03/10/12

Wallander


Acabou no fim de semana passado a terceira série de episódios Wallander, uma série policial centrada num detective sueco que pertence à polícia duma cidade do sul da Suécia. Poderia ter escrito mais uma série TV policial, mas não o fiz de propósito pois Wallander é uma série diferente da maioria de séries que a televisão oferece e, no meio de tanta oferta, há algumas muito boas. Mas esta é diferente. 

É uma série para adultos e diria mesmo, só para alguns adultos. Não vejo os jovens (idade biológica, ou teimosamente em espírito) a interessarem-se e gostarem dos episódios desta série. Cada episódio funciona à volta de uma investigação policial, sendo o detective o centro da série. O ritmo é um andante com alguns momentos de maior tensão, longe do ritmo acelerado e de cenas curtas tão popular nas séries hoje. Não há grandes sub-intrigas, nem suspense, nem paixões sentimentais (amores, ódios, vinganças) a fazerem correr as personagens. Os diálogos não são ‘gripping’, nem abundantes. Wallander não é especialmente simpático nem antipático, não fala muito, não se explica, não proclama a felicidade, nem sequer parece procurá-la ou esforçar-se para mater uma ilusão de que é feliz. Também não há ‘gente gira’ na série, as personagens são banais e nunca parecem modelos: não têm os músculos esculpidos, têm rugas, dentes desalinhados e vestem roupa sem história. O ambiente físico e a paisagem não são tropicais, nem propícias ao uso de camisas abertas, calções ou bikinis e havaianas. Não há sol luminoso, mas sim uma ‘mood’ sombria entre os cinzas e verdes que convivem sempre com uma neblina. 

No entanto ver Wallander é sempre um desafio. Há um profundo reconhecimento do material que faz de nós seres humanos genuínos, e não saídos do estudo das estatísticas de audiências, algo raro nestes produtos televisivos. A personagem principal, introvertida e algo enigmática, bem como os crimes e criminosos que se atravessam no seu caminho, levam-nos e lembram-nos recantos dessa genuína humanidade que tantas vezes fingimos ignorar, e então reconhecemos os medos, a solidão, o desequilíbrio, as frustrações, o silêncio, a impotência, a dúvida, a violência, o vazio, um raio de luz de esperança que desaparece, uma ilusão que se desfaz, um sorriso breve que se crispa, uma alegria contida que dificilmente se abraça. Este reconhecimento de que falo, não reconforta, incomoda; não é exactamente aquele pathos mais frio e automatizado de Bergman mas, e mantendo-se Wallander (a série) também herdeira de um existencialismo protestante e nórdico, assume uma forma mais nostálgica e melancólica: a humanidade prisioneira de si própria, incapaz de se resolver. Essa mesma humanidade também prisioneira de uma sociedade tão politicamente correcta, tão aberta e livre que a própria liberdade é incómoda, a liberdade de questionar é quase uma subversão, e qualquer gesto fora do espectável é a origem de uma culpa que, de uma forma ou de outra todos expiam, (como ao longo dos séculos a expiaram), às vezes sem saberem nem que o fazem, nem porque o fazem. 

Kenneth Branagh é um Kurt Wallander excelente, e do seu trabalho resulta uma personagem complexa, tantas vezes em circunstâncias limite – um detective que procura culpados de crimes violentos convive com o limite – mas sempre totalmente credível nessa humanidade que partilha connosco espectadores,  e nesta terceira série foi especialmente convincente com momentos a que chamaria sublimes. 

Espero pela quarta série.

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