Gravo muitas vezes concertos e óperas do canal Mezzo que depois, a meu tempo, vou vendo. Recentemente vi uma gravação de há meses da ópera Evgene Onegin de Tchaikovsky, baseada na obra homónima de Pushkin. Ao contrário do que se passa com algumas óperas de Verdi em que as histórias são complexas e o enredo se enreda e desenreda, esta é o contrário, é simples, mas nem por isso deixa de ter momentos de grande tensão psicológica e dramática. O herói, Onegin, é frio, frívolo e cheio de ‘ennuit’, a heroína, Tatiana é jovem, romântica e ingénua. Como é óbvio, os cantores de ópera são verdadeiros actores vestindo a pele e encarnando as suas personagens e através da voz, expressões, gestos, postura transmitem toda a emoção e intensidade que é pedida pelo compositor e que o espectador espera. Assim, fica um sabor a pouco quando não experimentamos as emoções prometidas pela peça. Foi o caso desta versão (já vi de que gostei mais) que me pareceu superficial e fria (até pelos cenários e produção), mas foram sobretudo os protagonistas que me desapontaram.
Não sei o suficiente de canto lírico e ópera para fazer uma crítica, mas fica a impressão que que os protagonistas me causaram. Ele, hirto, formal e frio (até para interpretar uma personagem fria), ela era feia a cantar – os primeiros planos que as filmagens nos dão são responsáveis por tanto impressionismo – pois tinha uma forma estranha de mexer a boca e projectar os lábios e, de perfil, tinha uma boca de pato. Mas não ficou por aí a estranheza pois enquanto cantava – nomeadamente naqueles momentos de maior intensidade dramática - percebi que a sua testa não fazia nenhum tipo de ruga ou vinco, mas ondulava como se tivesse sido enchida com um líquido gelatinoso. As rugas de expressão não existiam, existiam sim, uns volumes estranhos dados pelas ditas ondas.
Boca de pato, ondas na testa numa cantora que estava longe de ser ‘velha’ (na ópera é comum mulheres de 50 anos interpretarem jovens ingénuas de 16 ou 17, como sabemos) e que tinha uma figura jovem, e que, aparentemente, não teria necessidade de recorrer a certas intervenções estéticas na cara. Tento sempre perceber o que motiva uma mulher ou homem a voluntariamente desfigurarem-se. Vejo apresentadoras na televisão portuguesa com alterações substanciais nos traços do rosto, testas lisas que parecem ter sido engomadas, maçãs do rosto demasiado cheias, lisas e luminosas, lábios exageradamente volumosos (apesar do volume ser variável, aumentando e diminuindo, de acordo com as intervenções feitas), por vezes até com um lado da boca com mobilidade visivelmente reduzida. As expressões da cara são muito alteradas, e facilmente se percebe que o tipo de intervenções feitas. Tantas vezes as bocas são, de perfil, verdadeiros bicos de pato e a dicção é notoriamente alterada.
A passagem do tempo, ou dizendo-o de uma forma menos poética, o envelhecimento pode não ser fácil, mas é inexorável desde o momento do nascimento. Por muito botox que se ponha na testa, a pele envelhece, as rugas estão lá, as pessoas envelhecem. Por muitos enchimentos que se ponham nas maçãs do rosto ou nos lábios, a cara modifica-se com a idade, e as marcas da passagem do tempo estão lá, por trás dos enchimentos. Custa-me ver essas caras que voluntariamente se desfiguram, mas o que me custa mesmo é perceber que nada disso surpreende, que já é norma, até diria mais, que já se espera e se aceita tranquilamente que as pessoas (mulheres) passem por esses processos de modificação da fisionomia do rosto, na vã luta contra o tempo. A sabedoria, que supostamente vem com a idade, está agora substituída por uma equipa de técnicos e técnicas dermatológicas
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, (...) E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía.