20/11/10

Obama Escrutinado


Nestes dias de escrutínio febril a Obama, quem Obama beija, o que é oferecido a Obama, a forma desportiva como Obama desce as escadas do avião, como é em cada ínfimo detalhe o carro de Obama, quem viu Obama, o cão de Obama, eu também quero deixar o meu contributo à operação “Escrutinar Obama”, um eficaz ersatz para a ausência de ideias e debate político que se vive neste nosso país que não consegue deixar de se inchar com os “eventos”, as coleiras de cortiça para cães presidenciais e a clutch Croco Maya (com um nome desses eu tinha vergonha, mas adiante) oferecida a Hillary Clinton.

Eu já tinha visto Obama assinar (nomeadamente na sua tomada de posse), mas nunca tinha percebido a desilegância do seu gesto e a forma absolutamente anormal de pegar na caneta e de contorcer o pulso (a televisão mostrou a sua mão em primeiro plano). Sim, percebi que era canhoto, mas desde quando ser canhoto é desculpa para seja o que for? Também sei que hoje o acto de escrever não é como era no(s) tempo(s) em que o teclado não fazia parte da vida de cada um de nós - hoje funciona já como um prolongamento do nosso corpo (tal como o telemóvel). No entanto, o acto e gesto de saber pegar numa caneta ou num lápis e de o usar a escrever, e de escrever caracteres harmoniosos faziam parte de uma arte chamada caligrafia. Os professores na primária ensinavam a pegar no lápis. Eu, sei que fui uma excepção, fiz a primária numa escola em que me obrigaram a desenhar as primeiras letras com uma pena e tinta. Depois passei para caneta de tinta permanente e assim fiz toda a primária pois a esferográfica era proibida – política da escola. Era um pesadelo, e eu era desastrada sujando tantas vezes cadernos e trabalhos, mas aprendi a pegar no lápis e essa disciplina e trabalho de contenção e rigor, nunca me prejudicaram. O gesto correcto não é só mera convenção ou bazarrice, é mesmo a forma que permite o mais natural e eficaz manuseamento do lápis/caneta e melhores resultados nomeadamente no desenho. Se um político tem aulas de dicção, "aulas" de estilo, não pode ter aulas de como pegar numa caneta e assinar documentos oficiais em público?
Nas escolas agora não se perde tempo a ensinar a pegar no lápis (a imagem vem daqui, mas uma busca rápida permite ver que opções de imagens e "dicas" não faltam) e vemos gestos tão maus ou piores do que os do Obama, e caligrafias aberrantes. Mais tarde na secundária e na faculdade os professores queixam-se. Mas tanta exigência e disciplina prejudica a livre expressão das criancinhas e a aprendizagem e imposição de regras e de técnicas restringe a liberdade e criatividade. Depois ficam todas a escrever como Obama. Se calhar é isso que querem.

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