O raio que os parta!
Estive dois dias para escrever esta interjeição, uma questão de ter a certeza de que era mesmo isto que queria escrever, e não apenas um impulso de raiva depois de ter ouvido na segunda-feira o ministro Victor Gaspar. Ele que, com a sua voz estudadamente pausada, tenta dar a ilusão de que do seu discurso só saem decisões ponderadíssimas (nós bem sabemos), claríssimas (nós também bem sabemos) e pautadas pela sapiência e sabedoria. E se até dou o desconta para a sapiência, o mesmo não se aplica à sabedoria: já só engana quem quer ser enganado.
Porque continuam a usar, em tom paternalista de quem sabe tudo, de quem é moral e politicamente superior, e capaz de julgar os portugueses (vivem acima das possibilidades, são piegas, são ignorantes...), as chantagens do género “quem não está de acordo com este orçamento está contra o programa de ajustamento”. Errado! Tão errado. Nós não confundimos as medidas deste governo e o memorando de entendimento da troika, ou a necessidade de austeridade.
Porque estão a atentar contra a minha liberdade. A minha liberdade está também, e muito, ligada à forma como eu decido gastar o meu dinheiro. Ora se o estado unilateralmente decide tirar uma enorme fatia dele, para um programa em que só ele e meia dúzia de consultores seus acredita, que liberdade tenho eu de o gastar como o entendo? Poupando ou consumindo, a liberdade de escolha é minha. Ser liberal é sobretudo não atentar contra as liberdades individuais, é não subir impostos, não tirar dinheiro aos contribuintes, mais do que o estritamente necessário... é não tirar mais sobretudo quando já se tirou demais. Não gosto quando atentam contra a minha liberdade, e citando Pinheiro de Azevedo, digo "é uma coisa que me chateia (pá?)".
Porque persistem no erro. A carga fiscal vai aumentar de uma forma tal, que as pessoas reais, o tecido económico real do Portugal real, (diferente do Portugal imaginário visto a partir dos modelos económicos do mundo académico, ou visto através de uns óculos de oportunidade de meia dúzia de comentadores e/ou colaboradores e/ou consultores), não vai conseguir pagar. As execuções fiscais vão aumentar, as falências vão aumentar, os incumprimentos vão aumentar, o desemprego vai aumentar, a pobreza vai aumentar, a infelicidade vai aumentar. A colecta fiscal não.
Porque, de acordo com o memorando da troika, a consolidação orçamental deveria ser feita sobretudo (2/3) do lado da despesa, e eles propõem-nos que se faça quase exclusivamente do lado da receita, com a agravante de que e a maior fatia do corte da despesa corresponde às prestações sociais.
Porque vão, pelas boas e pelas más razões, pôr o país todo contra o governo, o que não fará assim tão mal; bem como contra o programa de consolidação orçamental da troika, o que será bem pior e poderá ter consequências mais nefastas à nossa já tão débil soberania, e à nossa economia que – olhando com atenção e não olhando apenas para os números governamentais - pouca saúde tem.
Porque estão a levar o país a uma verdadeira revolução social (a palavra reajuste de que tanto gostam é um eufemismo de quem não percebe o que se está a passar) cujas consequências são difíceis de prever. Como ficará a sociedade portuguesa daqui a 10 anos?
Porque política não é só subir impostos. O governo mascara a sua ausência de pensamento político sólido, por um discurso de pseudo-rigor económico (na boa escola de economês cheio de vocabulário alavancado), em que as nuances castigadoras não escapam. Os aumentos de impostos, como única arma de rigor orçamental são a face visível do vazio (de pensamento ideológico e político) em que este governo assenta. Desde o primeiro dia; não me iludiram.