24/06/09

Uma semana.
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Aprendendo com Tolstói (*)

O que é a vida, o que é a morte? Que força governa tudo? (...) E não tinha resposta para nenhuma destas perguntas, excepto uma, ilógica, que, na verdade, não respondia a estas questões. A resposta era. “ Morremos e acaba tudo. Morremos e ficamos a saber tudo, ou deixamos de perguntar”. Mas também morrer era assustador.
Lev Tolstói, Guerra e Paz

(Título roubado daqui)

Amanhecer 15

Hoje
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Agradeço ao Tiago Moreira Ramalho do Corta-Fitas e de O Afilhado a simpática referência.
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23/06/09

Aprendendo com Tolstói 2 (*)

A mente humana não tem acesso à totalidade das causas dos fenómenos. A alma humana, porém, foi provida da necessidade de procurar as causas. Assim, a mente humana, incapaz de penetrar na imensidade e na complexidade das condições que geram os fenómenos, cada uma das quais em separado pode afigurar-se-lhe a causa, agarra-se à primeira e à mais próxima, à mais compreensível e diz: eis a causa.

(*) Título roubado aqui.
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Plataforma Contra a Obesidade 54

Paul Cezanne
Still Life with Cup, Jar and Apples
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Aprendendo com Tolstói (*)

É este o destino não dos homens grandes, não do grand homme que o espírito russo não reconhece, mas dos homens raros e solitários que, ao perceberem os desígnios da Providência, submetem-lhe a própria vontade. O ódio e o desprezo da multidão castigam essas pessoas pela compreensão das leis superiores.
Lev Tolstói, Guerra e Paz

(*) título roubado aqui.
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21/06/09

Velas 17

Hoje

Guerra e Paz 5

Aquela ferida na alma da mãe não podia sarar. (...) Mas a ferida que tirou meia vida à mãe, foi para Natasha a nova ferida que a incitou a viver. Uma ferida da alma causada pelo rasgão do corpo espiritual, tal como uma ferida física, apenas sara e cicatriza, por mais estranho que pareça, com a força da vida que irrompe de dentro.

Desta forma sarou a ferida de Natasha. Pensava que a vida tinha acabado, mas, de repente, o amor pela mãe mostrou-lhe que a essência da sua vida – o amor – ainda estava viva. Voltou a despertar o amor, despertou a vida. Os últimos dias (...) tinham ligado Natasha à princesa Mária. A nova desgraça aproximou-as ainda mais.

(...)

Falavam sobretudo dos seus passados longínquos. A princesa Mária contava coisas da sua infância, da mãe, do pai, dos seus sonhos; e Natasha, que dantes, com uma incompreensão tranquila não queria saber daquela existência devota e submissa da princesa Mária, nem daquela poesia do auto-sacrificio crsitão, agora, (...) começou também a amar o passado da princesa e a compreender aquela faceta da vida que antes lhe era inacessível. Não pensava aplicar à sua alma a submissão e o auto-sacrifício, porque estava habituada a procurar outras alegrias, mas compreendia e começava a amar na outra as virtudes que dantes não compreendia. Para a princesa Mária, quando ouvia Natasha contar a sua infância e a sua primeira juventude, também se revelava um lado da vida que dantes não entendia: a fé na vida, o prazer da vida.
Lev Tolstói, Guerra e Paz

Natasha e a princesa Mária são as duas mais importantes personagens femininas de Guerra e Paz. Natasha, pelo seu amor à vida, entusiasmo, espanto, pela sua entrega, pelo seu olhar que brilha, é uma personagem irresistível de quem é impossível não gostar. Vêmo-la crescer e tornar-se uma mulher, seguimos o seu percurso talhado de momentos de prazer e felicidade familiar, de brilho nos círculos aristocráticos de Moscovo e São Petersburgo, e de momentos de decisão, a ânsia da felicidade, o prazer dos pequenos momentos, o percurso de dor, a perda de saúde, o renascimento tal como o que se refere o início deste excerto e um renascimento que lhe permite aceitar o mundo com o olhar mais sábio e ir trilhando finalmente o seu caminho que é o seu. A princesa Mária pertencente a uma das melhores famílias e socialmente acima de Natasha, representa o contrário: a rapariga submissa, inteiramente dedicada ao pai, um velho excentrico e ateu que despreza a sua fé e não reconhece o valor nem da sua inteligência nem da sua generosidade. Mária, ao contrário de Natasha, não teve uma infância e juventude alegre e feliz e uma casa sempre cheia de família e amigos, por isso dedicava-se à oração e à caridade. Muitas vezes, na sua solidão, se perguntava se encontraria um homem com quem se casasse e pudesse constituir uma família.

As mulheres não pertencem ao “mundo da guerra”, mas a guerra, nas suas múltiplas faces, acaba por entrar no mundo destas duas mulheres expondo-as ao sofrimento e modificando para sempre quer as suas vidas quer as suas almas. Natasha recolhe-se em si, para dentro; a princesa Mária torna-se autónoma e abre-se ao mundo, para fora.

O romance é um hino à sempre espantosa manifestação da natureza humana na plenitude: fraquezas e riquezas, e nesse exercício de olhar e escrutínio, percebemos, como o exemplo destas duas mulheres nos mostra, que as circunstâncias que num primeiro momento parecem afastar e antagonizá-las, acaba por uni-las num percurso paralelo de sofrimento, de dor e de transformação. O entendimento e a sólida amizade que se forja, toma assim uma dimensão que está além da pertença social, do entendimento, da personalidade ou da opinião. Começa no sentir e estende-se à dimensão espiritual.

20/06/09

Em Flor 22

Vincent van Gogh (1853-1890)
Butterflies and Poppies

Do Rigor

As intenções de rigor e exigência patentes na linha traçada pela Ministra da Educação deste governo de José Sócrates estão a desfazer-se perante o nosso olhar. O resultado dos testes de aferição dos 4º e 6º anos com a sua percentagem de positivas de 90% desmente qualquer tentativa séria de avaliação e qualquer intenção de rigor na escola em geral e do ensino - o que de facto se aprende – em particular. O cenário parece querer repetir-se no caso dos exames nacionais do 9º ano, em que estes, ao contrário dos anteriores que são irrelevantes e um desbaratar de recursos para um resultado “político” e estatístico simpáticos, já contam para a nota final - uns meros 30%, mas pelo menos poderão eventualmente fazer alguma diferença. O exame de Português foi muito fácil, dizem os alunos. De facto e depois de olhar com mais atenção deparo-me com esta pergunta extraordinária (que neste vídeo do Público alguns alunos disseram ser a parte mais difícil de um exame facílimo e “básico”) sobre um excerto dos Lusíadas, as estrofes 122 e 123 do Canto III:

Redige um texto expositivo (...) no qual explicites (*) o conteúdo das estrofes 122 e 123. O teu (*) texto deve incluir:

• uma parte introdutória em que identifiques (*) o episódio a que pertencem as estrofes e as personagens históricas nelas mencionadas;
• um desenvolvimento, no qual indiques (*) a decisão referida na segunda estrofe e as razões que, segundo o narrador, motivaram essa decisão;
• uma parte final, em que refiras (*) o sentimento expresso pelo narrador com a interrogação final e a razão que originou esse sentimento.

Lendo esta questão percebemos que o enunciado dá a resposta: explicita a sua estrutura (limitando a escolha) e aponta as soluções; só não escolhe as palavras para responder. Com perguntas destas em que a resposta está à partida formatada e dada é impossível errar e difícil premiar a diferença do mérito de quem sabe e estudou aquele bocado mais que faz a diferença entre o bom e o muito bom. Não sou favorável a que se façam exames dificeis, mas tem que haver em qualquer exame uma ou duas questões feitas para que se pense, para premiar o esforço e trabalho de quem estudou um pouco mais e um pouco melhor. Um exame destes é paternalista, limitativo e condiciona o estudante cortando-lhe criatividade. O bom aluno e o mau darão resposta iguais. Enfim, tudo muito mau, muito medíocre, muito igual, desse perigoso igualitarismo pastoso com que insistem em nos moldar a todos. Se é para isto que serve o rigor...

Notas:
  1. (*) Não percebo também a necessidade de, em circunstâncias formais e oficiais, que é o que os exames nacionais são, tratar o interlocutor, mesmo que seja aluno, por “tu”, mas isso será esquisitice minha.
  2. Como pude constatar (ou confirmar) no vídeo, os umbigos à mostra deram lugar este ano aos “cai-cai”. Também houve quem fizesse o exame de fato de banho com top de alças por cima. No vídeo não pude confirmar as calças dos rapazes pelo meio do rabo a mostrar calções de banho ou boxers, mas aposto que todos andavam de chinelas havaianas. Tenho que dar razão à Sra. Ministra que timidamente e noutros tempos menos eleitoralistas, ousou falar em fardas para as escolas.

19/06/09


Notícias da Albânia (*):

O Primeiro-ministro muda de personalidade após derrota eleitoral. Ver aqui um retrato comparativo.

As notas de Português e Matemática das provas de aferição dos 4º e 6º anos contam com 90% de positivas.

Trabalhadores interrompem negociações com a Administração na Autoeuropa.

(*) com o devido respeito pela Albânia.


17/06/09

Em Flor 21

Da unidade no PSD

Da leitura de alguns blogues (sobretudo colectivos) dos últimos dias há uma nota curiosa que teima em aparecer, assumindo, em certos blogues, mais relevo do que noutros.

A ideia central é a de que só poderá o PSD estar preparado para enfrentar os próximos actos eleitorais e ter esperança de bons resultados, eventualmente uma vitória, com uma unidade que abarque em listas de deputados e em cargos todas as facções opostas (nomeadamente e sobretudo Pedro Passos Coelho). Esta preocupação e insistência com a unidade hoje – depois da vitória no último acto eleitoral que vale o que vale, nem mais nem menos – levanta-me algumas questões. A primeira e fundamental é o porquê desta preocupação hoje, a três meses (aproximadamente) do próximo acto eleitoral, quando três meses antes das eleições europeias choviam críticas em relação à líder do PSD, à sua estratégia, seu estilo, sua oportunidade, seu timing. Nessa altura uma certa opinião não escondia a premonição (óbvia sublimação de desejo?) de desastre e derrota deixando sempre a suspeita desse desejo nunca explícito de que MFL pudesse ser rapidamente declarada redundante e despachada. Nessa altura tudo o que MFL fazia ou dizia era alvo de forte crítica, até a nomeação de Paulo Rangel: por se perder um bom líder parlamentar, porque Marques Mendes teria sido melhor, porque foi tarde, porque, porque. Durante a campanha e com um certo entusiasmo a pairar Pedro Passos Coelho ousou acompanhar a líder, mas não surpreendeu, pois manteve-se fiel a si próprio: melífluo pediu – quando ninguém ousava sequer sonhar – uma vitória. Porque é que a unidade do partido hoje é tão mais importante do que era há três meses atrás? Porque a vitória já não é uma miragem ou improbabilidade, mas sim do domínio da possibilidade?

A segunda questão tem a ver com o tipo de “pressão” que é exercido com estes apelos à unidade. Parecem demasiado apelos ao não esquecimento, por isso à manutenção, da esfera de influência que essas “facções” têm ou possam ainda ter e que não querem – compreensivelmente – deixar de ter. Quando do debate interno no PSD e depois dele criaram-se essas “bolsas de influência” que mantiveram PPC nos media de forma sustentada e constante; que acontecerá se o seu papel nos próximos actos eleitorais não for marcante? Porque é que não leio a hipótese de voluntariamente e com dignidade (tal como MFL o fez quando Santana Lopes era líder) se manter afastado das listas de deputados por não concordar com a linha e estilo da liderança? A unidade – mais do que uma soma de partes - pressupõe uma liderança forte, uma direcção clara, um programa coerente e pessoas que acreditem neles: ninguém melhor do que o(a) líder para decidir quem, e renovar onde achar que há que renovar.

A terceira questão prende-se com o valor que essas “facções” internas do PSD têm no momento do voto. Isto é: perante os eleitores do país “real” que não são maioritariamente filiados em partidos, e que a votarem PSD votam também ou sobretudo em “não Sócrates”; quanto valem de facto os votos de Pedro Passos Coelho? Será que esse valor fará a diferença, ou estará PPC sobrevalorizado, por quem o acha imprescindível, em termos de votos de eleitores? De onde vem o valor de PPC perante um eleitorado “extra-muros” do PSD? Será que alguém sabe? Até prova em contrário, e sobretudo agora depois da vitória do PSD nas eleições europeias, mantenho sérias dúvidas em relação ao seu valor (em votos, claro). Para mim, e até agora, esse rei vai nu.


15/06/09

Há dois dias (clicar para aumentar)
Parece um porta qualquer coisa, mas não vejo o quê.

Nota: Um amável leitor esclarece-me, e diz tratar-se do porta-aviões Principe das Astúrias, o segundo maior navio da frota espanhola.


Hoje Acordei Assim *

Oh the wind whistles down
The cold dark street tonight
And the people they were dancing to the music vibe
And the boys chase the girls with the curls in their hair
While the shy tormented youth sit way over there
And the songs they get louder
Each one better than before

And you're singing the songs
Thinking this is the life
And you wake up in the morning and you're head feels twice the size
Where you gonna go? Where you gonna go?
Where you gonna sleep tonight?

And you're singing the songs
Thinking this is the life
And you wake up in the morning and you're head feels twice the size
Where you gonna go? Where you gonna go?
Where you gonna sleep tonight?
Where you gonna sleep tonight?

So you're heading down the road in your taxi for four
And you're waiting outside Jimmy's front door
But nobody's in and nobody's home 'til four
So you're sitting there with nothing to do
Talking about Robert Riger and his motley crew
And where you're gonna go and where you're gonna sleep tonight

And you're singing the songs
Thinking this is the life
And you wake up in the morning and you're head feels twice the size
Where you gonna go? Where you gonna go?
Where you gonna sleep tonight?
Where you gonna sleep tonight?


Amy MacDonald, This is the Life.
AQUI

(* Com a devida vénia)


14/06/09

Georgia O' Keeffe (1887-1986)
Evening Star, Nº III
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13/06/09

Guerra e Paz 4

Na barraca da sua prisão, Pierre ficou ciente, não só com a inteligência, mas com todo o seu ser, com a sua vida, de que o homem foi criado para a felicidade, que a felicidade residia no próprio homem (...) e que toda a desgraça não provinha da carência, mas do excesso; (...) (e) ficou ciente de mais uma nova verdade consoladora; no mundo nada havia de assustador. (...) Do mesmo modo que não existia uma situação em que o homem fosse totalmente feliz e livre, também não existia para o homem uma situação de felicidade absoluta e de privação total de liberdade. Ficou a saber que havia um limite para o sofrimento e um limite para a liberdade, (...).

Só agora Pierre percebia toda a força da capacidade da sobrevivência humana e a força salvadora, dada ao homem, da transferência da atenção, à semelhança daquela válvula de segurança nas máquinas a vapor que permite a descarga do excesso de vapor mal a sua densidade ultrapassa determinada medida. (...)

(...)Aquilo que dantes o atormentava, aquilo que procurava constantemente – o objectivo da vida – já não existia para ele. (...) E era esta inexistência (...) que lhe dava aquela consciência plena e feliz de liberdade que, nesses dias, constituía a sua felicidade.

Agora não podia ter objectivo porque tinha fé: não uma fé numas quaisquer regras, ou palavras ou ideias, mas a fé num Deus vivo, constantemente sentido. Dantes procurava-O nos objectivos que se colocava. A sua procura de objectivo era tão só a procura de Deus (...).
Lev Tolstói, Guerra e Paz

A busca da felicidade tem muitas caras e toma muitas formas. Pierre, talvez a personagem central de Guerra e Paz, vive com um pé no mundo da Paz: o mundo urbano da sociedade aristocrática que vive em luxo e conforto; e o outro pé no mundo da guerra, sobretudo na altura da batalha de Borodino e na ocupação de Moscovo: o mundo dos homens que estão nos diferentes ramos das forças armadas e que fazem a guerra defendendo o seu país. Ele começa por ser uma personagem intrigante e estranha com dificuldade em se afirmar no mundo em que, de repente, se vê pertencer. Teve o privilégio de uma esmerada e completa educação no ocidente (França sobretudo), mas havia sempre algo que lhe escapava, que lhe faltava e procurava incessantemente aquilo a que chamava o objectivo da vida, ou felicidade pois parecem ambos, neste caso funcionar como sinónimos. Tentou várias formas e escolheu várias caras, mas via sempre a felicidade, mais cedo ou mais tarde, escapar-lhe de cada vez que sentia, com alguma ingenuidade – própria das “boas pessoas” - que a conseguiria aprisionar. Tomou decisões fez escolhas, mudou de rumo, mas tudo parecia em vão, uma procura estéril dessa ilusão que é a felicidade que se “encontra” nisto ou naquilo, ou na descoberta do objectivo da vida nesta ou naquela ideologia e teoria.. Como todas as personagens deste romance, Pierre vive uma vida peculiar, cresce interiormente, sofre, adapta-se às circunstâncias, molda-se e descobre-se. Nestes breves excertos do romance tirados de capítulos diferentes e “colados” de uma forma que tento que faça um todo tão coerente quanto possível (um só excerto parecia-me demasiado redutor para personagem tão complexa), percebe-se que Pierre um dia é feliz: quando descobre que existe um limite ao sofrimento que se suporta, que a felicidade nunca é absoluta e que – mesmo em cativeiro – nunca há privação total da liberdade. Talvez mais importante, e num segundo momento, ele percebe que não precisa já não procura o objectivo da vida, em regras, palavras ou ideias, pois tem fé num Deus vivo e que é sempre sentido.

Atrevo-me a dizer que Pierre concordaria com o João Gonçalves: toda a felicidade, a não ser a dos tolos, pressupõe amargura, solidão e sofrimento.

12/06/09

Overdose 2

Um jejum de José Sócrates dá imediatamente lugar a outro tipo de alienações: ao benfiquismo (diferente do Benfica) que, como sempre, ocupa demasiado espaço mediático; aos desapontamentos em relação à selecção nacional que – tal como o país que representa - parece fadada ao empate; e ao Ronaldismo fenómeno nacional que envolve sempre movimentações de milhões de euros, porque vai para o real Madrid, ou porque espatifou um Ferrari, ou porque comprou uma casa, ou porque passa férias com os famosos em Los Angeles. Hoje o caso culmina com uma verdadeira dúvida existencial que o deve atormentar em LA onde foi avistado a brindar com Paris Hilton. Grande Ronaldo!

11/06/09

Hoje

Overdose

Confesso o bom que é este jejum de José Sócrates que a ressaca eleitoral e os feriados seguidos de fim-de-semana nos impuseram. As breves declarações do Primeiro-ministro ontem nas comemorações do 10 de Junho quando abordado pelos jornalistas, porque mais “naturais” e porque tão pouco usuais nele, não contam. De facto há vários dias que não leio "anúncios" nos jornais nem os vejo nas TVs, naquele ímpeto salvífico de quem tem que salvar rapidamente a pátria do desastre e por isso “toma medidas”. Não nego que há um mérito em “decidir” e “tomar medidas” e que ninguém nega a determinação do nosso primeiro-ministro. Dois problemas, no entanto: a qualidade das medidas e sua oportunidade, e a comunicação dessas medidas que com este governo se tem centrado nos anúncios à medida de um telejornal. Não há debate sobre a substância e o formato tem sido pouco variado, e pela persistência e regularidade com que o ritual é cumprido tem, inevitavelmente (e porque a verdade vem sempre acima) emergido a artificialidade do acto de encenar, de cada vez, um anúncio. Sem nos apercebermos fomos, ao longo destes anos com especial incidência nos últimos meses, objecto de uma intoxicação e de uma overdose de José Sócrates como nunca o fomos de mais nenhum primeiro-ministro. Nestes dias notam-se os sintomas de abstinência: uns talvez com pena, outros nos quais eu me incluo com considerável alívio.

09/06/09

Dias de Verão 12

Gifford Beal (1879–1956)
Mayfair


08/06/09

Muito boa a análise de Eduardo Cintra Torres no Público caderno principal da edição impressa de hoje com o título: Dez Derrotados na Comunicação. A saber, mesmo que seja importante ler todo o artigo: 1 - A reportagem opinativa, 2 - A campanha enviesada da RTP, 3 – A Credibilidade das sondagens, 4 – A artificialidade comunicativa do PS e da LPM, 5 – A comunicação arrogante e sufocante, 6 – Os comentadores da direita socratista, 7 – Miguel Sousa Tavares, 8 – A sobrevalorização da sondagem das legislativas na SIC, 9 – A infelicidade do humor, 10 – O novo riquismo cenográfico (RTP).

07/06/09

Que alívio!

Depois dos discursos de Paulo Rangel e de Manuela Ferreira Leite, os grandes vencedores da noite, registo o alívio que é finalmente ouvir discursos com sentido. O de Paulo Rangel foi particularmente bem conseguido, estruturado, claro, incisivo e politicamente pertinente e oportuno, quer para os seus eleitores quer para os seus opositores: levantou a questão da mudança do quadro político em Portugal que impede o governo de tomar decisões que comprometam a próxima legislatura e as gerações futuras. É um alívio sair do modelo redondo e vazio dos discursos de circunstância, de anúncios e unidireccionais de José Sócrates que com a sobranceria da superficialidade ignora sistematicamente a oposição e a crítica e seus argumentos.

Hoje

Guerra e Paz 3

Além das suas rezas, Platon Karatáev não sabia nada de cor. Quando começava os seus discursos, parecia não saber como os iria terminar. (...) Platon não conseguia lembrar-se do que dissera um minuto antes (do mesmo modo que nunca conseguia dizer a letra da sua cantiga preferida). Havia nestas cantiga palavras – “querida”, “betulazinha”, e “estou muito triste” – mas, recontadas, nunca faziam qualquer sentido. Karatáev era incapaz de compreender o significado das palavras fora do discurso. Cada palavra e cada procedimento seus eram manifestações de uma actividade espontânea e que era a própria vida. Entretanto, a vida, tal como ele a encarava, não tinha sentido como vida separada. Apenas tinha sentido como partícula de existência geral que ele permanentemente sentia. As palavras e os actos de Platon derramavam-se de forma tão regular, necessária e espontânea como o cheiro emana da flor. Era incapaz de compreender o valor e o significado de uma acção ou de uma palavra tomadas em separado.
Lev Tolstói, Guerra e Paz

Platon Karatáev é uma personagem menor, mas com grande valor simbólico num romance onde abundam personagens da aristocracia culta que de formas diferentes procuram encontrar o sentido da vida e um objectivo que as faça agir. Karatáev é um camponês inculto, mas dotado de uma sensibilidade existencial muito peculiar. Ele, tal como o excerto acima nos diz, existe em ligação com o mundo, uma partícula na existência que ele sente e sabe, não deixando muito espaço ao cultivo do ego, estados de alma ou a problemas existenciais relacionados com o sentido da vida ou os objectivos das opções que se tomam e que caracterizam na obra as personagens principais. Ele existe como contraponto a essas personagens e é capaz de seduzir quelquer um pela simplicidade e harmonia do seu ser e viver. Como parte integrante de um universo e de uma existência que o transcende, mas que ele sente ternamente na vida que vive e que vê ser vivida, ao seu redor pelos homens, cães, árvores ou flores, Karatáev não questiona o que lhe acontece, não combate o seu fado - pelo contrário entrega-se, sem ressentimentos nem questionamentos e com uma simplicidade e aceitação tão naturais quanto desarmantes que, nesta sua forma de estar perante o mundo e o momento presente, ele acaba por transmitir aos que o rodeiam paz e ternura em momentos de dor e de aflição. Há nele uma entrega à vida, e consequentemente à morte, que espanta quem o rodeia, no seio dos quais está Pierre, que será fortemente marcado por este homem camponês e iletrado, mas dono de uma sabedoria e liberdade imensas.

O meu conhecimento de filosofia é infelizmente (e tal como o de tantas outras matérias) muito limitado, mas sei reconhecer neste excerto matéria que nos remete, pelo menos, para questões filosóficas antigas, sobre as quais não sou capaz de dissertar. Ouso, no entanto, algumas deixas; mais uma vez o Platonismo e o Nominalismo e Realismo que na Idade Média ocuparam tantos filósofos e teólogos.

06/06/09

05/06/09

Basta de Socialismo na Sociedade Portuguesa!

Basta de Socialismo na Sociedade Portuguesa!

Esta frase que Paulo Rangel elegeu para palavra de ordem é um alívio para a alma. Estamos fartos de socialismo. Abstenho-me agora de comentar José Sócrates, a sua imagem cultivada em think tank de marketing, as suas frases inventadas em laboratório de ideias e desenhadas e arquitectadas de modo a bastarem-se por si, no discurso redondo que usa tão típico dos monólogos por ele promovidos às horas que lhe convém, não vale a pena agora explorar o que ele representa de superficialidade e frivolidade, nem alongar-me nas incessantes dúvidas sobre o seu percurso e as razoáveis dúvidas sobre o seu carácter. Deixemos isso hoje.

Basta de socialismo! Estamos fartos do peso do Estado do seu excessivo poder, do crescente endividamento da sociedade portuguesa, do constante e crescente peso do fisco sobre as pessoas e as empresas, da prepotência das medidas tomadas aleatoriamente, dos ajustes directos entre o estado e empresas que promovem as ideias que geram anúncios que nem sempre se vão realizando. Estamos fartos de projectos megalómanos que servem para dar a ilusão e a patine moderna ao país pobre em dinheiro e em espírito que somos. Parafraseando Vasco Pulido Valente hoje no Público: para um povo melancólic(o), desiludid(o) e sem esperança. Que lhe pode trazer um novo regime: uma terceira auto-estrada?

Paulo Rangel conseguiu gerar algum ímpeto e entusiasmo numa campanha eleitoral que normalmente mobiliza pouco e em que a Europa e os seus impasses foram os grandes ausentes, mas que permitiu ao eleitor aperceber-se e ver que se desenha uma alternativa ao PS e a José Sócrates. Muito mérito de Paulo Rangel certamente, mas mérito também de Manuela Ferreira Leite. A líder do PSD que não entusiasma ninguém, que fica bem criticar, e que se confronta diariamente com a má fé e com os seus maiores críticos dentro do seu partido, é a grande responsável pela escolha e pelas decisões tomadas no PSD. Por muito hábil, e comum, que seja a retórica iluminada que tente demarcar Paulo Rangel de MFL, não o conseguirão. Qualquer vitória dele será sempre uma vitória dela. Eu espero por Domingo, e espero que Domingo um passo mais na direcção do Basta de Socialismo na Sociedade Portuguesa! seja dado.
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04/06/09

Andy Warhol
Hammer and Sickle
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Educação Sexual na Escola

Eu sou muito crítica em relação a muito do que é a Escola hoje. E por escola entendo quer a escola pública, quer a privada, pois ambas têm que seguir as disciplinas, os programas e os horários estabelecidos pelo Ministério da Educação. Em Portugal não há, infelizmente, verdadeira liberdade no ensino. A escola privada não pode escolher os seus programas, os pais não podem escolher o que os filhos aprendem. Ninguém se queixa muito!

Não gosto nem das disciplinas, nem tão pouco da distribuição horária. Ao fim de todos estes anos ainda estou para perceber o que é que no ensino básico se aprende, ou quais as mais valias de disciplinas como Educação Cívica (bullshit de quem tem medo da palavra “moral”), Área Projecto (twice bullshit que só serve para debitar banalidades “criativas” em power-point) e Estudo Acompanhado (thrice bullshit). Continuo a perguntar-me se não era melhor usar este tempo para a Matemática, o Português, a História, o Inglês. A distribuição da carga horária parece-me peculiar, há disciplinas cujos dois blocos semanais são dados seguidos – os célebres 90 minutos - e no mesmo dia da semana, claro, o que me parece verdadeiramente antipedagógico sobretudo num país com tantos feriados. Em cada trimestre há sempre um dia da semana que sai penalizado em relação aos outros.

Não gosto de muitos dos programas que conheço: lamento que o programa de Língua Portuguesa se faça totalmente até ao 9º ano à margem dos clássicos da Literatura Portuguesa. Lamento que a gramática seja palco de sucessivas experiências que umas avançam, outras avançam para depois (e felizmente) recuarem (lembrar a TLEBS). Não gosto do Estudo do Meio do 1º Ciclo em que cedo obrigam os meninos a conhecerem o 25 de Abril e a longa noite escura do fascismo de Salazar, antes de saberem quem é D. Afonso Henriques. Não gosto do tom das Ciências Naturais e muito menos do programa de Geografia (3ª Ciclo) em que os estudantes aprendem tantas competências que mal sabem onde são os cinco continentes e principais (maiores) países, mas sabem distinguir os diferentes tipos de planta das cidades (planta irregular, concêntrica ou ortogonal, segundo creio), sabem os problemas ambientais, mas não sabem onde fica o Sri Lanka ou a Bolívia. Poderia dar mais exemplos noutras disciplinas e se mais conhecesse, mais criticava com toda a probabilidade.

Dito isto, não tenho razão para esperar vir alguma vez a concordar com o teor do programa de Educação Sexual que este governo, tão amigo dos temas fracturantes e radicais, pretende implementar. Também confesso que isso não me preocupa tanto assim. Afinal, nos dias que correm é mais fácil em casa falar de preservativos, Kama Sutra ou homossexualidade do que dar a conhecer Fernão Lopes, Júlio Dinis ou Camilo Castelo Branco.


Vejam só: fizeram o mesmo ao meu dinheiro! Se Manuel Pinho assim o determina, quem sou eu para o contradizer? Então parece que só nos resta esperar tranquilamente os dividendos que receberemos deste, e de todos os outros negócios altamente rentáveis que em nosso nome e para nosso bem o Estado fez nestes últimos tempos. Ficaremos ricos em breve.

Ah, estes bloggers dotados de bom humor matinal...
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Dando Excessivamente Sobre o Mar 47

Edouard Manet (1832-1883)
Sur la plage

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A Cidade Hoje

Quem andar de carro em Lisboa e viver o caos instalado em que hoje, por exemplo, perdi 30 minutos desde a estação do Cais do Sodré até ao início da rua do Alecrim e que se alimenta de ruas cortadas, acessos modificados, ruas que são a espinha dorsal da circulação em Lisboa cortadas, faixas de rodagem diminuídas, rotundas em obras, terá certamente pouca vontade de votar no actual presidente da Câmara nas próximas eleições locais, pelo menos enquanto este caos durar. Esta explosão simultânea de diversas obras em vários pontos importantes da circulação que literalmente inferniza a vida de quem circula, põe a nu, mais uma vez, a falta de planeamento da intervenção na cidade deixando-nos a sensação de que a “obra feita” é feita porque há um calendário eleitoral a cumprir e não porque tem de ser em função de um planeamento e um estudo faseado e coerente e, claro, e mais uma vez fica a nu a face da falta de respeito por quem paga impostos - nomeadamente os dos combustíveis, indispensáveis ao funcionamento dos automóveis e igualmente indispensáveis aos sempre sôfregos cofres do Estado.

02/06/09

Hoje, um iate

Arrepio

A tecnologia hoje permite-nos ver quase tudo e comunicar imediatamente seja onde for que estejamos. Os meios de comunicação sociais estão em todo o lado, os telemóveis filmam, fotografam, os satélites também. Há registos e imagens de guerra, concertos, crianças a trabalhar como não deveriam, Britney Spears de cabelo rapado, ciclones a devastar cidades, Sarkozy com tacões de 5cm.. Fenómenos como Susan Boyle, que teriam uma dimensão nacional, eclodem no mundo inteiro de um dia para o outro. Sabemos tudo sobre todos, vemos tudo de todos, conhecemo-nos todos. Por isso foi com um arrepio na espinha que ouvi ontem a notícia do avião da Air France que desapareceu. Simplesmente desapareceu; ele e as pessoas que levava a bordo. Sem aviso, sem deixar rasto (imediato), sem imagens. Só a angústia e uma espera fria pois não se sabe de quê. No aeroporto de chegada as pessoas aguardavam os familiares e amigos no avião que não chegava, aquele de que nada se sabia. O nada. Este vazio informativo a que já nos desabituámos, porque há sempre uma imagem, uma mensagem, um telefonema que alguém recebe, atingiu-nos com força. Nem as mensagens automáticas do equipamento colmatam este vazio, pois não têm a dimensão humana. Talvez os vestígios que hoje foram encontrados, a seu tempo e feita a prova de pertencerem ao avião em causa, ajude a dar essa dimensão humana e um sentido a esta tragédia vazia. Se é que isso importa...

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