17/07/10

A Falta de Política - Efeitos Secundários 2

O Estado da Nação é desarmante, no sentido em que já desarmou ou desarma qualquer emoção ou paixão que nutríssemos ou nutramos ainda sobre ele, o vazio e a previsibilidade dos actores (o governo sobretudo) e o beco sem saída que são as circunstâncias, deixam já pouco espaço a um envolvimento ou emoção. Assim o debate no Parlamento sobre o Estado da Nação nada foi mais do que o espelho deste marasmo e impasse nacional de quem espera, desconfortável, aquilo que sabe que tão cedo não acontece. José Sócrates foi igual a si próprio, alheado do país e hermeticamente fechado no seu mundo colorido à maneira do “Nody”. Paulo Portas teve o seu momento “uau!” no Parlamento (ele vive destes momentos) que previsivelmente encantou a comunicação social que se apressou a disso dar conta, como se fosse algo. Passos Coelho passeou na televisão o seu bem comportado e desinspirado cinzentismo. Os comentadores já não sabem que mais comentar, há há tanto tempo que disseram tudo o que havia a dizer...

Procurei remédio no clube de vídeo “meo”, e fiz a pior opção possível (não é que houvesse uma boa escolha de melhores opções, diga-se): ver coisas “leves” – aquelas que o meu instinto e bom senso me impedem (e muito bem) de ver nas salas de cinema. Assim vi: “Mulher com Cão procura Homem com Coração”, “Ouviste Falar dos Morgan?” e “Marido por Acidente”. O primeiro é muito mau, o segundo mau e o terceiro medíocre graças a dois momentos divertidos que são, no entanto, muito mais do que qualquer um dos outros filmes oferece e que chega a ser confrangedor (onde está o Hugh Grant que conhecemos de "Quatro Casamentos e Um Funeral" ou de "Notting Hill"?) A minha irritação aumentou pelo tempo perdido a ver os filmes, mas pior do que os filmes é ainda me admirar com a “moral” que eles servem, a mentalidade primária e quase analfabeta que está subjacente a estes produtos e que a sociedade consome sem questionar, tornando-os sucessos de bilheteira. O facto das personagens terem cursos superiores ou vestirem Chanel ou escreverem livros ou o facto de se moverem num mundo financeiramente folgado, só torna essa falta de cultura, de ironia e essa estreita mentalidade de que a vida se centra nesse patético “encontrar a alma gémea”, ainda mais presente e mais visível no produto final que são estes maus filmes.

Para me reconciliar com o cinema, com o mundo e comigo, vi “O Segredo dos Seus Olhos”, um filme de Juan José Campanella. Um filma que parece à moda antiga, que faz lembrar os bons filmes série B, em que o herói é perseguido por uma memória de um caso “mal” resolvido. Mas o filme é mais complexo do que isso: ao revisitar o caso “mal” resolvido – numa interessante narrativa em que passado e presente se conjugam, as personagens esbarram com o seu próprio passado, numa viagem de melancolia servida por personagens fortes, densas e que guardam cada uma o seu próprio mistério, cada uma com o seu “segredo”, o seu “desajuste”, a sua nostalgia. Ao longo dos tempos teceram inesperadas teias entre si: os diálogos são uma parte visível desse subtil tecer e são inteligentes sem nunca ganharem protagonismo (como nos casos em que temos de os decifrar ou adivinhar). Sobram a música, as cores do filme que são quentes e fortes (o baton que ela usa) e os interiores que são pequenos, cheios e um pouco claustrofóbicos, como os escritórios cheios de estantes e de papeis (os “casos”). Sobram também excelentes actores. Uma coisa que me agradou foi o facto de nenhum dos actores ser hollywoodescamente bonito, nem terem dentes todos anormalmente brancos e regulares, nem botox e enchimentos faciais, nem terem músculos esculturalmente bem colocados e desenhados. São normais, absolutamente humanos e absolutamente fascinantes. Um filme a rever.

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