Há uma praga linguística que se foi instalando devagarinho para hoje tomar proporções alarmantes. Eu sei que a língua é um organismo vivo e que vai evoluindo, etc, etc, mas que essa realidade indesmentível não sirva de justificação para que se maltrate a língua com vulgaridades de ferir o ouvido, e para que se permita que ignorância se instale sem que ninguém se aborreça, pois é de ignorância pura que falo, não de opções. Eu aborreço-me, e aborreço-me com umas coisas mais do que com outras e esta é uma que pertence ao ‘top’ da náusea. Experimentem ir comprar sapatos desportivos, isto é: ‘ténis’. Depois de escolherem o modelo e tamanho vejam lá se o(a), vendedor(a) não pergunta solicito(a): “quer experimentar o ‘téni’?”
Mesmo sabendo que vai ser assim, o meu mundo pára uma fracção de segundo. ‘Téni’, diz ele(a). Volto a repetir: ‘téni’. Que palavra mais feia, mais ‘contranatura’. Se dantes sorria por dentro, hoje fico numa fúria apenas controlada pela boa educação. Há dias dei comigo a dizer ao vendedor, “não, não quero experimentar o ‘téni’, quero sim, experimentar o' ténis' do pé esquerdo se faz favor”. De cada vez que o homem dizia ‘téni’ eu repetia ténis com ainda mais energia, e sentia a fúria a aumentar. Sei que um dia não resisto, e ao falarem-me em ‘téni’, eu hei-de perguntar - já agora e por pura curiosidade - como é que dizem o singular de umas duas ou três outras palavras terminadas em 'is'.