É recorrente. De vez em quando, e a propósito normalmente do que se considera causa fracturante, fala-se de civilização e de avanço civilizacional. Longe de mim querer começar uma discussão filosófica, antropológica ou sociológica sobre o que é uma civilização, ou até ousar abordar diferenças civilizacionais entre o passado e o tempo actual ou entre as diferentes ‘civilizações’ que coexistem hoje no planeta terra. Seria interessante, nomeadamente tentar perceber se há umas civilizações ‘melhores’ do que outras e o que é que determina essa valoração, mas não é esse o meu objectivo.
Limito-me a registar a facilidade com que se fala de civilização e de avanço civilizacional a propósito de qualquer coisa. Há umas semanas foi a Ministra da Cultura que – no parlamento – disse com muita clareza que as touradas eram uma actividade humana que cada vez fazia menos sentido (palavras minhas) numa civilização que se quer avançar. Esta noção de movimento – os ditos avanços e recuos civilizacionais – intriga-me. As civilizações evoluem e penalizar/acabar com touradas é uma opção acertada para estarmos no lado certo do dito avanço civilizacional.
Quero deter-me um pouco nesse avanço, nesse movimento que, característica intrínseca do movimento, há-de ter uma direcção. Ora ninguém me explica qual a direcção dos ditos avanços civilizacionais que prometem, e que deveríamos alegremente e sem pestanejar construir. Eu gosto de perceber as coisas e nunca percebo que tipo de civilização ‘óptima’ é essa que devemos almejar, abandonando práticas consideradas não civilizacionais como as touradas. Afinal, quem é que nos explica que tipo de civilização é essa? Será que a ministra da Cultura sabe onde é que esse avanço civilizacional nos leva? Ou será que essa dita civilização que os avanços nos permitem vislumbrar não é mais do que um work in progress (este conceito que está na moda) de uma agenda política que existe na cabeça de uma minoria normalmente elitista e ‘de esquerda’ que impõe os novos códigos morais inventados numa máquina de propaganda qualquer num gabinete de marketing político e assentes em restritivos códigos de linguagem politicamente correcta? As pessoas que fazem a maioria – essa coisa chata e inconveniente que vota ‘populista’, Trump, Brexit, entre outros - pouco se revê nesses novos códigos morais, na linguagem cuidada, vigiada e reprimida e nessa ânsia de ‘avanço civilizacional’. Agora foi a tourada, em breve arranjarão outro tema para nos falarem de civilização. Deveriam parar um pouco, olhar à volta, e ver onde param os avanços civilizacionais, por exemplo (poderia dar tantos), num programa de televisão que se chama “Casados à Primeira Vista”, um reality-show pseudo-científico e com ‘Especialistas’ a funcionarem como casamenteiras. A tourada é, em todos os aspectos, infinitamente mais interessante e superior do ponto de vista civilizacional (e eu não sou propriamente uma apreciadora de touradas).
Na minha noção de civilização os avanços civilizacionais prendem-se com (e para não me deter num passado muito passado, começo no século XVIII) a abolição da escravatura, o voto das mulheres, a diminuição da taxa de mortalidade infantil, a educação para todos, o aumento do número de sociedades democráticas, e o aumento da média da esperança de vida, para citar alguns. Infelizmente, no nosso planeta Terra e nos dias de hoje muitos destes avanços civilizacionais estão por cumprir. Mas isso não incomoda quem, nas nossas sociedades chamadas ocidentais tem uma agenda política politicamente correcta. Nem isso nem o simples facto de que na nossa própria sociedade aguardamos ainda o cumprimento de um avanço civilizacional importante: uma Justiça célere, eficaz e ao alcance de todos. Mas isto sou eu a falar ... quero lá saber das touradas.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, (...) E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía.