Sabia exactamente sobre o que ia e queria escrever. Pensei dedicar uma parte da manhã de hoje a fazê-lo, só que, sentada em frente do computador, perdi-me ... saltando sem nexo entre emails, actualidade, notícias, textos vários, vídeos, pesquisas, música, blogues. Tudo, qual Babilónia, se confunde em frente dum computador. Na nossa mente tanto cabe a vontade de perceber como é que esta receita de couve fermentada é diferente da já experimentada com sucesso, como cabe um momento de irritação com mais uma invenção do governo que, em vão, tento perceber. Inclusão? Mas o que é isso exactamente, e sobretudo, como se mede essa dita inclusão? Pelo número de alunos de cor, por turma, por ano? Por um rigoroso 50% de raparigas e rapazes? Por uma quota de ricos e pobres? Estas invenções e estes nomes fazem-me rir: são reveladoras do “ar dos tempos”, e porque esquecem que, de facto, tudo o que os pais querem saber é a taxa de sucesso da escola para entrada na faculdade. Tudo se resume a isso, por mais voltas ideológicas que o ministro queira dar. O governo pode decidir o que quiser, outras entidades farão um ranking baseado nos factos puros e duros, nas notas e no acesso à faculdade e será esse que os pais procurarão.
Entre deambulações várias, a vontade de ouvir Debussy parece premente, nada que o youtube não resolva com ajuda de Martha Argerich. Aquela conta a pagar obriga a uma passagem pelo homebanking, numa manhã em que Maria João Rodrigues ocupa os sites informativos e em que me distraio com publicidade imobiliária mandada para o email – os preços das casas, pois, bem como as casas em si que parecem estar a ser feitas para investidores e não para pessoas. Depois de uma pesquisa na Wikipedia, (que nos redirecciona para outra e outra ...) percebo que já não é Debussy, mas Lizt que toca pois o youtube passa para o vídeo seguinte e nem pergunta se queremos ou não. Resta o consolo de (ainda) não ter tropeçado nem no Brexit nem no PSD. Confusos? Também eu. O “computador” parece um animal selvagem difícil de controlar ... não, isto não faz sentido nenhum, o computador é só uma máquina, não tem vontade própria, lembro-me. Que seja, mas confesso alguma dificuldade em perceber este comportamento errático em frente de um ecrã, e este deambular sem nexo, por muito definida que fosse a intenção primeira. O pior é que o tempo, o implacável tempo, escorre (cada vez mais rápido, sim, dizem que sim os físicos que o estudam) entre os dedos e os cliques do rato, e mal percebo que passou.
Não escrevi nada do que tinha pensado, o que não será um problema. Em jeito de desculpa, deixo aqui em “copy/paste” esta pequena pérola encontrada na selvajaria de deambulações (com a pequena gralha):
«Não sou dos que morrem de amores por Camões», diz Agustina. «Um poeta deve ser um mensageiro feliz; aquele que à nossa porta chega sem trazer a peste do seu tempo a turvar-lhe a pele. O que nos canta o melhor do seu coração para inspirar um sôfrego destino de felicidade.» Tenho andado à procura de uma boa forma de traduzir «spark joy», uma que transmita toda a intensa alegria despoletada por essa faísca e eis que encontro em Maria Agustina esta, que parece uma versão forte do lema de Marie Kondo: «inspirar um sôfrego destino de felicidade.» Perfeita. Camões não inspira, é claro, tal destino à autora de «A Sibila», e a navalha de Agustina é tão afiada quanto a de Occam: de todos os poetas, escolham-se os portadores de felicidade. O que deixa de fora, virtualmente, todos os poetas, esses pregoeiros do lado obscuro da alma humana, não só Camões. As estantes de poesia, vazias: Marie Kondo sentir-se-ia orgulhosa. Ah, desditoso paradoxo: o vazia gera vazio, o efeito da multiplicação por zero. A felicidade, essa, precisa de terreno mais fértil para nascer.
(http://xilre.blogspot.com/)
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, (...) E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía.
19/01/19
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