15/11/09

Das Escutas


Nos últimos dias tenho-me lembrado frequentemente da série The Wire (ainda não vi todas as temporadas), onde, tal como o nome indica, grande parte da investigação feita e da prova encontrada tem por base escutas. Desde o processo inicial de as requerer e de conseguir uma autorização para as fazer, até aos dilemas finais de “o que fazer com tudo o que se escutou”, nada escapa ao espectador. O grande problema das escutas é que revelam sempre muito mais do que aquilo que os investigadores pretendem e muito mais do que aquilo que a justiça quer e/ou precisa. É como se ao querer provar algo, se encontrassem pedaços de outras histórias (crimes) tantas vezes piores do que aquela que inicialmente se pretendeu investigar.

Começam por investigar um problema de droga, e sem saber como deparam-se, por exemplo, com ilegalidades no financiamento de campanhas politicas. O problema seguinte é decidir se se opta por limitar a investigação aos crimes inicialmente sob suspeição ou se se começa a seguir o rasto do dinheiro abrindo provavelmente investigações sobre corrupção, tráfego de influências, etc. Com tantas pontas soltas e tantos caminhos apontados, os investigadores, o Ministério Público e os tribunais ficam perante dilemas que preferiam não ter, e casos que preferiam ignorar. Casos mais complexos e que mexem demasiado nos interesses instalados em que todas as partes acabam por se encostar. Castigar uns crimes violentos, expor a droga apreendida numa mostra de competência, é sempre bem visto e dá mostras à sociedade de que a polícia de investigação funciona. Mas sempre evitar investigações posteriores das novas pistas reveladas quando podem por em causa ou fragilizar o "sistema" e incomodar quem investiga ou quem acusa.

Destruir escutas, não seguir o rasto do dinheiro, arquivar processos por falta de prova, são sempre soluções que permitem evitar grandes sobressaltos políticos (quer no mundo politico quer no económico e financeiro) e que permitem grande tranquilidade ao Ministério Público e aos “so called” serviços de justiça.

Claro que qualquer semelhança entre o descrito, inspirado no The Wire, e o caso Face Oculta, o caso Freeport, o caso Casa Pia ou tantos outros que conhecemos, é mera coincidência.
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