15/06/07

Ordene-se

aqui e aqui escrevi sobre a hostilidade de alguns sectores do politicamente correcto para com a liberdade dos médicos que recusam fazer abortos. Hoje, ao ler este artigo do DN escrito pela jornalista Fernanda Câncio, volto ao assunto. No debate que precedeu o referendo várias foram as vozes a perguntarem umas, e a terem sérias dúvidas outras, sobre a forma como o SNS poderia digerir a nova lei do aborto. Nada do que se passa hoje é muito surpreendente e basta conhecer um pouco os nossos hospitais públicos, onde hoje se assiste a uma enorme vaga de corte de custos - nuns casos muito bem, noutros já nem tanto, para perceber que poucos recursos sobrariam para os abortos a pedido. Não me parece mal que assim seja. A lei que permite o aborto “a pedido” abriu a porta a clínicas privadas que o podem fazer legalmente, e em total competência e segurança. Parece-me que são a boa solução. Pagar é sempre uma forma adequada de responsabilizar as pessoas pelos seus actos e pelas suas escolhas. Não se trata de as penalizar ou de castigar, somente de responsabilizar, uma noção que deveria andar sempre de mãos dadas com a noção de optar livremente. Pagar um aborto “a pedido” não me parece nada de extravagante, e essas clínicas terão com certeza formas de pagamento adequadas a todos os bolsos. Hoje a flexibilidade da forma de pagar é prática corrente ao contratar um qualquer serviço ou comprar um qualquer bem.

Apelidar esta situação de excesso de objectores de consciência nos serviços de obstetrícia, de caricatural, é mostrar um profundo desconhecimento do que é a realidade do nosso país, dos recursos do SNS, e da mentalidade portuguesa, no que tem de mau e de bom, e é continuar a recusar ver e perceber a diferença ética e moral que existe entre fazer um aborto “a pedido”, ou fazê-lo por “razões médicas” ou outras razões de excepção anteriormente previstas na lei. Mesmo que se ordenem os serviços de obstetrícia dos hospitais públicos a organizarem-se de modo a que haja médicos não objectores nos seus quadros, será sempre difícil garantir a 100% a aplicabilidade de tal ordem. A não ser que se criem quotas nos serviços de obstetrícia para médicos não objectores de consciência, ou que ao admitir médicos para os seus quadros, os hospitais façam “discriminação positiva” perguntando ao admiti-los se eles serão ou não objectores. Também se poderia tentar a chantagem: se fores objector não tens emprego.

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