Comecei a ler “Os Maias”. Reler, claro, provavelmente pela quarta vez. Ao fim de umas dezenas de páginas já estou (como previa) encantada e contente por voltar a este romance ao fim de tantos anos. É inegável o conforto de ler um livro que já sabemos que é bom, de termos a certeza. Deve ser por isso que releio às vezes com redobrado prazer o que já tinha gostado de ler. Lembrei-me de um romance lido recentemente sem grande prazer e acabado mais por uma noção de “dever”, do que pela minha vontade. Mas como poderia eu saber que o romance não me iria interessar (pelo contrário). Como minimizar estas perdas de tempo e perdas estéticas a ler romances de que não gostamos e que consideramos medíocres?
A minha resposta é sempre a mesma: refugiando-me com muito frequência em território seguro, isto é, obras com mais de cem anos que perduram. A minha recente desilusão tem o nome “Solar” e foi escrita por Ian McEwan. Um romance impecável, bem escrito – às vezes até irritantemente bem escrito, em que o cinismo reina e o “humano” parece ausente noutra dimensão que não as mais imediatas. Há algo de mecânico no romance que cria distância, talvez para que o cinismo, a ironia e a descrença se tornem mais visíveis. As personagens são frias e desinteressantes. Por exemplo o Dr Beard, a personagem principal, é homem ambicioso, egocêntrico e superficial que tudo o que quer é manter importância, estatuto e influência. Este extracto que a seguir transcrevo em que ele olha para si, é um exemplo de um dos mais intensos e profundos momentos de introspecção:
"Beard was surprised to find out how complicated it was to be a the cuckold (...) At last, he knew himself for what he was (...) as he came out of the shower, he wiped down the glass, stood full on and took a disbelieving loook. What engines of self-persuasion had let him think for so many years that looking like this was seductive?"
Dr Beard, um físico, ganhou um Nobel pelo seu trabalho na área do “aquecimento global” e as mudanças climáticas. Vive da reputação que criou, mas hoje o seu cepticismo é notório:
“(...) one was always living at the end of days (...). The end of the world was never pitched in the present, where it could be seen for the fantasy it was, but just around the corner, and when it did not happen, a new issue, a new date would soon emerge. (...) When it did not happen, and after the Soviet empire had been devoured by its internal contradictions, and in the absence of any other overwhelming concern behond, intransigent global poverty, the apocaliptic tendency had conjured yet another beast”, que são as mudanças climáticas e o aquecimento global.
Outros ingredientes para esta obra que desilude, a dependência dos subsídios para criação e manutenção de gabinetes de estudo e investigação, a irrelevância das conferências feitas pelo mundo e a falsidade e vazio dos conferencistas, a luta pelos lugares de topo, a manutenção da reputação explorando o trabalho alheio, o privilégio com pouco trabalho real, são sinais da distância, cinismo e descrença que da primeira à última página povoam esta obra desinteressante que pouco apetece continuar a ler.
Muito longe do Ian McEwan intimista, profundo e elegante, e que se lê naturalmente e com gosto, de Atonement ou dessa fabulosa novela que é On Chesil Beach.