24/07/10

Middlemarch

Há umas semanas (meses?) comprei, num desses impulsos que os técnicos de marketing tão bem conhecem e exploram através da visibilidade que dão ao seu produto, “A Viúva Grávida” de Martin Amis, edição da Quetzal. Nunca tinha lido nada de Amis e há algum tempo que tinha curiosidade e vontade de ler um dos seus romances. Esta pareceu-me uma oportunidade tão boa como qualquer outra. Em casa, ao ver o livro perguntei-me porque é que o tinha comprado (nessa dúvida pós-compra, que apesar dos psicólogos do marketing também conhecerem bem, raramente me aflige, sobretudo com livros), uma vez que poderia tê-lo encomendado pela Amazon e assim lia a versão original como sempre gosto de fazer quando domino bem a língua e conheço a cultura. Enfim, disse comigo, com esta compra ganham as editoras e os tradutores nacionais.

Ontem peguei no livro e comecei a lê-lo. Não estava a ser um caso de amor à primeira vista, o que não é necessariamente mau presságio, muitos livros de que gostei não me prenderam nas primeiras dezenas de páginas. No entanto sentia uma narrativa pouco fluida, e sentia algo de errado com a linguagem. Algumas frases não “soavam” bem e mais do que uma vez me perguntei como seriam no original em inglês. Até que cheguei à página 41 onde vejo a seguinte frase:

O único romance que ela elogiava sem reservas era “Meados de Março” (1).

Na nota no fim da página apenas: (1) Middlemarch.

Meados de Março? O quê? Está tudo louco? E a nota é irrelevante: não esclarece quem não sabe. Eu sei que os tempos estão difíceis, que as editoras não têm dinheiro mas querem ganhá-lo com livros competitivos, que os tradutores têm também de ser competitivos (eufemismo para ser barato) e de cumprir prazos, e tudo o mais que se poderia dizer sobre o assunto. Mas pergunto-me, vale a pena “fazer” livros de qualquer maneira e a qualquer preço? Parece que sim, e está tudo bem assim. Eu é que estou mal porque me irritei, porque fiquei espantada e porque pousei o livro traduzido por alguém que não faz ideia do que é Middlemarch, nem procurou saber, nem tão pouco procurou esclarecer os leitores, que esses sim, não têm obrigação de saber. Já agora: Middlemarch é o título de um dos melhores – e mais importantes - romances ingleses do séc. XIX. Foi escrito por George Elliot (uma mulher), e Middlemarch não tem nada de “Meados de Março”, é sim o nome de ficção da cidade de província no centro de Inglaterra (Midlands) onde se passa a acção do romance.

Ser tradutor de língua inglesa e não conhecer o básico da sua literatura e cultura, é um mau cartão de visita. Fiquei sem vontade de continuar a ler a “Viúva Grávida” (que não tem culpa nenhuma, coitada), pelos menos esta tradução. Perde Martim Amis, ganha Geoge Elliot: apetece-me reler, ou pelo menos perder-me uns tempos com as 800 páginas dessa obra-prima que é Middlemarch e revisitar uma das mais interessantes personagens femininas de sempre, Dorothea Brooke. Não é coisa para “faint hearted”, nem para as gerações alimentadas a literatura infantil, e a imediatismos: 800 páginas demoram tempo a ser digeridas.

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