13/12/06

Qual é o Deus do Mediterrâneo 3 (e último)

Deixei para o fim a reflexão feita por Salman Rushdie sobre a maturidade do homem que, para ele, só acontecerá quando o homem der um passo para além, da religião e a ultrapassar. Para que o homem se encontre e confronte consigo mesmo precisa que os deuses se distanciem e afastem. Também uma separação entre o mundo de deus e o mundo dos homens ajuda neste processo. Foram apontados dois momentos chave na história ocidental para ilustrar estes passos: o renascimento que é a formalização do mundo centrado no homem e em que deus se torna periférico, o que lhe (homem) permite soberania sobre si próprio fazendo livremente as suas escolhas morais. O segundo momento é o iluminismo com as suas batalhas contra a Igreja e uma cada vez maior separação dos poderes dos estados com os poderes da Igreja.

Esta reflexão vem de alguém que assume como um não religioso. Mas para alguém de fé estas reflexões devem causar alguma perplexidade ou mesmo discordância. Creio que o que está em causa é a questão da liberdade e do livre arbítrio quando alguém de fé está inserido num sistema doutrinal. Vou dar um exemplo: no caso do voto ao referendo sobre o aborto quem, vivendo a fé católica e conhecendo a doutrina da Igreja, vota em plena liberdade ou vota por causa dessa fé que professa e doutrina que tenta seguir? E se o faz de acordo com o seu sistema de fé é menos livre por isso? Só é livre, maduro e integralmente responsável (num sentido não legal, claro) quem não tem fé? (É claro que estas questões que coloco acontecem numa sociedade ocidental em que existe separação entre o poder político e religioso, pois outras existem em que não há referendos, nem discussão pública e as questões sobre a liberdade ou o questionar a religião e seus ensinamentos são sussurradas por uma minoria.)


Para mim a liberdade e responsabilidade, aquilo que no início do texto se chamou “o distanciamento de deus” vem sim de algum distanciamento, não só em relação a deus, mas sobretudo em relação a nós próprios e ao que damos por adquirido, vem da capacidade de auto questionamento e reflexão da, ultimamente tão falada, relação entre a Fé e a Razão.

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