28/03/09

"Não me Entretenho a Descrever a Crise"

Ouvi da boca do Primeiro-ministro no Jornal da Noite da SIC de quinta-feira esta afirmação extraordinária: “não me entretenho a descrever a crise” nem (e cito de cor) a ser pessimista, astrólogo e vidente. Nestas declarações proferidas quando da visita a uma unidade industrial corticeira, mais uma vez se põe em evidência a distancia entre o Primeiro-ministro que nos governa, cada dia pior, de forma cada vez mais aleatória, caprichosa e insegura, e o país real que deveria conhecer e governar. Um Primeiro-ministro que se preze deveria descrever a crise, mas para isso precisa de saber, de estudar, de ouvir para a conhecer. Deveria saber explicar aos seus eleitores e aos cidadãos contribuintes os contornos da crise no país: o desemprego crescente decorrente de falências de um sector privado cada vez mais frágil face aos constrangimentos financeiros, fiscais e às dificuldades conjunturais de uma crise que afecta o mundo, um sector bancário sem liquidez e imóvel que não consegue investir nem emprestar, o empobrecimento geral da população, o gigantesco endividamento externo e uma maior restrição e custo de financiamento do estado no exterior causado pela baixa do rating da República Portuguesa, etc, etc.

A ligeireza e a sloganização da nossa política governativa impele o Primeiro-ministro a buscar (ou improvisar) medidas sem nexo aparente de combate à crise que caibam em duas frases e possam ser anunciadas com efeitos sonoros nos jornais televisivos. Não se detecta nessas medidas anunciadas um objectivo claro. As injecções de capitais dos contribuintes ao sector bancário são discutíveis e mal percebidas em alguns dos casos (BPN, por exemplo); a redução em 50% da prestação da casa, uma moratória por dois anos para quem tem prestações inferiores a 500€ mensais e que só afecta e interessa a um núcleo muito pequeno de cidadãos, que não sabem se daqui a dois anos estarão em condições de ressarcir o banco, é também um adiar da crise; o desconto para a compra de painéis solares de determinadas marcas e modelos comprados através de uma financiamento bancário (sempre a banca, sempre a banca como intermediária) mostra bem a irrelevância e leviandade destas medidas. A exortação feita por José Sócrates para que se comprem os ditos painéis solares para ajudar a crise é tão ridícula que embaraça quem ouve (já que não embaraça quem diz) pois expõe de forma inquestionável a distância entre a realidade da crise e o que se passa na cabeça de JS e dos seus assessores - um eufemismo para a ignorância total que revela sobre o mundo em que vive e a incapacidade de se rodear de quem saiba e lhe explique. A aposta cega nos grandes investimentos (TGV sobretudo) parece ser mais uma fuga para a frente, uma teimosia megalómana do que decorrente de análise das reais necessidades do país.

As medidas avulsas para a crise “vendem” bem do ponto de vista do sound bite: são como quem anuncia uma campanha de promoções, uma época de saldos, mas depois de se perceber o alcance das mesmas voltamos à estaca zero: a classe média que sustenta a economia dum país, e neste caso a nossa classe média, bem como as nossas pequenas empresas estão na mesma, isto é, cada dia pior: cada dia mais estranguladas com os impostos, com os custos sociais, com a insegurança das encomendas que não chegam e dos empregos que se podem perder. Neste caso não há painéis solares nem TCGs que lhes valham. O Primeiro-ministro devia parar um pouco para entender a crise, só assim poderá explicá-la devidamente (e não “entreter-se” nas palavras dele) aos cidadãos, só assim lhe será dada credibilidade, algo que manifestamente teima em lhe escapar um pouco mais a cada dia que passa, a ter uma base sólida para pensar as medidas contra a crise e não um desbaratar de dinheiros públicos que tornarão a situação financeira do país insustentável. José Sócrates não governa. Entretém.

Adenda: Li isto depois de escrever o este post. Alguém que parece não se importar de falar sobre a crise e de falar verdade. Mas nós temos eleições, não é? E falar a verdade em períodos eleitorais (e nos outros) não é lamentavelmente uma opção para o nosso Primeiro-ministro
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