28/09/10

A Velha

Diziam que era assim que os seus inimigos se referiam a Manuela Ferreira Leite, sobretudo os do PS, parece que os do PSD dobravam um pouco a língua, mas poucos do “establishment” gostavam dela.

Era “velha” porque não se deixava levar pelo optimismo plástico do nosso Primeiro-ministro, de CV invejável (*). Era “velha” porque dava mais relevo ao problema da dívida do que à promoção das energias renováveis. Era “velha” porque era lúcida e não vendia ilusões nem banhas de cobra. Era “velha” porque sabia olhar para os números, ver um sentido neles, tirar as devidas conclusões e comunicá-las com a secura e a clareza própria dos números, e sem sorrisos de quem anda permanentemente em campanha. Era “velha” porque nunca se deslumbrou com a sabedoria empacotada das agencias de comunicação, que fazem frases nas suas fábricas de especialista de comunicação e marketing político. Era “velha” porque era sólida e sabia (concordando-se sempre ou não) o rumo de que Portugal precisava.

Era “velha” porque pensava a política como um serviço e não como uma carreira (que já tinha tido). Era “velha” porque não se rodeava de “boys” e “girls”, assessores e inúmeros gabinetes de estudos; confiava em poucos e decidia muitas vezes sozinha. Era “velha” porque as frases nem sempre lhe saiam alinhadas, e a sintaxe nem sempre era perfeita. Era “velha” porque era genuína nessas falhas, e não andava à procura de popularidade. Era “velha” porque não ligava às sondagens, nem alimentava a comunicação social com gestos simbólicos ou anúncios diários ou semanais. Era “velha” porque desprezava a soberba medíocre com que os arrivistas políticos, intelectuais ou “artistas” se passeavam e se recusava a prestar-lhes vassalagem. Era “velha” porque – à moda antiga – pouco se preocupava com a sua imagem, insistindo, por exemplo, no colar de pérolas que sempre gostou do usar. Era “velha” porque nada fazia para ser “bonita”.

Era “velha” porque tinha coragem; a coragem da impopularidade e de não ceder ao mais popular e ao mais fácil. Era “velha” porque não usava demagogia. Hoje a “velha” “dá cartas”. Ao Primeiro-ministro que continua, como sempre esteve, alheado do país e do mundo e sem coragem, para falar verdade e olhos nos olhos aos portugueses - agora até arranjou alguém de fora para o fazer, e para nosso vexame e nossa tristeza, o Secretario-geral da OCDE, na sua relativa ignorância e com a usual leviandade da boa-vontade, prestou-se a esse teatrinho: fê-lo mal e despropositadamente. Manuela Ferreira Leite dá cartas ao líder da oposição que, apesar de "novo" e bem penteado ainda não percebeu que rumo quer, e que anda, qual barco à deriva, ao sabor de umas opiniões e ultimatos alinhavados no momento para benefício da comunicação social, (pondo em causa até as eventuais boas opções e trabalho sério), de umas frases ditas em comícios e das sondagens.

Com o país a afundar-se e os portugueses a assistirem tranquilos, só posso concluir que, apesar de todos os defeitos, falhas e limites, o país não merecia Manuela Ferreira Leite.

Adenda: Após releitura percebo como este CV é um excelente exemplo das maravilhas que a engenharia semântica pode fazer. Aprendam todos.

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