A degeneração do Fidalgo de Basto promoveu-a o sistema representativo. O acto eleitoral foi a rampa traiçoeira por onde aqueles partidários do trono absoluto escorregam à democracia. Verdade é que o sufrágio cedido aos seus correligionários era um sincero sufrágio pelos fieis defuntos. Os seus enviados ao Parlamento sentavam-se venerabundos (...). Não pediam estradas nem abadias, nem campanário, nem comendas, estavam ali com os ouvidos atentos à espera do que vinha da Rússia. Afinal o temperamentos sanguíneo dos cavalheiros de Basto borbulhou em comichões de novas ideias, e todos eles se coçaram mais ou menos com a carta constitucional. A liberdade vencera; mas as proeminências congénitas daquela plêiade de Bayards, quase todos capitães-mores, desvaneceram-se nas brumas da epopeia, que nunca mais terá pessoa em que pegue naquela região onde já não há tradição da velha tirania dos patíbulos, excepto o vinho que ainda é de enforcado.
Camilo Castelo Branco, Novelas do Minho - Volume 2, O Filho Natural
Ao longo das diferentes Novelas do Minho paira uma visão provinciana e conservadora do Portugal político. Uma visão desconfiada e algo cínica da classe política de então (em contraponto com a anterior), mas sobretudo sente-se pouco o apreço pela democracia 'recente' - como vemos nas referências algo irónicas à “liberdade” – um sistema que (tal como o vemos nas obras), mais do que os outros, abre portas e permite a mediocridade, as sinecuras, a ostentação, a criminalidade e a corrupção. O “acto eleitoral” também não colhe grande consideração e respeito, nem tão pouco o que dele resulta: os deputados. Eles são olhados com pouco respeito, consideração ou admiração, como se pode ler nos excertos transcritos.
E, naquele tempo, havia governadores civis, administradores de concelho, regedores, cabos de polícia, etc. Esta corporação de funcionários não prendia ladrões: fazia deputados.
Camilo Castelo Branco, Novelas do Minho - Volume 1, Gracejos que Matam.
Nas Novelas do Minho, CCB olha para o Portugal político de então e descreve-o com algum desprendimento, um pouco como um ‘outsider’, alguém que não se revê totalmente nesse sistema, e não quis fazer nem faz parte dele. O seu mundo era outro e transparece uma névoa de saudade pelo Rei D. Miguel. Essa distância e desprendimento calculado permitem-lhe o cinismo, a ironia, e um humor franco e frontal, às vezes trocista até; se assim não fosse, teríamos um tom bem diferente, mais apaixonado, mais indignado, mais zangado e mais revoltado (mais uma vez a comparação com Eça e o tom político dos seus romances impôs-se-me). Resta-me dizer o óbvio: tanto do que era nas Novelas do Minho, é hoje. Parece que em matéria política, o quadro em que gerações após gerações se encontram, teima em ter semelhanças.
Para terminar, lembro esta deliciosa referência de CCB ao socialismo. Só lembraria que nos dias de hoje os “caixeiros” chegam longe, e já agora, onde se escreve “óleo de amêndoas doces”, poder-se-ia escrever hoje “fatos Armani”.
Foi toda a vida mercador, sempre ao balcão, ou encostado à ombreira da porta como hoje o não faria um caixeiro com a cabeça cheia de socialismo e óleo de amêndoas doces.
Novelas do Minho- Volume 1, Morgada de Romariz