Ontem folheava uma revista quando parei na fotografia de Paul Auster que ilustrava a entrevista. Pensei: “está velho”, aquilo que tantas vezes pensámos sempre com uma surpresa que não nos deveria surpreender: nada mais inevitável do que o passar do tempo e o envelhecimento dos outros que de vez em quando vemos na rua ou numa fotografia. Se nos lembramos deles quando eram “novos” é, só por si, um sinal inequívoco e indesmentível de que também nós envelhecemos. Não precisamos sequer de ir ao espelho, pois não há como escapar deste axioma. Como costumo dizer: se tivermos sorte, também nós chegamos a velhos.
Estava eu ainda meia enredada nestes considerandos semi-metafísicos acerca do “ser velho” e do “parecer velho”, quando vejo a fotografia (que presumo relativamente recente), bem como a notícia da morte de Óscar Lopes. Nela, Óscar Lopes tem o cabelo branco e algumas rugas na cara mas, ao contrário de Paul Auster, não parecia tão obviamente “mais velho” do que quando o conheci na Faculdade de Letras da Universidade do Porto onde foi meu professor. Ele nunca teve propriamente (também ao contrário de Paul Auster) um ar ‘jovem’ e/ou "desportivo", como hoje é suposto termos e como tentamos, sempre teve uma constituição delicada e algo frágil. Mas isto foi tudo há alguns anos, há bastantes anos; é melhor nem fazer as contas.
Muitas vezes me tenho perguntado para que serviram os meus anos passados na faculdade num curso marcadamente teórico. Para além da pertinência e importância inegável ‘do canudo’ (que o diga Miguel Relvas), consolidei na Faculdade umas bases culturais que hoje considero terem sido sólidas. No entanto constato que sobretudo aprendi a pensar. E aprendi-o em várias vertentes. Primeiro, e numa época em que o Google não respondia de imediato às dúvidas, nem resolvia lacunas do saber, havia uma importante questão de organização, estrutura e prioridade: era preciso decidir o que queríamos saber, como o queríamos saber, onde ir buscar esse saber. Depois, num segundo momento, tínhamos que aproveitar ao máximo e rentabilizar cada gota de saber adquirido para o fazer render, se possível para outras cadeiras e outras matérias afins. Começávamos assim a relacionar os conhecimentos adquiridos e a flexibilizá-los. Finalmente, e quando não tínhamos os ditos conhecimentos – falhas nos apontamentos, bibliografia não consultada - tínhamos que pensar duas vezes mais ‘forte’ para chegarmos a algum lado a nível de estruturar uma resposta, para tirarmos alguma conclusão. Assim desenvolvíamos alguma criatividade e uma atitude crítica.
Para além de ‘aprender a pensar’ aprendi também ‘algumas coisas’: a gostar ainda mais de literatura, e de arte em geral, e a conhecer melhor a nossa língua e a nossa literatura. Óscar Lopes foi um professor fundamental nessas aprendizagens. Numa altura em que não se tinha medo de ensinar literatura no secundário (liceu), todos estudávamos na sua (e de António José Saraiva) História da Literatura Portuguesa, sem que isso tenha traumatizado especialmente a minha e tantas outras gerações. Ainda hoje consulto essa obra sempre que preciso ou me apetece. Foi no entanto na faculdade, quando o tive como professor, que percebi a dimensão do seu amor à língua e à literatura e a sua vastíssima erudição. Era um professor (um Professor Catedrático) tranquilo mas apaixonado pela matéria que dava, e a sua cadeira de História da Língua Portuguesa foi uma das que mais me ensinou e das que mais gostei. Tinha uma visão muito larga, um conhecimento vastíssimo, mas aliado à humildade própria de quem sabe muito e sabe sobretudo que nada sabe - uma atitude que num meio académico, em que tantos passeiam a sua vaidade intelectual que às vezes não passa mesmo disso, nos corredores das faculdades, é bem mais rara do que seria desejável. Estava sempre disponível para o aluno o que, aliado a um trato afável, o tornavam surpreendentemente acessível. Nunca se falou de política nas suas aulas, nunca houve nenhum tipo de proselitismo e era quase unânime a simpatia que os alunos sentiam por ele. Deixou-me ‘saber’ e boas memórias.