
Demorei mais tempo do que gostaria a ler o livro. Rushdie escreve bem como sempre, uma escrita texturada que enche o livro de frases belíssimas e imponentes. Este é mais outro romance rico e denso: pelas personagens, pelos ambientes, pelas histórias, pela história, pelas geografias, pelos mundos, pelas intrigas, pela linguagem, pelos simbolos, pelas evocações. O multiculturalismo em versão literária. No entanto e por vezes, o romance cansava-me, tal o turbilhão de nomes complicados, de locais impronunciáveis, de gentes, já não é a primeira vez que isso acontece (‘The Ground Beneath her Feet, por exemplo) de uma forma que não acontece com outros romances igualmente complexos e densos como “Midnight’s Children” e “Shalimar the Clown”, e chego à conclusão que o Salman Rushdie que mais me prende e agarra é o que é autobiográfico. Ele escreve sobre Cachemira e Bombaím - as suas memórias, mesmo que ficcionadas, dessas terras - de uma forma diferente da que escreve sobre todos os outros locais. As personagens que ele molda são também diferentes, mais doces e rudes e menos elaboradas e intelectuais nos romances mais autobiográficos. A intensidade é diferente, a poesia, o sentir, a delicadeza, a nobreza, a luta, o confronto, são diferentes; são menos intelectuais, menos retóricos. É como se escrevesse uns romances com a cabeça e os outros com a cabeça mas também com os sentidos, a nostalgia, a memória, como se saíssem de dentro dele e não apenas como se fossem construções. Para mim, este é mais um bom romance ao contrário dos outros que são excelentes romances.