um modelo a seguir. Descobre-se agora que abusou das ditas criancinhas de quem, afinal, não era tão amigo, durante 40 anos. Aparentemente, os que o rodeavam e não só, assobiaram para o lado. Morreu há um ano, e surgem agora, um após outro, relatos de arrepiar. Ao contrário de Berlusconi, este senhor já não será condenado em tribunal nenhum. Exibicionismo versus hush-hush.

18/10/12

Pronúncia do Norte 12


17/10/12

OE 2013

O raio que os parta! 

Estive dois dias para escrever esta interjeição, uma questão de ter a certeza de que era mesmo isto que queria escrever, e não apenas um impulso de raiva depois de ter ouvido na segunda-feira o ministro Victor Gaspar. Ele que, com a sua voz estudadamente pausada, tenta dar a ilusão de que do seu discurso só saem decisões ponderadíssimas (nós bem sabemos), claríssimas (nós também bem sabemos) e pautadas pela sapiência e sabedoria. E se até dou o desconta para a sapiência, o mesmo não se aplica  à sabedoria: já só engana quem quer ser enganado. 

Porque continuam a usar, em tom paternalista de quem sabe tudo, de quem é moral e politicamente superior, e capaz de julgar os portugueses (vivem acima das possibilidades, são piegas, são ignorantes...), as chantagens do género “quem não está de acordo com este orçamento está contra o programa de ajustamento”. Errado! Tão errado. Nós não confundimos as medidas deste governo e o memorando de entendimento da troika, ou a necessidade de austeridade.

Porque estão a atentar contra a minha liberdade. A minha liberdade está também, e muito, ligada à forma como eu decido gastar o meu dinheiro. Ora se o estado unilateralmente decide tirar uma enorme fatia dele, para um programa em que só ele e meia dúzia de consultores seus acredita, que liberdade tenho eu de o gastar como o entendo? Poupando ou consumindo, a liberdade de escolha é minha. Ser liberal é sobretudo não atentar contra as liberdades individuais, é não subir impostos, não tirar dinheiro aos contribuintes, mais do que o estritamente necessário... é não tirar mais sobretudo quando já se tirou demais. Não gosto quando atentam contra a minha liberdade, e citando Pinheiro de Azevedo, digo "é uma coisa que me chateia (pá?)".

Porque persistem no erro. A carga fiscal vai aumentar de uma forma tal, que as pessoas reais, o tecido económico real do Portugal real, (diferente do Portugal imaginário visto a partir dos modelos económicos do mundo académico, ou visto através de uns óculos de oportunidade de meia dúzia de comentadores e/ou colaboradores e/ou consultores), não vai conseguir pagar. As execuções fiscais vão aumentar, as falências vão aumentar, os incumprimentos vão aumentar, o desemprego vai aumentar, a pobreza vai aumentar, a infelicidade vai aumentar. A colecta fiscal não. 

Porque, de acordo com o memorando da troika, a consolidação orçamental deveria ser feita sobretudo (2/3) do lado da despesa, e eles propõem-nos que se faça quase exclusivamente do lado da receita, com a agravante de que e a maior fatia do corte da despesa corresponde às prestações sociais. 

Porque vão, pelas boas e pelas más razões, pôr o país todo contra o governo, o que não fará assim tão mal; bem como contra o programa de consolidação orçamental da troika, o que será bem pior e poderá ter consequências mais nefastas à nossa já tão débil soberania, e à nossa economia que – olhando com atenção e não olhando apenas para os números governamentais - pouca saúde tem. 

Porque estão a levar o país a uma verdadeira revolução social (a palavra reajuste de que tanto gostam é um eufemismo de quem não percebe o que se está a passar) cujas consequências são difíceis de prever. Como ficará a sociedade portuguesa daqui a 10 anos? 

Porque política não é só subir impostos. O governo mascara a sua ausência de pensamento político sólido, por um discurso de pseudo-rigor económico (na boa escola de economês cheio de vocabulário alavancado), em que as nuances castigadoras não escapam. Os aumentos de impostos, como única arma de rigor orçamental são a face visível do vazio (de pensamento ideológico e político) em que este governo assenta. Desde o primeiro dia; não me iludiram.

11/10/12

Pronúncia do Norte 11


Amizades

Em Junho Helena Roseta denunciou o ‘alegado’ favorecimento de Miguel Relvas (então Secretario de Estado) a Passos Coelho. Por acaso – raramente tenho paciência para os frente-a-frente da SICN – ouvi o que disse Helena Roseta e, apesar de nem sempre apreciar e me deixar levar pelo tom enfático de HR, e apesar de o timing me parecer estranho e o gesto algo deselegante naquele contexto, acreditei piamente no que dizia. Como tantos outros pensei que ainda ouviríamos mais sobre essa história. Assim foi. 

Esta semana o Público noticiou o favorecimento de um fundo criado por Miguel Relvas, em 2004 e enquanto Secretário de Estado do governo de Durão Barroso, a uma empresa ligada a Pedro Passos Coelho, e hoje na edição impressa trás um dossier completo. Se há suspeita de ilegalidades, espero que se investigue, digo eu sem realmente acreditar na capacidade de em Portugal se investigar com seriedade e profundamente, e de se julgar (e condenar, se for o caso) com transparência. 

O que também não deixa de ser interessante é o rasto de situações menos claras e suspeitas que infalivelmente se descobrem levantando umas pedras (nada de muito complexo) sobre os nossos primeiros-ministros e ministros. Ainda bem que se levantam as ditas pedras, e só tenho pena que não se tenha começado essa prática há muito, mal a democracia se consolidou. Muito teria havido para descobrir, estou certa. Do que não estou certa, é de que isso pudesse ter sido determinante na hora do voto há uns tempos, mas gostaria de acreditar que agora – neste hoje deprimido pela contracção da actividade económica – os eleitores comecem a estar bem mais atentos à espécie de gente que querem a liderar um governo, a legislar no parlamento, a fazer oposição. Gostaria de acreditar que os eleitores, mais do que nunca conscientes e sofridos do peso dos impostos nas suas vidas e na sua liberdade, pensarão duas vezes no tipo de pessoas que querem a gerir o dinheiro que é de todos nós. Os eleitores se pretendem políticos melhores, talvez devessem começar a ser exigentes na hora da escolha. Sair para a rua um ano e meio depois de eleições a protestar (primeiro no caso de José Sócrates, e agora com Pedro Passos Coelho) é também revelador de alguma inconsciência ou leviandade na hora do voto. Ou vão todos dizer que ‘não sabiam’? 

No fundo no Público não li nada mais do que velhas e bem conhecidas histórias daquilo que passa por ‘amizade’ ou ‘lealdade política’ (gente que não deve saber nem o que quer dizer “amizade”, nem “lealdade”) mas são favorecimentos, tráfego de influências, teias de poder, etc. É deste material hiper-resistente, mas flexível que são feitas as amarras que unem e ligam os decisores em Portugal, sejam eles políticos, banqueiros, gestores de topo, empresários, advogados consultores, ou outros. É uma matéria opaca, escura mas omni-presente na vida pública portuguesa e que serve para explicar e justificar tantas situações e opções.

04/10/12

Cores de Outono 14

Gustave Caillebotte
Pêcheur au bord de l'Yerres

03/10/12

Wallander


Acabou no fim de semana passado a terceira série de episódios Wallander, uma série policial centrada num detective sueco que pertence à polícia duma cidade do sul da Suécia. Poderia ter escrito mais uma série TV policial, mas não o fiz de propósito pois Wallander é uma série diferente da maioria de séries que a televisão oferece e, no meio de tanta oferta, há algumas muito boas. Mas esta é diferente. 

É uma série para adultos e diria mesmo, só para alguns adultos. Não vejo os jovens (idade biológica, ou teimosamente em espírito) a interessarem-se e gostarem dos episódios desta série. Cada episódio funciona à volta de uma investigação policial, sendo o detective o centro da série. O ritmo é um andante com alguns momentos de maior tensão, longe do ritmo acelerado e de cenas curtas tão popular nas séries hoje. Não há grandes sub-intrigas, nem suspense, nem paixões sentimentais (amores, ódios, vinganças) a fazerem correr as personagens. Os diálogos não são ‘gripping’, nem abundantes. Wallander não é especialmente simpático nem antipático, não fala muito, não se explica, não proclama a felicidade, nem sequer parece procurá-la ou esforçar-se para mater uma ilusão de que é feliz. Também não há ‘gente gira’ na série, as personagens são banais e nunca parecem modelos: não têm os músculos esculpidos, têm rugas, dentes desalinhados e vestem roupa sem história. O ambiente físico e a paisagem não são tropicais, nem propícias ao uso de camisas abertas, calções ou bikinis e havaianas. Não há sol luminoso, mas sim uma ‘mood’ sombria entre os cinzas e verdes que convivem sempre com uma neblina. 

No entanto ver Wallander é sempre um desafio. Há um profundo reconhecimento do material que faz de nós seres humanos genuínos, e não saídos do estudo das estatísticas de audiências, algo raro nestes produtos televisivos. A personagem principal, introvertida e algo enigmática, bem como os crimes e criminosos que se atravessam no seu caminho, levam-nos e lembram-nos recantos dessa genuína humanidade que tantas vezes fingimos ignorar, e então reconhecemos os medos, a solidão, o desequilíbrio, as frustrações, o silêncio, a impotência, a dúvida, a violência, o vazio, um raio de luz de esperança que desaparece, uma ilusão que se desfaz, um sorriso breve que se crispa, uma alegria contida que dificilmente se abraça. Este reconhecimento de que falo, não reconforta, incomoda; não é exactamente aquele pathos mais frio e automatizado de Bergman mas, e mantendo-se Wallander (a série) também herdeira de um existencialismo protestante e nórdico, assume uma forma mais nostálgica e melancólica: a humanidade prisioneira de si própria, incapaz de se resolver. Essa mesma humanidade também prisioneira de uma sociedade tão politicamente correcta, tão aberta e livre que a própria liberdade é incómoda, a liberdade de questionar é quase uma subversão, e qualquer gesto fora do espectável é a origem de uma culpa que, de uma forma ou de outra todos expiam, (como ao longo dos séculos a expiaram), às vezes sem saberem nem que o fazem, nem porque o fazem. 

Kenneth Branagh é um Kurt Wallander excelente, e do seu trabalho resulta uma personagem complexa, tantas vezes em circunstâncias limite – um detective que procura culpados de crimes violentos convive com o limite – mas sempre totalmente credível nessa humanidade que partilha connosco espectadores,  e nesta terceira série foi especialmente convincente com momentos a que chamaria sublimes. 

Espero pela quarta série.

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