Já tinha visto Cranford e Return to Cranford (série televisiva – duas temporadas - duma adaptação muito livre de três novelas de Elizabeth Gaskell) há uns meses, mas decidi rever a série e ainda bem que o fiz. Apreciei-a bem mais e confesso que há muito que não via nada que me deleitasse tanto. O sublime, o ridículo, a irrelevância elevada a problema, o problema minimizado, as estratégias de sobrevivência, a dignidade na adversidade, o medo do desconhecido e da diferença, o provincianismo, a compaixão (diferente da “solidariedade” conceito moderno que pressupõe “igualdade”), a ilusão, a esperança, o medo da mudança, mas os tempos que inexoravelmente mudam estão desenhados de forma imaculada nesta série tão aclamada da BBC. Uma reconstrução do universo da pequena localidade de Cranford em meados do século XIX, que nos deixa colados ao sofá, a sorrir, a suspirar, a rir, a comover.
Numa era de televisões, rádios, telemóveis, sms, twitters, blogs, e de internet a dar-nos acesso 24h por dia a qualquer desejo de informação por mais desinteressante e fútil que possa ser (notícias a vídeos, opiniões, informação diversa sobre tudo e nada - muito nada), mergulhar no mundo de Cranford – em meados do séc. XIX - é uma terapia altamente benéfica: uma limpeza interior – diria mais, uma exfoliação interior que aconselho vivamente. Mergulhar nesse mundo onde comer uma laranja é um gesto exótico, acender mais de duas velas para ler ao serão, uma ousadia, e onde as relações entre as pessoas não deixam de ser intensas só porque são mais formais e desprovidas do excesso de familiaridade que o estar sempre disponível e “visível” de hoje nos dá é refrescante. Há sempre contenção, por muito que se espreite da janela.
Os actores são formidáveis e o universo é absolutamente credível. Um conto mágico para adultos verem.